O nosso futuro ontem

(Viriato Soromenho Marques, in Diário de Notícias, 27/02/2021)

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No dia 20 de fevereiro completaram-se vinte anos sobre o falecimento no New Hampshire da professora Donella Meadows (1941-2001). O seu nome está associado a uma obra que mudou a vida de muita gente da minha geração, o famoso relatório sobre os Limites do Crescimento (1972) apresentado ao Clube de Roma por uma equipa de investigadores do Massachusetts Institute of Technology.

O livro foi um extraordinário sucesso. Publicado no mesmo ano em que se realizou a primeira conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano, em Estocolmo, foi traduzido em 29 idiomas e venderam-se nove milhões de exemplares. Logo em 1973, pela mão das Publicações Dom Quixote, surgiu a edição portuguesa. O sentido de oportunidade para a tradução do livro ficou certamente a dever-se ao pioneirismo de José Correia da Cunha, à altura presidente da Comissão Nacional do Ambiente, a primeira entidade responsável em Portugal pela política pública de ambiente, fundada em junho de 1971.

Ao contrário dos estudos prospetivos da década de 1960, nomeadamente da autoria de personalidades como Herman Kahn, fundados num otimismo tecnológico inabalável, a obra de que Donella Meadows foi uma das responsáveis continha uma visão lúcida sobre os riscos do futuro, incluindo os aspetos sombrios que hoje fazem parte da nossa normalidade. Escrito no final dos “trinta gloriosos anos” de crescimento económico exponencial, um ano antes da crise petrolífera ativada pela Guerra do Yom Kippur (outubro de 1973), Limites do Crescimento procurou traçar cenários para um século (horizonte temporal que mais tarde seria seguido nos estudos no âmbito do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas – IPCC).

Donella foi uma pioneira na inovação científica. O estudo de 1972 utilizava pela primeira vez numa escala planetária, fora do campo estratégico e militar, a moderníssima metodologia prospetiva desenvolvida pelas ciências e tecnologias da informação. Donella e os seus colegas criaram um “modelo mundial” composto pela combinação dinâmica entre cinco fatores fundamentais: população, produção alimentar, utilização de recursos naturais não renováveis, industrialização e poluição. As conclusões eram claras: se a humanidade continuasse a seguir pela via do crescimento exponencial irresponsável, dentro de cem anos (em 2070) a nossa civilização atingiria uma situação de colapso irreparável.

Em 1972, não existia ainda o conceito de “desenvolvimento sustentável” (proposto pela primeira vez pelo IUCN em 1980 e popularizado a partir do Relatório Brundtland, em 1987). O conceito alternativo ao do crescimento exponencial a que Donella recorreu foi o de “equilíbrio global”.

Muitos dos adversários de Donella vão acusá-la de defender um modelo de “crescimento zero”, quando, na verdade, a ideia de um equilíbrio global se aproxima muito mais da proposta de “estado estacionário”, avançada por John Stuart Mill em 1848, que é hoje repercutida nos muitos autores que, em face da catástrofe ambiental e climática em curso, defendem a urgência de concentrar o crescimento nas componentes imateriais e qualitativas da condição humana, de baixa ou nula pegada ecológica.

Donella, com a sua inteligência e bondade, viajou a um futuro inóspito para o podermos evitar.

Contudo, como sugeriu o nosso Almada Negreiros, entre as palavras que querem salvar a humanidade e os atos que a podem salvar de facto, vai uma imensa e misteriosa distância.


Professor universitário


4 pensamentos sobre “O nosso futuro ontem

  1. Estranhíssimo nunca se verem os Ministros do Ambiente divulgarem, numa linguagem acessível e pelos mais diversos meios, à população em geral, estes assuntos. Limitam-se a repetir uns chavões sem procurarem o apoio nem a mobilização do povo para o grande desígnio da sua própria sobrevivência, enquanto deixam todo o espaço livre às teorias da conspiração que se tentam opôr a qualquer alteração do estado actual.

    • Perfeitamente.
      É vê-los, como o actual, a papaguear diatribes ao depósito nuclear de Almaraz, pouco depois com o rabo entre as pernas;
      A admitir comas ressalvas de treta, o novo aeroporto Montijo;
      A papaguear sobre o prédio Coutinho em Viana:
      A nada opôr, à fenomenal ampliação do terminal de contentores em Alcântara,
      continuando a cruzada de Jorge Coelho assessor Mota Engil quando arrebataram mais terreno, ou
      o Sá Fernandes da CML (aquilo se ficarem bem arrumados, até passa bem!)
      Uns Passarões Execelentíssimos,
      com futuro a hidrogénio.

  2. Todo este problema é artificial.

    Não se vê porque industrias sustentáveis não sejam compatíveis com crescimento.

    Toda a nossa energia já podia ser produzida em eólicas e solares, os carros podiam andar a álcool e hidrogénio.

    Até a alimentação pode ser totalmente produzida sinteticamente em fábricas “limpas”- os primeiros bifes sintéticos foram produzidos nos anos 70 do século passado..

    Com uma pegada 100 vezes menor do que a actual podíamos produzir milhões de vezes mais do que produzimos agora.

    Só não se faz porque não se quer, a tecnologia existe há 50 anos.

    Não me digam que há falta de Sol ou de vento…

  3. O problema é que, sendo o Homem que faz a História, ele não sabe a História que faz.
    O Homem não existe como entidade dotada de querer e dotada de poder. O existe são os bichos-homem, que têm como principal arma para a sobrevivência, o egoismo. Cada um desses é dotado de querer e dotado de poder.
    O rumo da História faz-sr à mercê da média dos impulsos egoistas de 8 mil milhões de seres humanos…

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