(Daniel Oliveira, in Expresso, 25/11/2021)

Apesar das autárquicas, há o sentimento de que Rio não chega lá. Aconteceu com Seguro. A sua “abstenção violenta” transformou a vitória nas europeias em “poucochinho”. Mas Costa era presidente da Câmara de Lisboa e mobilizava a esquerda. O seu último resultado tinha sido de 51% em Lisboa, o de Rangel é de 22% nas europeias. Rio venceu três vezes a Câmara do Porto, duas com maioria absoluta. Rangel perdeu duas eleições europeias e venceu uma, contra Vital Moreira.
Desde que chegou à liderança do PSD que Rui Rio tem de lidar com a indignação dos passistas. A mesma indignação que expressaram quando não lhes foi permitido governar, em 2015, quando a maioria dos eleitores votou à esquerda. Há, nestes predestinados, a convicção de que o país e o partido lhes está em dívida.
Por razões bem diferentes, Rio também teve de lidar com uma descarada oposição da comunicação social. Tem, pela sua triste história de desrespeito pela liberdade de imprensa quando dirigia a Câmara Municipal do Porto e pela forma como reage à critica pública, muitas culpas no cartório. Mas o papel do jornalismo não é castigar quem o desrespeita.
Em resumo, Rui Rio nunca teve vida simples. E só isso explica que, depois do que todos os observadores e até a oposição interna consideraram um bom resultado nas autárquicas, a sua liderança tenha sido posta em causa. Na realidade, é por uma vitória ter passado a ser vista como possível (ainda assim improvável) que Paulo Rangel saltou de apoiante de Rui Rio – quando ele somava derrotas – para seu opositor – quando ele teve um bom resultado. Cheirou a poder.
É verdade que existe um sentimento instalado de que Rui Rio não chega lá. Não é nada de objetivo. É o mesmo que aconteceu a António José Seguro, no tempo de Passos Coelho. A “abstenção violenta” com que fazia oposição, num momento tão revoltante para os seus potenciais eleitores, transformou uma vitória evidente nas eleições europeias em “poucochinho”. Como Rangel com Rio, Costa quis derrubar Seguro quando sentiu que o poder podia estar próximo.
Há diferenças: Costa era presidente da Câmara de Lisboa e mobilizava a esquerda. O último resultado de Costa tinha sido de 51% em Lisboa, o de Rangel foi de 22% nas europeias. Rio venceu três vezes a Câmara do Porto, duas delas com maioria absoluta – foi o presidente mais tempo à frente da cidade –, Rangel perdeu eleições europeias contra Pedro Marques e, mesmo estando aliado ao CDS, contra Francisco Assis. Um ano depois, a mesma coligação, liderada por Passos, ficou em primeiro, com mais 10% do que Rangel conseguira – e o PS até subiu. É verdade que venceu umas, contra Vital Moreira, em 2009, com o socratismo desgastado e quando BE e PCP tiveram, juntos, mais de 21%.
Como candidato a primeiro-ministro, Rangel é polarizador e por isso é melhor para o PS. Assusta a esquerda, facilita o voto útil e não me parece que seja muito eficaz ao centro. Pelas mesmíssimas razões, Rui Rio é melhor para o BE e para o PCP. É mais difícil apelar ao voto útil no PS contra um candidato que a esquerda vê como decente. Sobretudo depois de André Ventura ter afastado o fantasma de um entendimento como o dos Açores. Por razões semelhantes, Rio também é melhor para a IL e para o Chega.
A questão mais difícil e mais relevante é saber o que será melhor para o PSD. A polarização política não tem efeitos iguais à esquerda e à direita. Por uma razão simples: até ver, a esquerda é sociologicamente maioritária no país. E é-o de forma mais poderosa desde que Pedro Passos Coelho passou por São Bento.
Os militantes do PSD decidirão, no sábado, que líder preferem ter. Se olharmos para a posição de quem tem poder no aparelho, Rangel é o favorito. Só que, em todos os partidos, a militância deixou de valorizar a opinião dos eleitores. Porque está muitíssimo menos enraizada na sociedade. Deixou de ser barómetro de mais do que os pequenos interesses internos – o suicídio do CDS é só a caricatura disso mesmo. Quanto à opinião dos eleitores, só me posso basear no que dizem as sondagens até ao momento em que escrevo: que os votantes preferem Rui Rio a Paulo Rangel. Apesar do ambiente mediático, não é difícil perceber porquê.
Rui Rio é errático. Não parece ter um rumo compreensível, tem falhas graves de formação política e as suas irritações pessoais são a sua agenda mais compreensível – é delas que resulta a sua obsessão com a Justiça. Não é, desse ponto de vista, muito diferente do cidadão comum: é a sua experiência pessoal que determina a sua posição política. Mas é este grave defeito que lhe dá alguma vantagem política: é genuíno. A que se junta a convicção geral de que, mesmo que possa tolerar falhas à sua volta, é um homem genericamente honesto. Ou pelo menos mais honesto do que a maioria. É possível confiar nos seus defeitos.
Paulo Rangel é o inverso de tudo isto. A sua inteligência fria associada aos seus cansativos excessos retóricos transmite falta sinceridade e calculismo. Até na relação com Rio, que apoiou até há uns meses sem que nada tenha justificado a mudança de posição.
E junta a tudo isto ter deixado que se colasse a si a tralha e a retórica passista. Isso, mobilizando a direita militante, afasta a maioria do país. Esta é a parte que a direita ainda não parece ter percebido: o seu D. Sebastião é um ativo tóxico. Em 16 eleições legislativas, a direita só ficou quatro vezes abaixo dos 40%. Duas delas foram depois de 2011. As outras foram em 1975 e contra Sócrates, em 2005. Apesar de Paulo Rangel não ser um bom representante do passismo – Carlos Moedas era mais e conseguiu que isso fosse esquecido –, a sua retórica denuncia-o.
Rui Rio daria um bom primeiro-ministro? Não. Seria uma catástrofe. Basta ver como dirige o partido, sem comunicar com os seus companheiros. Mas quando me pergunto se Paulo Rangel daria um bom primeiro-ministro, a resposta é que nem sequer o imagino a ocupar esse lugar. Claro que me posso enganar. A gravitas do poder só chega com o poder. Só aí olhamos para o político de forma diferente. Mas o que falta a Rangel não é fácil de inventar e explica o que as sondagens dizem e jornalistas e comentadores estranham: alguma relação de confiança com as pessoas. Se o PS estivesse a passar por uma enorme crise, o poder caía-lhe no colo. Mas também caía no de Rio. Se é para fazer oposição feroz para o desgaste de Costa, Rangel é a escolha. Para vencer…