As eleições legislativas e o PSD

(Carlos Esperança, 11/12/2021)

Rui Rio, mal refeito ainda da vitória interna contra Paulo Rangel, já tinha os adversários a exigir-lhe os lugares das listas de deputados, a liderança dos círculos eleitorais, enfim, o poder.

Roma não pagava a traidores, e, no PSD, eram esses que exigiam o pagamento. Rui Rio fez o habitual, despediu os mais venenosos e juntou alguns aos que lhe foram leais, para não ter apenas indefetíveis, que reduzem a massa crítica do partido, que aspira ao poder.

Enquanto os derrotados procuram digerir e explicar os resultados, incluindo o PR, quem perde é que explica, Rio faz jus à sua tradicional heterodoxia de fazer campanha. Não se lhe pode negar a coragem. É capaz de cometer erros primários e de ser intuitivo e sagaz, incluindo a decisão de abandonar o CDS ao naufrágio e deixar a comissão liquidatária à porta da Assembleia da República.

O CDS deixou de fazer falta à democracia depois de se tornar o refúgio de reacionários, esgotado de eleitores e a viver dos negócios de secretaria de Paulo Portas, mera muleta do PSD, independentemente de quem fosse o líder.

Rui Rio, convicto de que os quadros de algum valor irão abrigar-se no PSD, obrigou o CDS a imolar-se. Não será o único partido a perder o líder, mas o único capaz de perder todos os deputados.

O PSD está habituado a lutas internas, que cessam quando chega ao poder. Rui Rio sabe isso e pode ser o sacrificado. Quando o obscuro salazarista, Cavaco Silva, chegou a PM, após a improvável ascensão à liderança, derrotando João Salgueiro, apoiado por jovens intriguistas, Marcelo, Júdice, Santana Lopes, Durão Barroso e António Pinto Leite, no Congresso da Figueira da Foz, passaram a ser líderes os piores, a chegarem ao poder os mais próximos do salazarismo.

Rui Rio é exceção. A sua queda, com a ajuda de Marcelo, recolocará o PSD, no lugar a que Cavaco e Passos Coelho o conduziram, a tralha que tanto se aliava ao CDS como se coligará com o partido fascista. Mesmo com Rui Rio, o PSD não abdicará do poder por alergia aos fascistas. O partido racista, xenófobo, defensor da castração e pena de morte já se encontra no Governo Regional dos Açores.

O PR não ponderou os prejuízos para o País ao precipitar as eleições. Se a correlação de forças partidárias se mantiver, inviabilizada a repetição da maioria de esquerda do XXI Governo Constitucional no próximo (XXIII), há de perguntar-se para que serviram.

A simpatia e impunidade de que o PR goza nos media permitem que seja ele a colocar no PSD e no Governo um homem de mão. Não lhe faltam Moedas de reserva. Em vez de ser julgado pela opinião pública, será ele o juiz do novo Governo.

Só a improvável maioria absoluta do PS ou de direita anularia os intentos de Marcelo e a absurda e inconstitucional deriva da democracia parlamentar para presidencial.

Rui Rio ameaça estar na origem de um terramoto partidário. Numa época perigosa, não deixa de ser aliciante seguir o desespero e a estridência dos arautos da direita.

É justo reconhecer a Rui Rio a coragem e a diferença dos salazaristas que afrontou.


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Um homem subvalorizado e uma legião de derrotados

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 29/11/2021)

Daniel Oliveira

A vitória de Rio é uma derrota da barragem mediática que lhe foi feita por quem nunca o aceitou ou compreendeu. Do aparelho, que apoiou Rangel. E do passado que se recusa a sair do palco, sobretudo Passos e Cavaco. Agora, a dramatização para o voto útil em Costa, que resultaria com Rangel, é mais difícil com Rio. E o centro não está no papo.


Rui Rio é errático. Parece que tudo nele é pouco pensado. Não sei se a confusão é planeada, se é espontânea, mas a verdade é que resiste. E resiste. E resiste. A sua vitória interna é apenas mérito seu. E é uma derrota estrondosa de alguns poderes.

Rui Rio venceu, antes de tudo, em contraciclo com a esmagadora maioria do poder mediático. Não me recordo de muitos líderes que, sem ser por um qualquer preconceito ideológico ou linha vermelha imposta pela defesa de valores democráticos fundamentais, tenham lidado com uma barragem que ultrapassou tudo o que é aceitável. Já o escrevi: Rui Rio tem fortes responsabilidades da má vontade dos jornalistas. Teve-as como autarca, continua a tê-las como líder do PSD. Mas isso não legitima o que lhe é feito.

Esta vitória interna não derrota colunistas, porque a validade da opinião não é sufragada por votos e ainda menos por eleições internas. Também não derrota um jornalismo com viés, porque esse se derrota à partida. Apenas exibe a ilusão da influência da comunicação social no fenómeno político. E a sua incapacidade de aceitar qualquer coisa que seja diferente. Há poucas coisas mais conservadoras do que o olhar do jornalismo.

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O mundo mediático nunca compreendeu Rui Rio. A sua linguagem pouco padronizada, a sua sinceridade desarmante, o seu autoritarismo ultrapassado, a decisão aparentemente absurda de não fazer campanha interna enquanto a fazia de uma forma bem mais profissional, o estilo anacrónico de não reagir a polémicas diárias enquanto dá respostas no Twitter. A comunicação social não compreende como pode um líder assumir a possibilidade de ser derrotado e dizer o que vai fazer e acha que o que funciona é falar de uma maioria absoluta que todos, incluindo o próprio Rangel, sabem ser impossível. E não percebeu o que até os militantes do PSD já perceberam: que o passismo é um passado de que a maioria dos portugueses não guarda saudades. Nada em Rui Rio cabe nos padrões de um vitorioso. E mesmo assim não o conseguem derrotar.

Rui Rio venceu o aparelho. Não me recordo de um caso em que essa vitória tenha sido mais clara, ainda mais com um limite bastante restrito de eleitores. Ou talvez, à última da hora, o aparelho se tenha dividido. Alguém que conheça melhor o partido conseguirá explicar como foi isto foi possível.

E voltou a derrotar as figuras do passado que se recusam a sair do palco. Sobretudo Passos Coelho e Cavaco Silva. O último, de forma direta e quase sempre sem o decoro que se esperaria de um antigo Presidente da República. A intervenção de Passos foi sempre mais discreta e por interpostas pessoas. Nunca conformados com a maioria de esquerda de 2015, os passistas esperam há anos que o povo se mostre agradecido pelo tempo em que se foi para além da troika. E desde que Rui Rio venceu que deixaram claro que o consideram um líder ilegítimo, em contraciclo com a radicalização ideológica que defendem.

No sábado, apesar do apoio descarado da comunicação social, os passistas foram mais uma vez humilhados. Porque o seu maior objetivo não era tirar os socialistas do poder, era recuperar a liderança da direita que só lhes caiu no colo, no fim do socratismo, por um acidente histórico.

Depois, há aquele para quem este resultado não foi uma boa notícia: António Costa. A estratégia de dramatização para o voto útil que resultaria com Rangel e a sua tropa é mais difícil com Rui Rio. E o centro já não está no papo. Como já mostrou várias vezes, não é boa ideia subestimar Rui Rio.

Todos os defeitos podem ser apontados a Rio e a forma leviana como geriu o acordo dos Açores com a extrema-direita fez-me perder qualquer bonomia em relação à falta de rumo como dirige o partido. O que me faz pensar que não geriria de forma muito diferente o país. Mas, convenhamos, a sua resiliência, maldita palavra que está na moda, é caso de estudo. E uma qualidade política que dificilmente pode ser desprezada pela direita ou ignorada pela esquerda.


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PSD – a disputa de Rangel a Rui Rio

(Carlos Esperança, 27/11/2021)

A vitória de Rui Rio sobre Rangel é uma colossal derrota do aparelho do PSD perante os militantes do partido. Bastou uma sondagem, que mais parecia um palpite, da TVI, já com chancela da CNN, para intimidar os sindicatos de voto de Rangel e deixar livres os eleitores.

A moderação de Rio foi a única vantagem que exibiu sobre o seu acarinhado adversário. Com a derrota, Rangel volta para Bruxelas a acabar o mandato, a difamar o Governo e a defender as posições mais à direita, mas arrastou consigo a plêiade de figuras públicas e figurões que não toleram a Rui Rio a sua autonomia. Até a lei da eutanásia voltará a ser aprovada, depois de o PR ter pretextado outra reavaliação pela próxima legislatura.

Amanhã nenhum jornal dirá que o PR foi o grande perdedor e que será obrigado a tecer a Rui Rio as loas de que precisa para proteger o partido ao serviço do qual interfere nos outros órgãos de soberania.

Para o PS foi um resultado prejudicial, sobretudo agora, quando na próxima legislatura seria uma utopia contar com os partidos que lhe chumbaram o OE-2022 na presunção de que fariam agora o que recusaram antes, e a vitória sobre Rui Rio, a existir, será sempre mais moderada do que sobre Rangel. Relevante é evitar que se quebrem as hipóteses de reproduzir o apoio maioritário de esquerda a futuros governos de outras legislaturas.

Hoje vai ser uma noite de insónia para Miguel Relvas, Marco António, Passos Coelho, Luís Filipe Meneses, Carlos Moedas e Marcelo Rebelo de Sousa. O obscuro e poderoso líder da distrital de Lisboa é outro derrotado, o tal que considerava Rui Rio de esquerda, ao contrário de Carlos Moedas, o que esqueceu quem o propôs para apanhar o comboio dos notáveis ao lado do eterno perdedor, Paulo Rangel. A tralha cavaquista foi esmagada.

Vai ser bonito ver os líderes distritais que apostavam em Rangel e no apoio presidencial a justificarem-se aos eleitores que os desautorizaram e a quem tinham recomendado o candidato perdedor.

Até o antigo sátrapa da Madeira, que apoiou Rui Rio contra Rangel, se vingou de novo do PR, com quem recusou encontrar-se na Madeira. Apoiou o candidato de quem o PR não pode dispor.

Tem razão para comemorar com mais umas ponchas.


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