Costa e Jerónimo: a lisonja não mata, mas mói

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 03/09/2019)

O debate entre Jerónimo de Sousa e António Costa não foi só morno. Não chegou a ser bem um debate. Houve alguns momentos em que até podia ter sido. Em que quase foi. Quando o assunto entrou nas leis laborais, na precariedade e no tempo de experiência. Um ponto em que Jerónimo de Sousa poderia ter desarmado facilmente António Costa. Distinguiu-se dele, explicou a sua posição, mas não aproveitou para o fincar o pé que tinha de fazer. Disse o que tinha dizer, mas quase tratava o primeiro-ministro por “António”, evitando qualquer confronto. Mesmo onde ele existe, existiu durante estes quatro anos e todos esperam que exista.

Isto não seria grave se apenas correspondesse a um estilo cordato que as pessoas, eu incluído, gostam no secretário-geral do PCP. Para debater ideias não é preciso andar à pancada. E ainda mais quando se andou a negociar durante quatro anos. Mas esta simpatia implica que se acentue ainda mais o contraste político. Tudo isto se agrava com a postura de Costa, que numa estratégia que me escapa, tem tratado o PCP como um amigo porreiro, roçando a condescendência. De tal forma que, no debate desta segunda-feira, até explicou que “não queria diminuir a exigência que o PCP sempre pôs nesta relação”. Uma frase que acaba por sublinhar que foi mesmo essa ideia que inadvertidamente passou.

Também nada disto teria importância se a bonomia com Jerónimo não tivesse como objetivo criar um contraste com Catarina Martins. Pode dar-se o caso de as excelentes relações com Jerónimo de Sousa funcionarem para o eleitorado que apenas quer impedir uma maioria absoluta não ter dificuldade em votar num Jerónimo colaborante. Não apostaria nisso um cêntimo furado nisso. Até porque o líder do PCP mostra mais reticências que Catarina Martins em repetir a “geringonça”, o que torna o tom deste debate ainda mais absurdo.

A estratégia de Costa, que até pode resultar de simples irritação pessoal, está a criar um problema para o PCP: a sensação injusta de que não é tão vigilante como o Bloco. Que se agrava pela atual falta de estamina política do secretário-geral dos comunistas. Desse ponto de vista, o debate desta segunda-feira poderia ter sido um bom momento para Jerónimo de Sousa mudar esta perceção sem ter de partir a louça ou trair o seu estilo. Reforçou-a.

Apesar da embirração de Costa com o Bloco beneficiar o Bloco, porque o torna preferido para quem quer que o PS governe com um cão de guarda que não lhe largue as canelas, também põe Catarina Martins numa situação sensível. Como lidar com as ferroadas de Costa sem chegar ao ponto de a coisa descambar e as pessoas sentirem que os dois não voltarão a entender-se? É nessa ideia que Costa aposta sem poder parecer ele o irresponsável irascível.

Até outubro será um jogo de nervos para a líder bloquista. Na realidade, semelhante ao que Jerónimo está a viver, mas de sentido oposto. O namoro de Costa a Jerónimo é excessivo e acaba por encabular quem, até por razões culturais, deve aparecer como firme.

O incómodo de Costa com Catarina é excessivo e pode levar a uma troca de palavras que comprometa conversas futuras. O que, do ponto de vista de discurso de campanha, favorece a dramatização que o PS quer fazer e por isso dificulta a vida ao BE. Veremos se Catarina consegue resistir à picardia melhor do que Jerónimo conseguiu resistir à lisonja.

6 pensamentos sobre “Costa e Jerónimo: a lisonja não mata, mas mói

    • Joaquim Camacho
      4 de Setembro de 2019 às 22:37

      O racha-sindicalismo costista no caso dos motoristas levou-me, como escrevi aqui, a decidir transferir o voto de Outubro do PS para o Bloco. A sacanice referida pelo MRocha no debate entre a Martins e a Cristas, que também vi e me provocou vómitos, fez-me mudar de novo a agulha. Mal por mal, e apenas porque a abstenção ou o voto útil iriam favorecer a direita, lá terei de voltar a fazer o que fiz quase toda a vida: meter a cruzinha na CDU do bailarino Jerónimo.

      Já agora, se o jornalismo não estivesse há muito a fazer companhia ao pássaro Dodô, poderia ter ocorrido ao moderador/entrevistador perguntar à coordenadora Martins: “Desculpe-me o oportunismo, mas isso é uma novidade absoluta, uma cacha que não posso deixar de aproveitar: que dinheiro foi esse, de Sócrates, que beneficiou de um perdão fiscal de compadrio? Em que banco(s) estava? Para que banco(s) foi transferido? Quando? Quanto? A quanto montou o perdão?”

      Nota. Há gajos que andam na blogosfera, como é o caso do Joaquim Camacho, que em 99 por cento das vezes fazem figuras de Patetas Alegres. É burro que nem uma pedra: a troupe do Aspirina B, entre os quais avulta o tipo, está completamente a leste da acusação do MP na parte em que entram os testas-de-ferro de José Sócrates e como foi sendo gizado o circuito do dinheiro que estava nas mãos dos primos Pinto de Sousa, do Helder Bataglia e do… Carlos Santos Silva. A frase da moça do BE que alarmou os chupistas do Aspirina B (ora agora chupo-te eu, MRocha, ora agora chupas-me tu, Joaquim Camacho… e chupamos todos a palhinha do Valupi, que aquilo é um filme porno em sessões contínuas, num esgoto a céu aberto, de alto escalão!) é esta, cito-a a partir do Sol online: “Não é verdade que no tempo do anterior governo não se pudesse ter escolhido descer impostos. Desceram nomeadamente o IRC. Também não é verdade que o programa que o CDS agora apresenta seja um programa de descida de impostos e o Bloco de aumento de impostos. O CDS tem esta forma de apresentar as coisas. Justiça fiscal é não só libertar os rendimentos mas olhar para o país. No tempo do governo PSD/CDS Paulo Núncio fez uma amnistia fiscal que permitiu a Salgado, Bava e Sócrates não só trazerem o dinheiro para Portugal sem pagarem impostos como lhes permitiu amnistia sobre os seus crimes. Temos de escolher de que lado estamos e no Bloco estamos do lado de quem trabalha”, disse a líder do BE.». Note-se que a Operação Monte Branco serviu para ligar a Gunter Finance nomeadamente, uma offshore de José Paulo Pinto de Sousa, vulgo “o Gordo”, com o filantropo Carlos Santos Silva. E que é a partir daqui que o MP percebe que o pilim, que vogava ao sabor das ondas numas exóticas offshores, reentrava alegremente em Portugal, ao abrigo de sucessivas amnistias e quase à borliu, tendo como destino os bolsos sem fundo do principal arguido da Operação Marquês. Ou seja, de José Sócrates, acho que o tipo se chamava assim.

      1.
      25/5/2016, 11:43

      […]

      Foi a partir do circuito dessas transferências detetadas no caso Monte Branco e da identificação das sociedades offshore utilizadas (a Markell International de Bataglia e a Gunter Finance, de José Paulo) que o Ministério Público (MP) travou conhecimento com Carlos Santos Silva, o empresário amigo de José Sócrates, que também terá participado no alegado esquema de branqueamento de capitais imputado pelo MP através da sociedade offshore Giffard Finance.

      Mais tarde, toda esta prova prova foi transmitida à Operação Marquês devido às suspeitas do MP de que Santos Silva seria um testa-de-ferro de José Sócrates.

      https://observador.pt/2016/05/25/primos-de-socrates-foram-investigados-no-caso-monte-branco/

      2.
      20 de Março, 2015 – 15:13h

      […]

      A maior amnistia fiscal de sempre ao dinheiro escondido no estrangeiro

      Logo no primeiro Orçamento de Estado, é criado o terceiro Regime Especial de Regularização Tributária (RERT III), que permitiu a quem escondeu dinheiro em contas no estrangeiro legalizar a situação e proteger-se de futuras condenações a troco de uma taxa de 7,5% sobre o montante declarado. Ao contrário dos dois RERT anteriores, sob o governo Sócrates, este não obrigou ao repatriamento dos capitais, servindo apenas para os amnistiar. A descoberta do esquema de fuga de capitais revelado pela investigação Monte Branco levou ao prolongamento do prazo de candidatura a esta amnistia fiscal. Foi um recorde: 3.4 mil milhões de euros legalizados, mais do que nos RERT I e II juntos.

      Entre outros negócios obscuros, o RERT III serviu para ilibar os dirigentes do Grupo Espírito Santo de qualquer acusação a respeito das luvas recebidas pela compra dos submarinos ao consórcio alemão, permitindo ao Ministério Público dar por encerrada a investigação. Paulo Núncio também esteve ligado aos RERT anteriores, mas então no apoio aos beneficiários, ao serviço da Garrigues & Associados. Em 2010, explicava esse regime aos seus clientes como uma “amnistia fiscal” que garante “um escudo protetor (relativamente aos valores declarados) de todas as obrigações fiscais e mesmo de todas as infrações cometidas”. Dois anos depois, falando ao Expresso sobre o RERT III, que criara enquanto governante, garantia que “o Governo rejeita expressões como ‘amnistia fiscal’ ou ‘perdão fiscal'”.

      https://www.esquerda.net/artigo/quem-e-paulo-nuncio/36279

      3.
      11 Outubro 2017

      […]

      Dos 24 milhões de euros reunidos em duas contas na UBS abertas em nome das sociedades offshore Pinehill e Brickhust, foram transferidos para Portugal, entre outubro de 2010 e março de 2011, um total de cerca de 23,3 milhões de euros em valores mobiliários e dinheiro. Tudo ao abrigo do segundo Regime Excecional de Regularização Tributária aprovado pelo segundo governo Sócrates, tendo Santos Silva pago um imposto de 5% sobre o valor total transferido e beneficiado da amnistia fiscal.

      O MP sustenta ainda que foi assinado uma espécie de testamento que Santos Silva fez quando abriu uma das suas várias contas na UBS – desta vez, em nome de uma offshore chamada Belino Foundation. De acordo com os documentos recolhidos pelo Ministério Público Federal da Suíça e enviados para o MP português, Santos Silva fez constar que, em caso de morte, 80% do saldo da conta onde foram reunidos cerca de 9,8 milhões do valor total depositado na UBS pertenceriam a José Paulo Pinto de Sousa como fiduciário (em representação) de José Sócrates.

      Tchau, serviço público. 🙂

      • Nota. Eheheheh, a bebedeira, a burrice e a falta de vergonha demorou umas horitas mas ali está!
        (como vês, o Valulupi anda a farejar o que se comenta n’A Estátua de Sal… alegra-te pois, pá!)

        Catarina Martins pede para ser ouvida por Ivo Rosa
        5 Setembro 2019 às 17:29 por Valupi

        Tchau, serviço público-plus. 🙂

          • J. Madeira
            5 de Setembro de 2019 às 22:42

            Todos sabemos que, o BE se aliou à direita para derrubar o Governo minoritário
            do PS, liderado por José Sócrates!.

            &etc. parvatias.
            Nota. Agora vai ser ao contrário aposto: ora agora chupo-te eu, Joaquim Camachom ora agora chupas-me tu, MRocha… e chupamos todos a palhinha do Valupi, que aquilo é um filme porno em sessões contínuas, num esgoto a céu aberto, de alto escalão! Este capítulo sobre as offshores é uma das partes fantásticas da acusação do MP. Começou com uma chamada da Sábado, o artigo está linkado no Obsevador, e o Animal Feroz ficou em pânico e começou a falar, reuniões em segredo, às escondidas, até pede dinheiro emprestado ao João Perna! mas, azar, estava a ser escutado. Enfim, é só rir!!

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