(In Blog O Jumento, 24/01/2020)

Nunca imaginei ver um ministro da Justiça em democracia vir prestar uma homenagem pública ao ministro da justiça de um regime ditatorial, que durante o seu mandato deu cobertura aos julgamentos dos democratas nos tribunais plenários. Houve um tempo em que alguns governantes da direita portuguesa tentavam recuperar algumas figuras do passado, mas nunca tiveram a coragem de ir tão longe como foi a ministra de um governo de homens como Mário Soares e Jorge Sampaio.
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Há tempos sentia indignação quando via gente da justiça brasileira, uma justiça que tem muito de duvidoso, vir a Lisboa sugerir a adoção de regimes simplificados de produção de prova e de condenação, para dessa forma poupar no trabalho de produzir prova em tribunal. Na ocasião alguma direita ficava excitada, pelo que nunca me passou pela cabeça que fosse uma ministra de um governo que ajudei a eleger com o meu voto que viesse agora sugerir tais expedientes.
Há uns tempos a justiça angolana e o seu PG fizeram gato sapato da justiça portuguesa, no caso de corrupção envolvendo o vice-presidente de Angola. Costa chamou-lhe um irritante e superado o irritante o caso está esquecido. Agora é o PG de Angola que vem encomendar serviços à justiça portuguesa e o que mais se ouve no governo é a inteira disponibilidade para colaborar com uma justiça angolana que, em matéria de combate à corrupção, tem dois pesos e duas medidas.
Sempre pensei que a justiça serve para condenar os culpados e ilibar os inocentes, um princípio tão basilar que se prefere libertar um culpado a condenar um inocente. Nunca imaginei que a caminho de meados do século XXI uma PGR, que tem por dever defender a legalidade, desse instruções aos procuradores para que nos julgamentos insistissem em pedidos de condenação mesmo quando eles próprios consideram que não há matéria para condenar.
Na América o retrocesso da democracia chegou pela mão do Trump, no Brasil pela mão do Bolsonaro e começo a achar que em Portugal chega pela mão dos que menos seria de esperar, pelos da Justiça.
Nada disto surpreende, a justiça nacional nunca saiu da idade média.
Sejamos realistas!
Passado o periodo do PREC voltou-se à velha ordem oligárquica – um pos-fascismo – mantendo de fora a grande maioria da população, pouco alfabetizada. Voltou-se a considerar na Adm. Pública a importância de estar ligado ao partido conveniente, em regra uma ala do PS/PSD que alguma infantilidade considera haver diferenças entre ambos, para lá da cor da bandeira e da gravata dos respetivos fuhrers. E, ainda na Adm. Pública, são afastados ou remetidos para o olvido quem não simpatiza com o partido-estado, sendo cooptados através do tempo, os ex-MES, muitos ex-PC’s, desejosos de beneficiarem em tachos, da democracia de mercado
Comparem elementos bem reais que estou a estudar – no lapso de tempo 1995/2018 a receita do IVA (de facto paga por quem é assalariado) triplicou e as remunerações dos assalariados apenas duplicaram; e não culpem só a Troika!.
A ministra Themida considera que a fuga de enfermeiros é meio compensada com a vinda de gente vinda de algures; mas não refere as enormes diferenças nos salários nos outros paises europeus e os que são pagos cá. Não admira portanto que uns 30% do total estejam na emigração
Quanto à confraria da toga. Primeiro, a legislação é feita pela AR, dominada pelo PS/PSD e, executada à medida, pelas famosas sociedades de advogados; e convém que seja imensa e tortuosa para abrir caminhos vários, consoante a bolsa dos envolvidos. Aliás, a CRP dá logo o exemplo – é das mais longas do mundo e já ninguém se preocupa com o que lá está, por exemplo com as burlas da “descentralização” do Costa, depois das Comunidade Inter-municipais do Passos
A confraria da toga, foi em tempo separada do resto da função pública, com regalias e estatuto acima do resto – gente tão ou mais relevante como quem trabalha no ensino ou na saúde, tratados como parasitas. A confraria da toga não apresenta resultados, os processos acumulam-se ad seculum seculorum e toda a gente acha isso normal, acusando a “complexidade do processo”; de facto, complexizada a preceito. E, já que se fala de magistratura, não esqueçamos o Supremo magistrado da Nação, um tal Marcelo Rodrigues Tomás ou Américo Rebelo de Sousa, já não sei bem distingui-los nas respetivas vacuidades
Economicamente, os espanhóis vão dominando a economia portuguesa e os ditos empresários portugueses dedicam-se ao costume, imobiliário/construção, com trânsito de capitais para off-shores, mesmo que à boleia da Isabel dos Santos; ou clamando fundos comunitários, isenções e despachos à medida; com uma parte a caber à classe política central (PS/PSD) ou autárquica (onde a abrangência partidária é um pouco mais alargada).
Portugal é um agregado desconexo a que dificilmente se pode chamar um estado-nação; é um corredor das redes das multinacionais , lugar de trânsito de droga e subserviente para com as guerras do Império, oferecendo os mercenários solicitados pelos EUA/NATO. Um espaço onde habita um povo com séculos de mansidão e dado à obediência que ainda acredita na “democracia representativa”, votando em gangs de ladrões ou idiotas.
Em Portugal, cheira mal
Tenho dito
VL
Vitor, de alguém que nos entendeu, há muito, em tempos de revolução: “O quinto império”
… nós somos púnicos, parecemo-nos com os mercenários de Amílcar e todos esses matreiros do mediterrâneo. Nós somos girinos… (49)
Em português, as palavras são um simples meio de simpatia, ou o seu contrário. As pessoas perdem assim horas em conversas inúteis, só com o fim de garantir a sua estima recíproca (95)
Como bom português, sentia-se fascinado pelo desastre e caminhava para o abismo (118)
Um conquistador não é um promovido pela antiguidade e pelos concursos; Filipe Pétain não teve ânimo para ir a Argel em 1942, Kaúlza para mandar a barraca aos ares em 1973. O poder exige uma alma de Al Capone, sem rei nem lei (178)
As revoluções, quem quer que sejam os seus autores, não mudaram nada. Conduzem aos mesmos abismos. A dificuldade é mudar o homem (192)
Uma das particularidades portuguesas: o gosto da pequena polícia, a que mantém relações sentimentais como povo. A sua arte de bisbilhotar, de procurar por trás, de inventar razões e causas, a um tempo teima de funcionário e regressão à inteligência infantil. Ou bem que os portugueses não fazem nada, ou bem que vão até ao último pormenor e, chegados aí, largam tudo como de costume (196)
Cada cinquenta anos, o país sonha ser a primeira sociedade liberal avançada do mundo. Cada cinquenta anos, o libertário volta à superfície. Procura-se então um banqueiro ou um professor de economia capaz de casar meio século de bordel com O Espírito das Leis (223)
Sem endereços e todos com o mesmo nome, obedecendo a dois ou três pequenos princípios, entre os quais o de inventarem títulos… (302)
Dominique de Roux (1977, Paris)
(Pág, 1ª edção)