O PSD só forma governo se o PS quiser

(Por Estátua de Sal, 14/01/2022)

Como é que alguém sem ideias eficazes para a governação do país, para a melhoria das condições de vida da maioria dos cidadãos, para a melhoria dos serviços públicos que são disponibilizados aos portugueses, e que propõe a descida dos impostos para as empresas quando o peso dos rendimentos do trabalho no PIB em Portugal é dos menores da Europa e ainda cairia mais, como é que Rui Rio equilibrou, de certa forma, o debate de ontem com António Costa?

Simplesmente porque António Costa está a seguir uma estratégia que o conduz a um beco sem saída. Apesar de não o dizer Costa está a seguir uma estratégia de “ou a maioria absoluta ou o dilúvio”, sendo certo que, não ocorrendo um milagre, todas as sondagens indicam que a maioria absoluta não passa de uma quimera, um mito que lhe embala os sonos e os sonhos.

Assim sendo, porque coloca Costa todas as fichas num cenário tão pouco plausível? Talvez por fé, Costa continua a achar que os eleitores do BE e do PCP irão penalizar esses partidos nas eleições, mudando o seu voto para o PS, devido ao facto de terem feito cair o governo. E, para que tal mudança ocorra, Costa ameaça com o perigo das políticas de puro liberalismo económico de Rui Rio, privatizações da TAP, CGD, plafonamento na Segurança Social, etc.

Ora, tal perigo não passa de uma manobra demagógica para assustar os mais crédulos, e tentar fazer crer aos eleitores de esquerda que vem aí o lobo disfarçado de Rui Rio. Nada indica que o PSD e os partidos à sua direita – Chega incluído -, venham a ter maior representação parlamentar que o PS e os partidos à sua esquerda. Esse seria o cenário em que Rui Rio seria Primeiro-Ministro e levaria avante o seu programa de governo – fundado num neoliberalismo obsoleto e requentado em que já nem reputados economistas neoliberais acreditam -, acolitado provavelmente por André Ventura e outros ministros do Chega. Não direi que, nesse quadro, o estado de direito passasse a estar ameaçado, mas o Estado Social e os seus avatares mais emblemáticos, como o Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gratuito e a escola pública, iriam sofrer um rude golpe: terminar-se-ia a sua destruição iniciada nos tempos da troika e de Passos Coelho e interrompida pelos governos da Geringonça.

Assim sendo, o perigo de um governo de direita chefiado por Rui Rio, abraçando algumas das políticas da extrema-direita para comprar o apoio parlamentar do Chega, é cenário que não se vislumbra como plausível.

Logo, o PSD só poderá ser governo, se o PSD tiver maior representação parlamentar que o PS e se o PS quiser, aprovando-lhe os programas de governo e os orçamentos.

Escrevi “se o PS quiser”, porque, nesse cenário, António Costa diz que se vai embora, bate com a porta, e o PS terá que resolver o problema da sucessão do secretário-geral. Isto é, ainda que nesse quadro exista uma maioria parlamentar do PS com os partidos à sua esquerda, Costa diz não estar aberto a novas Geringonças e prefere sair, em vez de negociar.

É pena. Para quem se vangloriou, durante anos, de ter quebrado o tabu existente durante décadas na política portuguesa – a impossibilidade de os votos dos eleitores de esquerda poderem influenciar a governação -, tal postura é, no mínimo, incongruente, um retrocesso, ou uma prova que o tabu quebrado em 2015 só o foi por mero tacticismo e oportunismo e nunca por substantivas e cruciais razões políticas.

As alternativas que se colocavam a Costa em 2015 eram ser vice-primeiro ministro de Passos, ou ser primeiro-ministro com o apoio do BE e do PCP, depois de Jerónimo de Sousa na noite das eleições, ter proferido a histórica e lapidar frase: o PS só não forma governo se não quiser. E Costa quis, pois considerou ser melhor ser cavalo com a palha de Jerónimo e de Catarina do que burro com a sela de Passos Coelho.

Ora, se já nas eleições de 2019 Costa pedia uma maioria clara para o PS – que foi o partido mais votado, tendo por isso dispensado acordos escritos que fundamentassem uma nova Geringonça e evidenciando já a vontade de se livrar dos seus parceiros de esquerda –, nas negociações do orçamento de Estado para 2022, Costa optou por “jogar a cave” como se diz no poker, criando as condições para que os partidos à sua esquerda viessem a chumbar o documento, e a forçar a queda do Governo.

Sim, mais uma vez o tacticismo a sobrepor-se a razões políticas substantivas. Sim, porque revogar a legislação do trabalho no que toca aos 3 dias de férias cortados pela direita no tempo da troika será uma exigência radical? Repor no Código do Trabalho o fim da caducidade das convenções coletivas, em vez de andar a prorrogar aos soluços os prazos associados à suspensão dessa caducidade, é uma medida radical? Criar um regime de exclusividade no SNS, atrativo ainda que opcional para os seus profissionais será uma medida radical? Ou seja, um orçamento que até continha medidas de apoio significativas aos mais carenciados foi chumbado, no essencial, por razões de política geral e não pelas opções de afetação da receita e do perfil da despesa.

Não direi que as culpas pela queda do governo devam ser endereçadas na totalidade ao PS – sendo que o recíproco também não é verdadeiro, como Costa nos anda a querer fazer acreditar: em qualquer divórcio as culpas são sempre partilhadas. Contudo, o que afirmo é que Costa poderia ter evitado a queda do governo se tivesse tido maior empenho nas negociações com os partidos à sua esquerda. Porque não o fez então? Eis cinco razões:

  1. A maioria absoluta, acredita ele, sendo difícil de alcançar, não é impossível.
  2. Costa não acredita que o PS não venha a ser o partido mais votado – e todas as sondagens parecem dar-lhe razão -, provavelmente reforçando a sua força eleitoral em relação às eleições de 2019, mesmo que sem maioria absoluta.
  3. Nesse cenário Costa poderá sempre negociar a aprovação do orçamento com o PSD de Rui Rio que já se cansou de se predispor a tal, sem pré-condições, e acredita que o preço a pagar não será elevado. Rio fala já em reformas na justiça e no sistema político, isto é, na Lei Eleitoral.
  4. É sempre mais fácil para o PS aprovar legislação com o apoio do PSD do que com o dos partidos à sua esquerda. Na verdade, desde 2019 até ao final da legislatura em 5/12/2021, o PSD votou favoravelmente 62,6% dos diplomas propostos pelo PS enquanto os partidos da esquerda aprovaram apenas à voltam de 50% (Ver dados aqui).
  5. Almejando, eventualmente, uma carreira internacional na Europa neoliberal, sempre é melhor, à cautela, poder apresentar um currículo de negociador bem-sucedido com a direita, afastando assim qualquer suspeita de esquerdismo ideológico que poderia decorrer do seu patrocínio anterior à Geringonça.

Em função de tudo isto, o que irá passar-se em 30 de Janeiro? Provavelmente o eleitorado de esquerda irá recusar a chantagem do voto útil no PS, negando-lhe a maioria absoluta. O PS será o partido mais votado e Costa continuará a ser primeiro-ministro, agora com o apoio do PSD, que até preferiu Rio a Rangel porque Rio dá mais garantias de aproximação imediata ao poder – ainda que em posição subalterna. Curiosamente – ou talvez não -, ainda ninguém perguntou a António Costa o que é que está disposto a ceder à direita, para obter o apoio do PSD, passar o programa de governo e aprovar orçamentos. Todos os eleitores – especialmente os que tencionam votar no PS -, deveriam ser previamente esclarecidos sobre essa temática.

E a propósito, e já agora, convém não esquecer que os fundos da bazuca estão para chegar e que nestes assuntos de pilim o bloco central nunca nos desiludiu…


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10 pensamentos sobre “O PSD só forma governo se o PS quiser

  1. Nas eleições para as autárquicas em Lisboa o eleitorado de esquerda também recusou a pseudo chantagem do PS para votar em Fernando Medina com a chantagem verdadeira que fizeram de que a maioria absoluta era maléfica. Depois foi o que se viu. Agora, perante uma mudança de táctica do PS perante a intransigência do PCP e BE , ficam indignados e voltam à mesma tÁctica de assustar com a maioria absoluta. Tivessem pensado nisso quando derrubaram o governo.

    • O que aconteceu em Lisboa tem uma explicação simples e nada que ver com “chantagens” de uns e outros. O que aconteceu foi a gentrificação da área municipal de Lisboa, nunca travada e, até, estimulada por Medina e Costa, antes dele. Desta forma, o povo de Lisboa foi empurrado para a periferia e ficaram os ricos, os estrangeiros e os turistas. E como sabemos e o PS deveria saber, os ricos só votam PS quando “tem mesmo de ser”…

  2. O Daniel Oliveira, por alguma razão omnipresente nesta “estatuadesal”, não defenderia melhor as teses dos bloquistas sobre o “sinistro”, “frio” e “calculista” António Costa que terá provocado intencionalmente esta crise para conseguir chegar à maioria absoluta. O problema é que nós assistimos, ao vivo e ao longo dos últimos anos (não só nos dois últimos), àquilo que foi o malhar constante, sem dó nem piedade, dos populistas do BE no governo de Costa, tratado sempre como inimigo principal e como alvo a abater. E assistimos também, estupefactos, à tourada que foi a discussão deste último orçamento e ao resultado final.
    Tentar agora dividir responsabilidades, atribuindo a Costa a quota maior dessas responsabilidades, é tentar fazer de nós parvos. O BE chumbou já tinha chumbado o orçamento anterior e não tinha qualquer intenção de deixar passar este.
    E quanto ao PCP, basta ler o artigo do Jorge Tadeu, publicado no DN em finais de setembro, para perceber que os comunistas já tinham decidido saltar fora, fossem quais fossem as contrapartidas, por considerarem que a viabilização dos orçamentos do governo foi “a desgraça do PCP”, segundo as palavras do próprio Tadeu.
    Com muita pena minha, por que me conto entre aqueles que sempre se situaram próximos do PCP, em quase tudo o que defende.

  3. A Estátua de Sal a dar um ar de sectarismo esquerdista e descaradamente parcial. Quem diria?
    Sim, BE e PCP não foram uns irresponsáveis do tudo ou nada ao chumbar o orçamento, que ideia..

  4. O que seria talvez útil de equacionar é que os partidos à esquerda do PS tinham boas e amplas razões para chumbar o orçamento e tentar forçar o governo a negociar, mas que o momento que escolheram para medir forças foi pessimamente escolhido. Ao mesmo tempo, ao recusar cedências que não eram extravagantes aos seus parceiros à esquerda, o PS demonstrou um muito pequena capacidade de se projectar no futuro, resultado de não ter provavelmente um plano para o país a médio e longo prazo, consistindo a sua prática numa navegação à vista, resultado de bloqueios ideológicos e de alianças sócio-políticas pouco conducentes à prossecução de uma política progressista moderada, moderada sublinho.

    A projecção no futuro a que aludi acima consistiria na adopção de uma estratégia social-democrata, voluntarista e persistente no espaço de várias décadas, adaptada aos tempos turbulentos que se avizinham num país que continua a carecer de uma burguesia dinâmica e qualificada capaz de promover o desenvolvimento técnico, científico, ambiental, territorial e social. Um país pequeno como Portugal não pode desaproveitar nenhum cidadão (os EUA importam os engenheiros e os cientistas que não formam) e as fortes desigualdades económicas e educacionais que persistem são e continuarão a ser fatais para o desenvolvimento de um pequeníssimo país.

  5. Há uma 6.a razão e não é dispicienda: Costa também é Secretário Geral do PS e há muita gente no partido que não estranhariamos ver no PSD, gente que é preciso contentar. Maria de Belém Roseira, Daniel Bessa (já se mudou?), Francisco Seixas da Costa, Adalberto Campos Fernandes, as Anas Mendes, Pedro Siza Vieira, Augusto Santos Silva (apesar da retórica truculenta), o próprio António Costa…
    Há muito negócio a fazer, muitos conselhos de administração a preencher, muita vidinha de que é preciso tratar e a malta de esquerda só atrapalha!

  6. Pois ,pois a basuca vai sr fartar vilanagem e de Belem partiram as Caravelas que levavam bolacha sem açucar e o Timoneiro Maior disse ao Imediato de S.Bento …há que distribuir farinha e rebuçados para a viagem da Marinhagem Central e seus rapazes para que a Barcaça não afunde ,quanto aos contestata´rios “Marinheiros” Porão com eles e Bolacha seca sem rebuçados e a carga de volta (basuka” ) será entregue aos DDT (donos disto tudo) pq os seus mandatários Esclavagistas estão aoseu serviço ,se a Marinhagem não tiver SNS ,outra Marinhagem mais pobre fará a próxima viagem ,asssim o determinarão ,Belém ,S.Bento e o imediato Rio ……

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