Um texto de Vasco Lourenço que desmascara muitas mentiras da direita

(Vasco Lourenço, 05/12/2020)

Junto texto, sobre o 25 de Novembro e também sobre a passagem dos 40 anos da morte de Sá Carneiro. Saliento tratar-se de um texto pessoal, da minha inteira responsabilidade, que estamos a divulgar, como divulgamos outros textos, a pedido ou não dos respectivos autores, que consideramos de possível interesse para vocês.

Cordiais saudações de Abril

Vasco Lourenço


Indignação? Desprezo? Apenas um desabafo, de quem está farto de tanta hipocrisia…

Indignação? Desprezo? Confesso que julgava já ter idade e experiência que me deveriam permitir não me espantar e, muito menos, indignar.

Lamentavelmente, tenho de confessar que, de tudo isso, só é uma realidade a minha provecta idade. Porque, do resto, não reza a história…

Tudo isto vem a propósito da passagem dos 45 anos sobre o 25 de Novembro e dos 40 anos sobre a trágica morte de Sá Carneiro.

O que vi escrito e proferido em vários órgãos da comunicação social, surpreendendo-me (apesar de tudo) e indignando-me, faz-me pensar que não há limites, nem para a ignorância, nem para a leviandade, nem para a má fé!

Muito já se escreveu sobre esses dois acontecimentos, muito já se dissecou sobre a natureza dos mesmos e sobre as características pessoais dos actores em causa.

Não vou tratar especificamente o dito e escrito sobre os acontecimentos do 25 de Novembro – fui um interventor directo, bem no centro do vulcão, já escrevi alguma coisa sobre o que aconteceu, tomei há algum tempo conhecimento de “pormenores” fundamentais para um mais correcto conhecimento de toda a trama desse marco da história do processo do 25 de Abril (ainda que não duvide de que, mesmo eu, ainda não sei tudo) – apetecia-me fazer alguns comentários, tais foram as barbaridades deitadas “boca fora”, ou lançadas para o papel!

Decidi limitar-me a aconselhar jornalistas, comentadores e historiadores, como Filipe Luis da revista Visão: “antes de escreverem, sobre acontecimentos históricos, informem-se bem, para evitar dizer tantas asneiras, como fizeram, desta vez”! É que, para além do mais, vão baralhar e confundir, dando-lhes bastante mais trabalho, os futuros historiadores…

Quanto ao aniversário da morte de Sá Carneiro, não comento as homenagens, de roupagens várias, que os seus admiradores lhe fizeram. Estão no seu pleno direito, cada um tem os ídolos e os heróis que quer ter!…No entanto, tendo-me sido chamada a atenção para o programa Expresso da meia noite, na estação televisiva SIC-Noticias, tive o trabalho de o ver e, desde logo, não posso deixar de fazer um comentário , nomeadamente aos aí dois defensores desse mito (Maria João Avilez e Pedro Santana Lopes) que, mito “apenas” porque morreu como morreu, deve ser a personagem que tem o seu nome em mais ruas, avenidas, praças ou ruelas do País (para já não falar num aeroporto…).

Comentário simples: “para elogiar as virtudes do vosso herói, não precisam de deturpar o que se passou! Sejam honestos! Ainda não vale tudo”!

Não sei se os dois pensarão que “uma mentira repetida à exaustão, passa a ser verdade”?

Vejamos:

“Sá Carneiro era pela Democracia plena, quem fosse contra, tinha de se haver com ele”! Como???!!!

Então não foi ele que afirmou que a sua maioria de 56% (de deputados, não de votos que não chegaram aos 48%), obtida através da AD, valia mais do que a maioria de 92% que aprovara a Constituição da República?

Não foi isso que fundamentou as suas três tentativas de violar a referida Constituição da República, com a reprivatização dos sectores básicos da economia? Não hesitando mesmo em recorrer a subterfúgios sujos, ao jogar com as férias dos juízes da Comissão Constitucional! Que importava que a Constituição preconizasse que “só com uma maioria superior a 2/3 dos deputados se poderiam alterar determinadas leis”? A “sua maioria” é que interessava!…

Ou será que a Democracia só vale, se nós tivermos a maioria? Ah, grande democrata!

Tutela militar?

Aí, felizmente, João Soares pôs os pontos nos iis, deixando os outros intervenientes sem argumentos – nenhum ousou contradizê-lo!… (Oh João, então você foi lá estragar o arranjinho tão bem preparado!? Isso não se faz!…).

Falemos claro! Os Capitães de Abril demonstraram, no seu conjunto, ser mais civilistas do que a maioria dos políticos civis!

Demonstraram-no, no terreno, ao transmitirem, num prazo que até o historiador presente no programa “aceitou” ser único no mundo, apesar de ainda ter chamado à colação o caso da transição pacífica em Espanha. (Esquecendo, ou não querendo lembrar-se, que, como hoje é consensual no seio dos estudiosos desse processo, nomeadamente de reputados especialistas espanhóis, que “A transição pacífica para a Democracia, em Espanha, só foi possível, porque houve o 25 de Abril”)!

E fizeram-no, mesmo tendo passado por rupturas entre si, com prisões temporárias de uns pelos outros!

Se há uma afirmação que não “admito” ouvir e me faz “ir aos arames e sair de mim” é precisamente a de “Os militares foram obrigados a regressar a quartéis”!

Não, os militares regressaram a quartéis porque essa foi sempre a sua vontade, foi desde o início a promessa que fizeram aos portugueses! Que, como todas as outras, cumpriram exemplarmente! E se não o fizeram mais cedo – a previsão era em 1981 – foi da total responsabilidade dos políticos, que se não entenderam para fazer a revisão da Constituição no prazo previsto!

Ah!!!, há quem afirme que o Pacto MFA – Partidos foi assinado pelos partidos, porque tiveram medo, vendo-se coagidos a fazê-lo !… Mas que coragem!

Participei na discussão e aprovação dos dois Pactos, fui um dos defensores da revisão do Primeiro, não admito que alguém venha dizer que foi obrigado a assiná-lo!

O estudo da situação, que então fizeram, levou-os a considerar que deviam assinar? Mas, onde e quando, não é o estudo da situação, feita em cada momento, que determina as opções tomadas? Ou será que se considera que “vale tudo”, a palavra e a ética não têm valor, é preciso é atingir o poder, seja com que custo for? Pessoalmente, considero que nem na guerra os fins justificam todos e quaisquer meios!

Sá Carneiro queria acabar com a tutela militar!

Essa só contaram para vocês!

Ele queria era substituir a tutela militar em vigor, por uma outra tutela militar diferente!

Sintomaticamente, através de um militar da “velha guarda”, serventuário e defensor do regime de ditadura derrubado pelo 25 de Abril, responsável no mesmo pela abertura de um “segundo Tarrafal”, o Campo de S. Nicolau, em Angola!

Isto é, queria substituir a tutela militar dos outros, pela sua própria tutela militar!

Ou cabe na cabeça de alguém que, se Soares Carneiro vencesse, a transmissão do poder para os eleitos democraticamente se teria processado, como se processou?

De forma pacífica, porque fora sempre essa a vontade, a decisão dos Capitães de Abril!?

E porque, natural e felizmente, foi Ramalho Eanes – um militar de Abril – a vencer as eleições!

E a presidir a essa transferência de poder!

Mesmo sem pretender “fazer futurologia” é fácil imaginar como teria sido a transmissão do poder, coordenada pela extrema-direita na Presidência da República!

Permita-se-me um aparte: confio não assistir à repetição do que então se passou. Falo do apoio do PPD/PSD a um candidato de extrema-direita a Presidente da República!…

Passados estes anos todos, já não pedimos que se limpem da sujeira que então fizeram, ao tentar demonstrar que nos estavam a forçar a regressar aos quartéis!

Mas, exigimos que deixem de ser cínicos e desonestos, como sempre o foram, no que a isto diz respeito! É tempo de não continuar a mentir, para a História!

Falo em relação não só ao PPD, nessa altura já crismado de PPD/PSD, mas também ao PS! PS que, decidido a não apoiar Ramalho Eanes para o segundo mandato de Presidente da República, convidou outro militar a ser o seu candidato! …

Por isso, podem dizer que houve 4 pais civis da Democracia! Não o contesto! A construção da Democracia em Portugal é fruto da acção de muitos e muitos cidadãos, do povo em geral, logicamente também dos diversos partidos políticos e dos seus dirigentes, com diferentes responsabilidades, como em tudo.

Mas, se querem encontrar um Pai para a Democracia, olhem para o colectivo de militares que constituiu o Movimento dos Capitães, mais tarde estendido ao Movimento das Forças Armadas!

Vasco Lourenço


P. S. Permitam-me que, como rodapé, teça alguns comentários e deixe algumas perguntas:

1. João Soares, o seu pai nunca lhe contou que Sá Carneiro o tentou convencer a sair do País, quando ele saiu para “se tratar”, alegando que tudo estava perdido, que os comunistas iam tomar conta do País, se ficassem seriam presos, era necessário saírem, para organizar a luta, no estrangeiro? A mim, contou-mo, mais que uma vez…

2. Maria João Avilez, pode perguntar ao filho de Sá Carneiro se ele ainda tem o autógrafo que o pai me pediu (para o filho…), no Porto, durante uma grande manifestação de apoio ao VI Governo Provisório, no mês de Outubro/Novembro (?) de 1975?

E importa-se de repetir, sem se rir, que “a comunicação social , em Portugal, nunca foi, nem é amável e atenta à direita e extrema direita”? É que, repito o que já disse atrás, “essa só contaram para você”!

3. Realço a frescura, o banho de juventude, protagonizado pelo Adolfo Mesquita Nunes! Estou convicto de que se Adelino Amaro da Costa assistiu, onde quer que esteja, se terá sentido altamente satisfeito com a sua intervenção, nomeadamente quando meteu na ordem um jornalista que envergonha a classe dos membros de uma comunicação social que se deseja idónea e isenta. E, Adelino Amaro da Costa bem merece o tributo que, com a sua intervenção, lhe prestou!

4. Por fim, não gostei de ver o Presidente da República deitar achas para a fogueira, sobre as circunstâncias da morte de Sá Carneiro. Sou dos que, ao longo dos tempos, me fui convencendo de que se tratou efectivamente de um acidente! Apesar de todas as manipulações, apesar de todos os ingredientes (que hoje seriam chamados de fake news), com deputados do PPD/PSD a presidir às várias comissões de inquérito, como foi possível não demonstrar a teoria do atentado? Na minha opinião, continua-se com essa teoria fundamentalmente porque ela é essencial à continuação do mito! “O herói que morre assassinado, cobardemente, pelos vilões”!

13 pensamentos sobre “Um texto de Vasco Lourenço que desmascara muitas mentiras da direita

  1. Era uma época muito impulsiva e com lutas renhidas, para implantar um regime/poder, que foi muito disputado para conseguir a liderança.
    Usar o acidente de Sá Carneiro, dava jeito ser atentado.
    Mas prova-lo não foi possível.
    Hoje estamos numa fase confusa, e o futuro continua cinzento, com a ajuda (?) da Pandemia.
    Abraço.

  2. Não considero a morte de Sá Carneiro uma grande tragedia.

    O gajo era um aldrabão da pior espécie. O líder da direita que dizia que era socialista.

    Não faz cá falta nenhuma, porcaria como essa já cá temos muita.

  3. Vasco Lourenço: Agradeço pela sua frontalidade. Faço parte daqueles muitos milhares que estiveram em serviço militar em Moçambique, terra que fiquei a amar. Tomando como bom que a génese à contestação ao Estado Novo que tomou forma com o golpe militar que efetivamente foi o 25 de Abril a partir de militares provenientes essencialmente da Academia, era basicamente do foro laboral – em causa acesso de oficiais milicianos a níveis de maior responsabilidade, salários alegadamente escassos, ausências do ambiente familiar repetidos, e no caso da Guiné agressividade do PAIGC, gostaria que esclarecesse com a sua opinião sobre a responsabilidade que as forças armadas tiveram na tragédia- hecatombe-genocídio que foi a descolonização – Recordo que em Moçambique sofreu mais de um 1.000.000 (milhão) de mortos provenientes dos conflitos que ali sucedidos, número esse que foi largamente ultrapassado em Angola, que em Timor o número de falecidos em conflitos superou os 200.000, e também com milhares de mortos na Guiné com centenas de fuzilados nos quartéis na presença de militares portugueses. E assim apelo com base no ideal de verdade que ajudou a construir lidere um movimento cívico – sem julgamentos ou condenações – ouvindo partes diferentes, muitas vezes antagónicas sem cassetes ou cassetetes. E que o anátema da vergonha que possa existir em relação às chefias militares de então possa ficar mais esclarecido

  4. Não é necessario fazer perguntas e quais as razões que levaram os capitães a fazerem o 25 de Avril homens de terreno na guerra colonial não havia outra alternativa a não ser a que tomaram isto para não acontecer a desonra militar como foi o caso do Estado da India

    • C. Rodrigues

      Caríssimo, um grande abraço.

      Muitos parabéns, o artigo é excelente.

      Não penses que os políticos da nossa praça, da extrema esquerda à extrema direita, se “prendem” de amores com os militares do 25 de Abril.
      Isso seria demasiada ingenuidade.

      A história recente tem mostrado tudo o que é demais condenável na classe política – corrupção generalizada – em que os corruptores e corruptos são protegidos pelos seus pares e por leis aprovadas na AR, muito raramente punidos pois todos aguardam pela prescrição dos seus actos, ou a chegada da sua morte…..

      FIRME.

      C. Rodrigues

  5. Excelente artigo,que demonstra bem o espirito da coragem tranquila de Vasco Lourenço.Um abraço de muuita estima e respeito.

  6. E o 25 de Novembro de muitos outros que foram presos, à Herdogan e que nada tinham a ver com os golpes deles;   nove,  sr. tenente coronel Ramalho Eanes,  jogadas  do PCP de que Vasco lourenço fala,  e outros  de que camaradas que estavam em Belém falam, onde, muitos grupos iam dizer a Costa Gomes  que iriam fazer isto  ou aquilo
    E   mesmo, o meu caso Capitão Andrade da silva que cumprindo estritamente o programa do MFA  com TOTAL APOIO do general Fabião e do GDE fui corrido do QG de èvora e mandado para a Madeira em Março 76 com o rótulo de comunista para a FLAMA me escovar,  como ia fazendo em 18 de Abril. Fui um jovem muito conhecido no funchal; um brilhante comandante de bandeira da Mocidade portuguesa e secretário geral da JEC com frequência diária da Missa,,logo comunista feito só por traição à causa Nacional 

    Nada disto me escandaliza, porque é o  comportamento habitual de toda esta gente desde o 25 Novembro 75, mentindo, nou ludibriando , manipulando etc.
     lamento as  mortes e lamento a morte de Sá Carneiro. Repúdio a escolha do seu candidato presidencial, mas gramei e, muito, o modo como afrontou a pseudo moralidade inglesa. Se foi atentado foi vítima desses sacos azuis miseráveis e desses padrinhos que andam por aí ,… coisas de novembros e  quejandos
    Andrade da silva tenente em Abril por sinal o que às  22h55 do dia 24 chefiou a equipa ( tenentes Henrique Pedro e Sales Grade-rapazes 25 anos ) que assaltou o gabinete do comandante da EPA- os primeiros a tomarem um quartel  coisa sem interesse para os relapsos.  Mas se não são capazes de dizer todas as verdades não sejam covardes -CALEM-SE !

    • Meu caro Andrade da Silva. Estás cada vez mais confuso. Não digo mais nada, pois não gosto de lavar roupa suja
      em público. Abraço de Abril.

      • Confuso?????????????????????? Roupa suja????, só falo de HISTÒRIA, outras histórias ,Desde há muito que alguns falam de um debate frente a frente com as versões diferentes Por Abril presente .

  7. Infelizmente a corrupção não se extinguiu na revolução do 25 de Abril. Esta “Salamandra”, jamais terá fim. “Os seus progenitores são demasiado poderosos”. Isto é, mandam no Mundo.

  8. Gosto sempre de ler o que os capitães de Abril escrevem. Um pormenor ou outro poderá ser diferente do conhecimento que tenho dele nomeadamente a força que Mário Soares fez para meter os militares nos Quarteis e acabar com o Conselho da Revolução. Está na minha cabeça e deve estar escrito em muitos documentos, Mário Soares até andava de braço dado com Carlucci. Depois vem a Democracia e supostamente foram-se os fascistas, só que numa manobra inteligente os próprios fascistas se afirmaram de democratas e ainda hoje andamos às voltas sem saber quem são uns e quem são os outros. Uma afirmação da candidata à presidência da República Marisa Matias deixou toda a gente de boca aberta, disse ela em entrevista na televisão que era Social-Democrata Então mas Social Democrata não era Rui Rio para consumo interno e o PS para consumo externo? Afinal Marisa Matias também é social democrata de onde se conclui que os democratas em Portugal são todos sociais democratas o que deixa muita gente confusa..

    • Caro Monteiro falam do 25 de Novembro das tribunas da coisa nascida do 25 Novembro, os heroecos vencedores da fonte luminosa, mais o sr .tenente-coronel Eanes, e os militares dos 9 ,os restantes como no regime fascista ou de Erdogan só podem falar nestes comentários.

      O texto nada diz das aliança dos 9 com PS, Carlucci, CAP, ELP etc não para dar cabo do PCP- uma horrosa MENTIRA. Antonio Louçã Fala disso Carlussi só queria os supostos comunas fora da tropa, do que segundo Otelo incumbiu Victor Alves de o fazer. O resto foi promover a casca de banana dada por otelo com os paraquedistas, para compor o ramalhe e haver sangue, afim de se instalar este estado que quer com alianças de direita, quer com alianças de esquerda, quer com o PPD -CHEGA prossegue a mesma matriz TUDO PARA OS AMIGOS, algo para os miseráveis, e servos, impunidade, gestão das conjunturas etc e tudo mais negro seria com o CHEGA etc,

      mas oiçam Dinis de Almeida, o Campos de Andrade, os ajudantes de campo de costa gomes, etc, já não podem ouvir costa martins, nem um dos ajustes de Otelo major Arlindo já morreu etc ..coisas

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