A tragédia dos segundos Governos: transformar a água em vinho só mesmo por milagre

(Vítor Matos, in Expresso Diário, 29/10/2019)

O maquiavélico Marcelo usou a parábola das Bodas de Caná com propriedade: os segundos governos têm sido sempre piores do que os primeiros: verdadeiras desgraças. Costa tem como tarefa um milagre?


“Sabe que muitos dos nossos concidadãos pensam que a este Governo se não aplica a situação da parábola da Bodas de Caná, na qual o segundo vinho era melhor do que o primeiro. E não obstante, há que admiti-lo, a história regista exemplos de tal feito” Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, na tomada de posse do Governo

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17 valores no índice do milagre político. Uma parábola nunca é só uma parábola. Marcelo Rebelo de Sousa gosta muitas vezes de suscitar leituras ambíguas e este discurso é nesse sentido uma pequena maldade. Antes de mais a constatação: muitos “concidadãos” acham que este segundo vinho (o novo longo Governo de Costa) não será melhor do que o primeiro. Pensará o Presidente o mesmo que tantos “concidadãos”? Ele não o disse, mas só o facto de enunciar a possibilidade de a governação ser pior é revelador – ou escusava de o ter dito. A seguir, o ponto de fuga: admitiu que a história regista “exemplos de tal feito”. Uma exceção, portanto. Ora sendo Marcelo um profundo conhecedor da Bíblia e um pensador político mefistofélico, só podemos interpretar que para ter ido buscar um exemplo destes, é por achar que só por milagre este Governo será melhor do que o primeiro. Na verdade, os segundos governos não costumam ser grande coisa.

O segundo Governo maioritário de Cavaco foi pior do que o anterior, o segundo de Guterres degradou-se de tal forma que acabou empastado no “pântano” e o segundo de Sócrates foi tão mau que o país acabou no fundo de um resgate financeiro. É verdade, a memória histórica não é favorável ao vinho que se segue, como nos casamentos antes da bodas da Caná.

É um desafio para Costa lançado em público por Marcelo – dê-me lá um Governo bom -, até porque as circunstâncias não são as melhores: “Não há recursos para tantas e tamanhas expectativas e exigências”, avisou o Presidente, ficaram por resolver “cabalmente questões essenciais.” E disse mais: “Não será fácil a tarefa que o espera” até porque as “expectativas e as exigências dos portugueses hoje são muito superiores às de 2015”. Podíamos juntar a isto uma ‘geringonça’ sem o cimento da rejeição da direita, e um ciclo económico desfavorável.

António Costa reagiu com humor uns dias depois: “Vamos ter quatro anos para poder abrir a garrafa, ver pelo cheiro da rolha se o vinho está em bom estado e deixar o vinho abrir para o podermos devidamente cheirar antes de fazer a prova”. O primeiro-ministro tem uma legislatura para transformar a água em vinho.

“Não viraremos as costas às dificuldades. E quanto maior for a tormenta, maior será a nossa determinação em ultrapassá-la.” António Costa, primeiro-ministro, na tomada de posse

18 valores no índice do venha a crise. Olhado com olhos de 2015, António Costa fez um milagre ao conseguir levar um governo minoritário suportado na ‘geringonça’ até ao fim da legislatura. Foi a vitória de uma improbabilidade.

Agora, porém, já não joga sobre uma improbabilidade, mas ‘apenas’ com uma conjugação de fatores que deixam o jogo muito aberto: a esquerda forçada a ir aprovando orçamentos (mesmo que seja com a abstenção) para o Governo não cair, umas autárquicas que podem correr mal (Costa já disse que isso não fará mossa), a saída do trunfo-bandeira-Centeno a meio do percurso, e uma conjuntura económica externa incerta e desfavorável.

Marcelo avisou para uma crise que pode chegar mais cedo e disse ao Expresso que a legislatura depende da conjuntura internacional. Costa respondeu-lhe – sim, nos dois discursos estavam claramente a falar um para o outro – que as tormentas podem vir que ele está preparado. Não basta, porém, marchar de peito feito contra as circunstâncias. António Costa tem a folga orçamental criada por Centeno como amortecedor nas contas públicas, mas ainda lhe falta um trampolim na economia. Será agora?

“Os eleitores não querem marcas brancas, querem marcas registadas. Não querem coisas desnatadas.” Nuno Melo, vice-presidente do CDS

16 valores no índice do emigrante em Bruxelas. Nuno Melo foi vice-presidente do CDS durante a liderança de Assunção Cristas? Parece que não, mas talvez sim, era o que estava no papel, mas o homem andava lá pelas europas, longe da vista longe do coração, e pelos vistos o que o partido andou a fazer nos últimos anos não lhe disse respeito. Ele era mais Bruxelas.

É o que dá emigrar. Numa crítica implícita à liderança que ele não quis disputar, Nuno Melo acha, no fundo, que o partido perdeu o sabor, a gordurinha, a cafeína. Mas como candidato nas europeias, o que Melo mais fez foi carregar nos condimentos e na “marca” da direita, como os resultados que se sabem. Foram ligeiramente superiores aos de Cristas (6% contra 4%), mas iguais no efeito: a irrelevância do CDS, com natas ou com aquelas mistelas de soja que se vendem agora.

9 pensamentos sobre “A tragédia dos segundos Governos: transformar a água em vinho só mesmo por milagre

  1. > António Costa tem a folga orçamental criada por Centeno como amortecedor nas contas públicas

    E quando a realidade discordar, quem paga? Isso já sem questionar de que é que isso serve aos portugueses que saltarão para o desemprego de longa duração, como mandam os tratados.

  2. Nota. Muito bom, e o primeiro discurso na AR do António Costa foi uma bosta. Para além de acentuar as contas de mercearia típicas do PS, Juntem-se, vá!, vejam lá se têm coragem para me derrubarem…, a sua bancada encolheu sôtor Rui Rio, toma!, ai as palavras maravilhosas da deputada Maria Begonha, muito bem e tome lá dez minutos de futuro, esperança na geração mais qualificada e poesia-muita-poesia que até parecia que estava a ler, e, sim, são mil-1000-mil novos licenciados na função pública, hello!, ó malta da JS aproveitem que as inscrições estão abertas, né?, enfim, só perdeu o smile e ficou à rasca com a segunda intervenção do Cotrim de Figueiredo da Iniciativa Liberal… Sim, essa, quando o tipo ensinou a fazer contas de cabeça: ou aumenta os impostos, ou não vai cumprir o que diz no programa de governo…

  3. Nota. Olha lá, ó d’A Estátua: o doido do Valupi escreve-escreve-escreve bacoradas ao quilo e, surpreendentemente, ninguém lhe liga peva? Nem a troupe alcoólica que o seguia enquanto ele despachava mais um copo de três? Sabes de alguma coisa estranha, pá?

    Conhecendo quem é o Dr. João Miguel Tavares
    29 Outubro 2019 às 18:26 por Valupi 6 Comentários, ontem (até tem um link para a bufaria, vê lá! LOL, que aparentemente funciona no mesmo edifício da Presidência do Conselho de Ministros… Aqui há gato, como é?!)

    Ricardo Costa na casa de banho
    30 Outubro 2019 às 18:00 por Valupi ZERO, hoje.

  4. Da série “Grandes títulos da imprensa de hoje”

    Operação Marquês: José Sócrates defende Carlos Santos Silva: “É honestíssimo”

    Nota. Hoje isto é artística, jurídica e politicamente melhor do que os tweets da Estrela Serrano ou da Fernanda Câncio e, ainda, do que os posts do Valulupi e da dondoca d’Um Jeito Manso, desculpem.

    https://tvi24.iol.pt/, LOL

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