A maioria do Mundo está do lado da Rússia contra os Estados Unidos

(John V. Walsh, in Unz Review, 28/04/2022)

2014 assistiu a dois acontecimentos fulcrais que conduziram ao actual conflito na Ucrânia.

O primeiro, familiar a todos, foi o golpe na Ucrânia, no qual um governo democraticamente eleito foi derrubado sob a direção dos Estados Unidos e com a ajuda de elementos neonazis que a Ucrânia há muito alberga.

Pouco tempo depois, os primeiros tiros na actual guerra foram disparados sobre a região de Donbass, simpática à Rússia, pelo recém-instalado governo ucraniano. O bombardeamento do Donbass que ceifou 14.000 vidas continuou durante 8 anos, apesar das tentativas de cessar-fogo ao abrigo dos acordos de Minsk que a Rússia, França e Alemanha concordaram, mas a Ucrânia, apoiada pelos EUA, recusou-se a implementar. A 24 de Fevereiro de 2022, a Rússia respondeu finalmente ao massacre em Donbass e à ameaça da OTAN à sua porta.

A Rússia vira-se para o Oriente – A China fornece uma potência económica alternativa.

O segundo evento crucial de 2014 foi menos notado e, de facto, raramente mencionado nos principais meios de comunicação social ocidentais. Em Novembro desse ano, de acordo com o FMI, o PIB da China ultrapassou o dos EUA em termos de paridade de poder de compra (PIB PPP). (Esta medida do PIB é calculada e publicada pelo FMI, Banco Mundial e mesmo pela CIA. Estudiosos de relações internacionais como o Prémio Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, Graham Allison e muitos outros consideram esta métrica a melhor medida do poder económico de uma nação). Alguém que tomou nota e que menciona frequentemente a posição da China no ranking PPP-GDP não é outra senão o Presidente Vladimir Putin da Rússia.

De um certo ponto de vista, a ação russa na Ucrânia representa uma viragem decisiva do Ocidente hostil para o Oriente mais dinâmico e para o Sul global. Isto segue-se a décadas de boicote do Ocidente a uma relação pacífica desde o fim da Guerra Fria. À medida que a Rússia faz o seu pivot para Leste, está a fazer o seu melhor para garantir que a sua fronteira ocidental com a Ucrânia esteja assegurada.

Na sequência da ação russa na Ucrânia, as inevitáveis sanções dos EUA recaíram sobre a Rússia. A China recusou a juntar-se a elas e recusou-se a condenar a Rússia. Isto não foi surpreendente; afinal, a Rússia de Putin e a China de Xi tinham estado cada vez mais próximas durante anos, sobretudo com o comércio denominado na bolsa rublo-renminbi, avançando assim para a independência do regime comercial dominado pelo dólar ocidental.

A Maioria Mundial Recusa-se a Apoiar as Sanções dos EUA

Mas depois uma grande surpresa. A Índia juntou-se à China na recusa em honrar o regime de sanções dos EUA. E a Índia manteve a sua determinação apesar das enormes pressões, incluindo apelos de Biden a Modi e um comboio de funcionários de alto nível dos EUA, do Reino Unido e da UE que partiam para a Índia para intimidar, ameaçar e tentar intimidar a Índia. A Índia enfrentaria “consequências”, e a ameaça cansada dos EUA subiu. A Índia não cedeu.

Os estreitos laços militares e diplomáticos da Índia com a Rússia foram forjados durante as lutas anticoloniais da era soviética. Os interesses económicos da Índia nas exportações russas não podiam ser contrariados pelas ameaças dos EUA. Agora, a Índia e a Rússia estão agora a trabalhar no comércio através da troca rublo-rupias. De facto, a Rússia acabou por ser um fator que colocou a Índia e a China do mesmo lado, perseguindo os seus próprios interesses e independência face ao diktat dos EUA. Além disso, com o comércio rublo-renminbi já sendo uma realidade e com a troca rublo-rupias no futuro, será que estamos prestes a assistir a um mundo de comércio Renminbi-Rublo-Rupia – uma alternativa “3R” ao monopólio do dólar-euro? Estará a segunda relação política mais importante do mundo, aquela entre a Índia e a China, prestes a tomar uma direção mais pacífica? Qual é a primeira relação mais importante do mundo?

A Índia é apenas um exemplo da mudança no poder. Dos 195 países, apenas 30 honraram as sanções dos EUA contra a Rússia. Isso significa que cerca de 165 países no mundo recusaram-se a aderir às sanções. Esses países representam, de longe, a maioria da população mundial. A maioria da África, América Latina (incluindo México e Brasil), Ásia Oriental (exceto Japão, Coreia do Sul, ambos ocupados por tropas americanas e, portanto, não soberanas, Singapura e a renegada província chinesa de Taiwan) recusaram-se. (só a Índia e a China representam 35% da Humanidade).

Acrescente-se a isso o facto de 40 países diferentes serem agora alvo de sanções dos EUA e de haver um círculo eleitoral poderoso para se oporem às táticas económicas de bandido dos EUA.

Finalmente, na recente Cimeira dos G-20, a uma greve liderada pelos EUA, quando o delegado russo falou, juntaram-se os representantes de apenas 3 outros países do G-20, com os líderes de 80% destas nações a recusarem-se a aderir! Do mesmo modo, uma tentativa dos EUA de impedir um delegado russo de participar numa reunião do G-20 no final do ano em Bali foi rejeitada pela Indonésia, que detém atualmente a Presidência do G-20.

Nações Tomando o lado da Rússia já não são pobres como na Guerra Fria 1.0.

Estes países dissidentes do Sul Global já não são tão pobres como eram durante a Guerra Fria. Dos 10 países do topo do PPP-GDP, 5 não apoiam as sanções. E estes incluem a China (número um) e a Índia (número 3). Assim, a primeira e terceira economias mais poderosas estão contra os EUA nesta matéria. (A Rússia é o número 6 dessa lista, perto da Alemanha, número 5, estando os dois perto de se igualarem, o que contraria a ideia de que a economia da Rússia é insignificante).

Estas posições são muito mais significativas do que qualquer voto da ONU. Tais votos podem ser coagidos por um grande poder e pouca atenção lhes é dada no mundo. Mas os interesses económicos de uma nação e a sua visão do principal perigo no mundo são determinantes importantes da forma como ela reage economicamente – por exemplo, a sanções. Um “não” às sanções dos EUA é pôr o dinheiro onde está a boca.

Nós no Ocidente ouvimos dizer que a Rússia está “isolada no mundo” em resultado da crise na Ucrânia. Se estamos a falar dos Estados Euro-vassalos e da Anglosfera, isso é verdade. Mas considerando a Humanidade como um todo e as economias em ascensão no Mundo, são os EUA que estão isolados.

E mesmo na Europa, estão a surgir fissuras. A Hungria e a Sérvia não aderiram ao regime de sanções e é claro que a maioria dos países europeus não irão, e na verdade não podem, afastar-se das importações russas de energia cruciais para as suas economias. Parece que o grande esquema de hegemonia global dos EUA a ser trazido pela mudança dos EUA para a II Guerra Mundial Redux, tanto Fria como Quente, atingiu um poderoso obstáculo.

Para aqueles que anseiam por um mundo multipolar, esta é uma viragem bem-vinda dos acontecimentos que emergem da cruel tragédia da guerra por procuração dos EUA na Ucrânia. A possibilidade de um mundo multipolar mais são e mais próspero está à nossa frente – se conseguirmos lá chegar.

Original aqui


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14 pensamentos sobre “A maioria do Mundo está do lado da Rússia contra os Estados Unidos

  1. Vi o título deste post e imediatamente pensei “Ah, olha, se calhar nem sabem que os EUA já estão a fazer birra no G20 porque a Indonésia decidiu convidar Putin para o evento”. Mas não, vá lá. Os EUA não toleram dissidência contra a sua pseudo posição hegemónica no mundo. O que me custa nesta situação é ter de colocar-me implicitamente do lado de líderes muito anti-democráticos apenas para manter alguma objectividade.
    Começado na Índia fundamentalista hindu de Modi, passando pelo currículo oligárquico de Putin e acabando no autoritário Xi Jiping, nenhum destes personagens é particularmente atraente como modelo de governação. Mas do outro lado está o império decadente de um dos países mais racistas e xenófobos do mundo. Os EUA protestam contra a perseguição dos Uyghurs (legítimo BTW) enquanto fazem centenas de coisas piores em Guantánamo ou qualquer gueto afro-americano (“inner cities” chamam-lhes por aqueles lados), apontam o dedo às oligarquias russas enquanto celebram os seus oligarcas, tão maus ou piores que os russos, como heróis nacionais (ainda aplaudem quando estes gastam o PIB de um país médio só para ficarem 100 km mais perto da Lua durante uma hora) e choram pelo fundamentalismo hindu que assola a Índia no mesmo dia em que o seu Tribunal Supremo regride a sociedade em 100 anos ao restringir o aborto ao nível federal (bye bye Roe v. Wade). Os EUA caminham a passos largos para uma ditadura fundamentalista religiosa, potencialmente bem mais perigosa que a que impuseram no Irão (porque esta já traz nukes embebidas no regime) nos anos 70 (em nome do barril de petróleo abaixo dos 100$), e ficam surpreendidos quando a maioria do mundo se recusa a segui-los em direcção ao abismo?
    As eleições intermédias estão a menos de 6 meses e já anda tudo a antever um recuo brutal graças aos sucessos anti-democráticos do partido Republicano em manipular mapas eleitorais (esse “pináculo” da democracia representativa que é o gerrymandering…) e barrar minorias da mesa de voto com auxílio a legislação. As presidenciais de 2024? Vai ser 100x pior… Se o Trump trouxe saudades do Bush Jr, o próximo vai ser tão mau ao ponto de qualificar Trump como candidato ao Nobel da economia.
    O colapso americano está cada vez mais próximo, claramente em linha com todos os outros “impérios” falhados, pois até hoje não falharam nenhum dos passos que conduziram ao colapso do império britânico que o precedeu. A falta de apoio mundial à posição americana assim o indica. Espero apenas que os líderes europeus abram os olhos antes de terem a primeira perna a oscilar sobre o vazio.

      • Tenho de admitir, quando comento neste contexto, uma parte de mim fica sempre na dúvida: “será que os GBs que li ontem eram só propaganda?”, “Poderei estar a ser enganado?” ou a que mais me assusta “Há algo importante que ainda não vi ou não dei importância?”
        Porque quando é para criticar o Trump, ou a extrema-direita assumida, é fácil. Estes personagens são tão estúpidos, tão ineptos que até uma criança iletrada o faz.
        Mas quando temos Putin de um lado, um animal completamente diferente do que estamos “habituados” a lidar até aqui, e a máquina massiva de propaganda mediática ocidental do outro… epah, a malta fica com dúvidas. Há sempre aquele “quê” de incerteza que não deixa descansar o pessoal que tenta ser objectivo acima de tudo.
        Mas felizmente podemos contar com os pseudo-intelectuais deste país para nos guiarem. Se há coisa que abunda no país da bola, é malta que quer ser vista com inteligente, como culta, mas se possível sem passar por aquela maçada que os verdadeiros intelectuais teimam em fazer, como ler, pesquisar, raciocinar, etc. Bom, bom era poder ver a bola com uma cerveja na mão e a pança cheia de tremoços, mas, em simultâneo, conseguir passar por inteligente quando, na verdade, maior parte das vezes nem conseguimos seguir o esférico pelo campo.
        Dá para fazer isso? Sim, basta ver como os Josés de Almeida deste país vivem. Obviamente que o senhor tem zero capacidade de análise e clara falta de inteligência, mas por aqui anda, grunhindo pois não consegue fazer mesmo mais nada. O facto de responder a comentários complexos com um par de grunhos à suíno ao invés de com uma contra-argumentação sustentada assim o demonstra. Mas, mais que tudo, acalma os meus nervos e certifica a minha lógica como válida. É como o bronco do recreio quando decide gozar com o miúdo inteligente e acaba a ser gozado. O que é que ele faz quando confrontado com a sua estupidez? Grunhe e ameaça porrada. O José não ameaça porque não sabem quem está deste lado mas que grunhe, grunhe.
        Eu vejo a incapacidade de atacar o meu comentário com contra argumentos objetivos como, bem, o típico grunho que tenta passar por intelectual sem o ser e está simplesmente a reagir em pânico ao ver que há vacas por aqui não estão a seguir a manada. O problema é que estas vacas conseguem explicar (com alguma facilidade diga-se) porque é que a manada está a ser enganada e a caminhar em direcção à falésia. Mas como a vaca De Almeida (há que capitalizar o “D” porque estas vacas privilegiadas ficam chateadas se não o fizer) se limita a seguir as outras, incapaz de argumentar com as vacas independentes, uiva, grita e, acima de tudo, grunhe, em pânico, ao ver a hegemonia da qual não tem capacidade de analisar e se limita a aceitar como evangelho, a ser atacada.
        Por isso obrigado caro bovino Amaral. Não adianta muito ao meu mundo, mas vá, obrigadinho pelos grunhos de confiança

  2. Apesar de ser contra as guerras, pois acredito que através do diálogo se podem solucionar todas as divergências, sejam geopolíticas ou ideológicas, compreendo o ataque da Federação Russa à Ucrânia a 22 de março. Se não tivessem tomado aquela atitude preventiva , o que hoje assistimos horrorizados em solo ucraniano, estaríamos a assistir, mil vezes pior, em solo russo. Basta ver como a OTAN tratou/trata os habitantes dos países considerados inimigos, pois se recusaram a seguir as regras por eles ditadas. O dever de um líder é defender o seu povo. Putin, com todos os seus defeitos, tomou a única medida que estava ao seu alcance: a melhor defesa é o ataque. Os dados estão lançados. Em que mundo irão viver os nossos filhos: sob a bota e as regras da OTAN ou num mundo multipolar, em que cada país respeita o outro e colaboram para um mundo melhor?

  3. Estátua de Sal… o QAnon de Portugal!

    Este blog começou por ser sério, intelectualmente estimulante. Depois começou a tornar-se irritante, depois cada vez mais dececionante, e agora… tornou-se hilariante! Vale a pena entrar aqui de vez em quando só para ver se o desvario já bateu outro recorde.

    • Assim, não vale e não é sério!
      Então vem aqui dizer um disparate, que apenas mostra que não gosta do que leu e nem diz o porquê?
      Afinal, qual é que é o direito que lhe assiste, para achar melhor o seu desvario que o do Estátua de Sal?

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