Seis cenários e meio para depois das eleições

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 24/11/2021)

Daniel Oliveira

Um dos principais debates nesta campanha será a governabilidade. São seis os cenários possíveis: o da continuidade, o da geringonça, o de Passos Coelho, o açoriano, o de Sócrates e o de Cavaco. Diz-se que os presidentes só dissolvem parlamentos quando novas eleições nos tiram de um impasse. Não estou convencido que isso seja verdade.


O primeiro é o cenário de continuidade: o PS fica em primeiro, com uma maioria de esquerda, e precisa do BE, do PCP ou dos dois para governar (já vou ao bloco central). Até ver, isto aconteceria com um Bloco e um Partido Comunista mais frágeis, o que torna os entendimentos ainda mais difíceis. Sem muito a perder, não é provável que se queiram enfiar na mesma situação que os levou até aqui, ficando de novo reféns da responsabilização por qualquer crise política. Se o fizerem, o acordo deveria ser escrito, como o BE pediu há dois anos. Foram os acordos escritos de 2015 que permitiram quatro anos de estabilidade, com negociações duras, mas sem os dramas dos três últimos orçamentos. Veremos se o PCP não volta a cometer o erro de 2019, dispensando acordos escritos e mantendo-se no pântano. A solução deveria ser à espanhola, com ministros dos dois partidos. Quem quer conquistas assume responsabilidades.

Depois, há o cenário da geringonça, com o PS em segundo, mas a esquerda em maioria. Juntos, Bloco e PCP tinham de ter mais do que Chega, Iniciativa Liberal e CDS, o que não se afigura, neste momento, provável. António Costa não resistiria a esta situação e isso levaria a uma clarificação no próprio PS. Para uma nova “geringonça” – dificilmente daria tempo a fazer antes do primeiro Orçamento – ou viabilização de um governo minoritário do PSD – mais provável.

Entremos nos cenários que facilitam um governo de direita. O primeiro é o cenário Passos Coelho, com o PSD a vencer as eleições, com uma maioria de direita no Parlamento. A grande diferença é que, em vez do CDS, teria o Chega à sua direita. Uma estratégia possível é deixar o ónus de uma crise política para André Ventura, nada negociando com ele, mas dependendo dele para governar. Fazer, em versão mais descarada, o que Costa faz com a esquerda desde 2019. É o que tem defendido Miguel Morgado. Bastam uns números com o RSI, que nem sequer ferem as convicções mais profundas de Rangel ou Rio, e umas medidas securitárias para o manter sereno por uns tempos. O problema é que Ventura, não muito dado a convicções políticas, também é mais calculista do que os partidos de esquerda. No momento mais oportuno para ele, faria cair o Governo.

cenário açoriano é o PSD em segundo, mas com uma maioria de direita. Certo é que o Chega não vai entrar em governo algum. Mas não ponho na equação as juras que André Ventura faz agora, garantindo que sem estar no Governo não dá apoio a ninguém. A sua palavra vale zero, nunca cumpre. Para o Presidente dar posse, teria de existir um acordo escrito com o Chega. Paulo Rangel ou Rui Rio assinariam? Nunca o negaram com todas as letras. Ou o PSD viabilizar um governo minoritário do PS?

Em todos estes casos, temos, como já ficou claro, uma meia solução: o cenário do bloco central informal, apresentado como a grande solução de estabilidade. O partido que ficou em segundo pode viabilizar o Orçamento de 2021 do que ficou em primeiro. Mesmo que o seu espaço político esteja em maioria (cenários da geringonça ou açoriano); ou para evitar alianças à esquerda ou à direita (cenários de continuidade ou Passos Coelho). Em qualquer dos casos, o líder derrotado será rapidamente substituído. Costa e Rio até podem segurar os respetivos partidos na primeira votação, mas a sua vida política teria chegado ao fim. Acabado de ser eleito, Paulo Rangel pode durar um pouco mais de tempo, mas a pressão será enorme. Sobretudo depois de todas as juras que fez na campanha interna. Não deixa de ser interessante que os que tanto sublinham a importância da “estabilidade” defendam uma solução deste género.

Por fim, temos os dois cenários de maioria absoluta (ou quase). Ao da maioria absoluta do PS chamo, por facilidade (e lembrete), cenário Sócrates. Pode precisar do PAN, a quem tem de ser dado um ministério e pouco mais do que trocos. Imaginem António Costa com seis anos de poder no bucho, reforçado por uma maioria absoluta. Se em minoria, passando para primeiro, a arrogância permitiu-lhe carregar Eduardo Cabrita até esta crise, o que seria sem freio?

Muitíssimo improvável é o cenário da maioria absoluta do PSD, ou a só precisar da Iniciativa Liberal (podem pôr aqui o CDS, por piedade) ou até do PAN, que já se disponibilizou para qualquer um que lhe dê um ministério. Chamo-lhe cenário Cavaco, mas no seu programa, porque os tempos são outros, corresponderia ao regresso do passismo aditivado pelo dinheiro do PRR e a influência radical da IL, único dos aliados prováveis com um programa ideológico claro. Sobretudo se o líder for Paulo Rangel. Viram o friso da tomada de Posse de Carlos Moedas? É mais ou menos aquilo, para pior.

Sei que quase ninguém tem dúvidas quanto ao acerto da dissolução da Assembleia da República que, recordo, não correspondeu a um imperativo constitucional. O PS tinha pressa porque queria tentar chegar a uma improvável maioria absoluta (ou pelo menos enfraquecer o BE e o PCP), a direita tinha pressa porque, apesar da sua caótica crise interna, precisa de ir ao pote – ou seja, ao PRR. E Rui Rio tinha ainda mais pressa porque podia (e pode) ser apeado a qualquer momento. Mas a verdade é que Marcelo Rebelo de Sousa não obrigou António Costas a esgotar todas as possibilidades de negociação à esquerda e à direita. Pelo contrário, levantou uma cenoura para crise: a possibilidade de Costa, num momento particularmente difícil, responsabilizar os partidos à sua esquerda e apanhar com as calças na mão os partidos à sua direita.

Já é tarde para este debate. Mas costuma dizer-se que os presidentes só dissolvem o Parlamento quando sentem que novas eleições podem tirar o país de um impasse. Olhando para todos os cenários, não estou nada convencido que isso seja verdade. Dirão os eleitores.


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