O ciclo começa a mudar e os “passistas” querem voltar para cumprir o direito divino a governar

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 18/10/2021)

Daniel Oliveira

Os “passistas” e os seus afilhados nunca aceitaram a derrota interna no partido. Assim como nunca aceitaram a minoria parlamentar que tiveram em 2015. Acham-se com o direito divino a liderar. Os resultados das autárquicas são irrelevantes, fizeram a festa e no dia seguinte pediram a cabeça do líder. Rangel é um candidato capaz de federar boa parte da direita, é provável que una o partido. Quanto a ganhar o país, teve 22% nas europeias. Depende mais de Costa. Rio, esse, quase só se pode queixar de si próprio.


Duas obras de dois grandes pensadores lançaram a candidatura de Paulo Rangel à liderança do PSD: o artigo de Cavaco Silva, aqui no Expresso, e o lançamento do livro de Miguel Pinto Luz. E uma coisa ficou certa: os resultados eleitorais das autárquicas eram absolutamente irrelevantes para a oposição interna. Fizeram a festa e no dia seguinte pediram a cabeça do líder.

Os “passistas” e os seus afilhados nunca aceitaram a derrota interna no partido. Assim como nunca aceitaram a minoria parlamentar que tiveram em 2015. No PSD e no país, acham-se com o direito divino a liderar. O que é normal, quando se vive à espera de D. Sebastião, seja ele Pedro Passos Coelho ou Aníbal Cavaco Silva.

Paulo Rangel é um político indiscutivelmente inteligente. Lamentavelmente, nem sempre aproveita plenamente as suas capacidades intelectuais e quase todas as campanhas em participou se concentraram quase exclusivamente em casos e muito pouco em ideias, que até as tem. Talvez não confie na inteligência dos eleitores, a quem não reserva o discurso mais ou menos ideológico (na medida em que o PSD aguenta) que fez para o partido. Mas é um candidato capaz de federar a direita, ou boa parte dela. É provável que também seja capaz de unir o partido. Os apoiantes de Rui Rio não têm a persistência que se reserva aos predestinados. Já quanto a ganhar o País, é bom recordar que Paulo Rangel teve 22% nas últimas eleições europeias. Ele insinuou e alguns apoiantes disseram-no claramente que a sua derrota, ao contrário da vitória de Carlos Moeda, foi obra de Rui Rio. É sempre bom ficar já a saber o que esperamos da sua capacidade de assumir responsabilidades. Mas parece-me que a sua vitoria no país depende mais de António Costa do que dele. Normalmente não teria o perfil para tanto, mas o PS pode facilitar-lhe a vida, como Costa está a fazer em todo esta novela orçamental.

É verdade que Rui Rio nunca teve sossego. Mas, a partir de um determinado momento, quase só se pode queixar de si próprio. Alguém que define como estratégia colocar o partido exatamente ao centro e depois apadrinha um entendimento do PSD com a extrema-direita, nos Açores, não pode esperar que os eleitores o compreendam. Alguém que promete um banho de ética e nunca foi capaz de ser firme com os seus, como é exemplo o caso do seu vice-presidente, que foi a correr acrescentar à sua declaração de participações sociais ao Tribunal Constitucional depois de ter sido descoberto nos Pandora Papers, não pode ter a sua seriedade como único ativo. Alguém que resume a sua agenda política às suas obsessões e embirrações pessoais nunca será visto como estadista.

Apesar do seu resultado nas autárquicas, Rui Rio parece sentir o chão fugir-lhe debaixo dos pés. Ao pedir para adiar as diretas na esperança que uma crise política o salvasse, em vez de querer antecipa-las para ter a sua legitimidade reforçada, mostrou-se frágil. Mostrou que sabe que corre um enorme risco de perder. Sente-se num ar a possibilidade de um novo ciclo e os que acham que nunca deviam ter sido arredados sentem que chegou a sua hora. E o partido sente que com Rui Rio não vai lá. As convicções políticas valem zero em tudo isto.

Se assim for, o “passismo” voltará à boleia de Paulo Rangel. Só não sei se é um homem para queimar ou para vencer. Sei que é o regresso da direita pura e dura, disponível, apesar das juras atuais de Rangel, para trazer às cavalitas o Chega e a Iniciativa Liberal. Nisso, não se enganem: tudo serve para ir ao pote. Serviu a intervenção externa, serve André Ventura. Na hora de segurar o leme do país em tempo de “bazuca”, não serão esquisitos.


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