Moedas num bolso do passado

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 20/09/2021)

Daniel Oliveira

Quando Carlos Moedas concorreu, parecia que vinha ungido. A imagem de comissário europeu, e parece que fez um bom mandato, muito mais do que a sua passagem pelo governo de Passos Coelho, que só para quem não percebeu o que aconteceu ao país profundo naqueles anos é que é visto como um ativo político, dava-lhe todas as condições para uma boa campanha. Mas, da lista à campanha, tudo foi capturado pelo PSD de Lisboa. Uma estrutura local medíocre que conquistou, há quatro anos, uns miseráveis 11% (28 mil votos). São as mesmíssimas pessoas. Até Daniel Gonçalves, patriarca do clã Gonçalves que tinha sido afastado há quatro anos por decoro (é fazerem uma busca nas notícias de há quatro anos), regressou como candidato à Junta de Freguesia das Avenidas Novas.

A forma como este PSD capturou a lista e a campanha de alguém que ambicionava ser líder do partido exibe a maior fragilidade de Moedas: não é um líder. Toda a descoordenação que vemos na Câmara de Medina seria multiplicada por muito, caso vencesse. Nisso, o atual presidente apanhou-lhe bem o ponto fraco: diz sempre que sim a quem estiver à sua frente. É só mudar a plateia que muda o discurso.

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Perante esta característica, a campanha polarizada não podia ser mais desajustada. Moedas não polariza com ninguém. E quando o faz, sai-lhe mal. E se não polariza, era noutro campeonato que devia ter apostado: o da proposta, da sua boa imagem e de alguém com um estatuto acima de mero perseguidor de Medina. Moedas desceu para o patamar do PSD de Lisboa e de uma direita em crise, que julga que a violência retórica fará com que os eleitores que fazem ganhar eleições se sintonizem com o seu grau de indignação e revolta.

Moedas começou por escolher a corrupção como tema. Se não resulta contra Rui Moreira, diretamente acusado pela justiça e em risco de perda de mandato, como poderia resultar com Medina, que tem um ex-vereador como arguido? Se não resultou há quatro anos, com os mesmíssimos casos, porque resultaria agora? O pior é que Moedas nem escolheu Manuel Salgado como alvo, mas Inês Lobo, uma arquiteta conceituada que venceu um concurso público e que, com a sua candidatura, só perde a oportunidade de acompanhar o que já era seu.

Mas não foi nisto que Moedas foi capturado pelo velho e falido PSD de Lisboa. Em relação às ciclovias, agarrou-se à de Avenida Almirante Reis (um calcanhar de Aquiles de Medina), mas é incapaz de assumir o resto do projeto de tornar a capital totalmente ciclável. Mesmo sabendo que essa é a posição da maioria dos lisboetas. Ao seu lado, num dos dias mais importantes da campanha, tivemos Manuela Ferreira Leite a dizer isto: “Para que servem as ciclovias? Não são os velhos que andam de bicicleta, não são os pobres que andam de bicicleta. Os pobres vão ser atropelados pelas ciclovias, porque, como sabem, é um tipo de transporte que não faz barulho, que a pessoa tem de ir atenta e os velhos deixaram de poder andar atentos em Lisboa.” Isto foi dito numa capital europeia, em 2021.

Em vez do Carlos Moedas europeu, que conhece outras cidades e sabe que este é um futuro sem recuo, temos o Moedas que mantém Carlos Barbosa, presidente da ACP que se opôs a todas as perdas de espaço do carro na cidade, na Assembleia Municipal. Um Carlos Moedas que tem como uma das grandes propostas para a mobilidade reduzir o preço do estacionamento para os lisboetas. E um Carlos Moedas amarrado a um PSD local que sempre foi contra as ciclovias, só cedendo quando a vida provou que não tinham razão.

O passado também persegue Carlos Moedas. É verdade que quer distribuir passes gratuitos aos lisboetas com mais de 65 anos e menores. Mas o PSD foi contra a redução do preço dos passes. E governo de que fez parte acrescentou ao memorando, numa negociação com a troika em que Moedas participou pessoalmente, a concessão da Carris a privados. Sem a municipalização da empresa o que propõe era muitíssimo difícil, se não mesmo impossível.

Moedas podia fazer campanha contra a gentrificação da cidade. Alguém que trabalhou para uma grande imobiliária e no setor financeiro pode não ser a pessoa mais indicada – isto não tem de valer só para Ricardo Robles. Mas o seu problema é acima de tudo político: o governo que aprovou a lei das rendas de Assunção Cristas, que promoveu a desregulação do alojamento local e que bramou contra as “taxas e taxinhas” que obrigassem o turismo a contribuir para o seu impacto na cidade não teria grande autoridade para este discurso.

Restava o único caminho acertado, que Moedas até seguiu, mas não conseguiu segurar: a crítica ao fracasso da política de habitação de Medina. Só que, em vez de se basear no exemplo de tantas capitais europeias, algumas bem liberais do ponto de vista económico, que têm mercados públicos de arrendamento pujantes para a classe média, e apontar para o falhanço de Medina nesse objetivo, veio com a proposta de redução do IMT para jovens. Ainda por cima, escolheu com exemplo casas a 250 mil euros, não percebendo que a entrada que se exige é tal que fica evidente o IMT é o menor dos problemas de um jovem normal. Mas, acima de tudo, regressa ao erro de promover a compra, que se mostrou catastrófico para a mobilidade e para o endividamento do país e das famílias. Como em relação as bicicletas, o candidato dos “Novos Tempos” surge como um candidato do passado.

Carlos Moedas deixou fugir todos os temas relevantes para falar do medo que se vive em Lisboa ou da partidarização da Carris, assuntos para jornalistas e malta da campanha. Dizem zero aos lisboetas. Olhando para os resultados da concelhia de Lisboa nos últimos 14 anos, Moedas devia saber uma coisa: é para fazer tudo ao contrário do que eles acham. Mas se nem a eles se conseguiu impor, imaginem à máquina camarárias e aos interesses na cidade.

Carlos Moedas falha porque quiseram fazer dele o candidato que não é. Porque nem a uma estrutural partidária local em ruínas se conseguiu impor. E perante um passado em que a direita esteve sempre contra todas as mudanças modernizadoras, um Moedas com mundo e sem anticorpos deixou-se ofuscar pelas vistas curtas se quem vale menos do que ele. Moedas falha porque foi capturado. E se foi capturado tão cedo, capturado seria se chegasse a presidente.


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Um pensamento sobre “Moedas num bolso do passado

  1. “deixou-se ofuscar pelas vistas curtas se quem vale menos do que ele”

    Acho que quem se está a deixar ofuscar pelo brilho artificial de um tecnocratazinho de trazer por casa é o Dani.

    Moedas não passa de um grunho da extrema direita neoliberal e está perfeitamente ao nível da grunhice gosmenta que se arrasta nas caves sujas do seu partido.

    O gajo pertenceu a um governo cujo “ideolólogo” era o Miguel Relvas!!!

    É preciso dizer mais?

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