(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 16/02/2019)

Miguel Sousa Tavares
Do longo e influente currículo bancário de Carlos Costa ressaltam três situações comprometedoras: a) a Resolução do BES, experiência pioneira no sistema bancário europeu, e de cuja entusiástica execução (incluindo a leviana gestão do dossier BESA, com a correspondente perda quase total da garantia do Estado angolano sobre 4000 milhões de euros), se mantém uma conta-corrente em aberto de vários milhares de milhões para os contribuintes; b) a fracassada supervisão da banca privada, enquanto governador do Banco de Portugal, incluindo o próprio BES, o BPN, o BPP, o Banif, e a Caixa; e c) a sua própria participação, enquanto gestor da Caixa, nos prejuízos por esta sofridos em créditos no mínimo aventurosos.
O que se descreve na alínea c), longamente ocultado, só agora veio a público, mas o resto de há muito se sabia e era suficiente para se perceber que Carlos Costa era um sério candidato à medalha de homem que, directa ou indirectamente, mais danos causou aos contribuintes portugueses nos últimos largos anos.
Se, apesar disso, ele conseguiu até aqui passar incólume entre os pingos da chuva, isso ficou a dever-se apenas a duas razões: porque ficou para a história como o homem que, com o apoio de Passos Coelho, derrubou o império BES e Ricardo Salgado, o que lhe trouxe uma popularidade instantânea e inquestionada; e porque, quando as coisas começaram a fiar fino e sentiu o cheiro a pólvora, soube respaldar-se em jornalistas influentes, a quem passava informações a troco da construção do perfil de guardião impoluto do sistema bancário. Isso durou até agora, até se saber que também ele lá tinha estado, do outro lado da barricada, do lado indesmentivelmente feio da história. Agora, com os seus aliados de ontem ocupados em exercícios de contorcionismo dignos do Cirque du Soleil, resta-lhe fazer de morto-vivo, qualidade que não lhe é de todo estranha. Como escreveu Cesare Pavese, está morto, mas não sabe. Ou, mais provavelmente, sabe, mas é-lhe indiferente.
2 Ciclicamente, sou levado a ler nos jornais um desabafo de algum oficial militar, prudentemente na reserva, dando conta da sua indignação perante as malfeitorias de que serão alvo por parte do poder político — as quais sempre e sempre têm que ver com questões de natureza pecuniária e jamais de outra ordem ou grandeza. Inevitavelmente também, vêm elas acompanhadas de um comovente relambório sobre a dureza da “condição militar” (que, por si só, justifica um subsídio de vencimento com o mesmo nome), e uma exaltante descrição do heroísmo putativo de quem “permanece 24 horas ao serviço da Pátria, pronto a dar a vida por ela”. Este tipo de considerações sofre de três erros básicos de análise. Em primeiro lugar, pressupõe que só sendo militar se serve a pátria e que tendo o peito coberto de medalhas ganhas por simples subida de posto ou desempenho de funções burocráticas se tem mais mérito do que tantos que fazem muito mais com muito menos alarido e fanfarras. Em segundo lugar, porque e felizmente, há cinquenta anos que nenhum militar português morre em combate e tal deve-se, também e em parte, à diplomacia do poder político: em breve teremos a segunda geração seguida de oficiais que terão entrado na Academia Militar e saído no final da carreira como generais ou almirantes sem nunca terem estado debaixo de fogo real. E, em terceiro lugar, porque, numa atitude que hoje parece estar a tornar-se comum entre todos os servidores do Estado, se acha legítimo eles viverem a queixar-se da profissão que livremente escolheram e que livremente podem abandonar — assim não lhes falhasse a coerência e a coragem para tal.
Porém, não me interpretem mal: eu não sou, de modo algum, anti-Forças Armadas. Sou antimás FA e anticorporações, no que elas têm de pior, e sejam elas militares ou civis. E confesso que, dentro das FA, tenho francamente mais respeito pela Marinha e pela Força Aérea do que pelo Exército. Mas seguramente que não é culpa minha se, ultimamente sobretudo, o Exército se tem encarregado de arrastar a sua imagem pelas ruas da amargura. As mortes criminosas dos instruendos dos comandos, fruto de um exibicionismo militarista gratuito e desumano, foram intoleráveis. O roubo de mercearia, organizado e existente durante anos nas messes do Exército e FA, é uma vergonha. Saber que há oficiais do Exército que subalugam no mercado as casas de função que lhes são atribuídas, é escandaloso para quem tanto se reclama de uma honra à parte. Mas nada, nada, pode igualar a inacreditável história do roubo das armas de Tancos, uma inimaginável novela de amadorismo, incompetência, desresponsabilização e, sim, ausência de vergonha.
Porque se já era inimaginável que fosse tão fácil assaltar um quartel e logo um que guardava um paiol; que ele estivesse protegido por uma simples vedação; que o sistema de videovigilância estivesse inoperacional há anos; que houvesse rondas quando calhava e que não eram efectivamente controladas; e que os oficiais que tinham o quartel à sua guarda dormissem sossegados sabendo tudo isto, é ainda mais grave a suspeita de cumplicidade interna no assalto e a tentativa da PJM de encobrir os assaltantes e as pistas do roubo com uma operação montada de falsa descoberta das munições roubadas. Depois, ouvir contar na CPI da Assembleia da República que os oficiais suspensos preventivamente e reintegrados ao fim de 15 dias, o foram apenas para acalmar a opinião pública e “manter as aparências” (ou seja, que tiveram um castigo de 15 dias de férias pagas), e ficar a saber-se que o coronel de chefia ao quartel até foi destacado para um curso de promoção a oficial-general, tudo remete para uma cultura de desresponsabilização e tropa-fandanga que toca as raias do despudor.
Pior ainda, um a um, têm-se sucedido na CPI os oficiais superiores do Exército ligados, directa ou indirectamente, ao caso de Tancos, e o que vêm dizendo é de se ficar estarrecido. Houve o tal comandante do quartel, mestre de semântica, que afirmou que, embora “as directivas (de segurança) não tivessem sido cumpridas”, tal não significava que “as ordens não tivessem sido obedecidas”. E houve um general, ex-chefe do Estado-Maior do Exército que afirmou “ter atacado o assunto”, no seu tempo de chefia, com 400 mil euros para a vedação, porque, explicou, “o dinheiro não abunda para estas coisas”. Hoje, embora já retirado, o general jurou ter-se sentido tão mal com o caso que teve de ir a um cardiologista e começar a tomar remédios para a tensão (olha, que boa vida que teve até lá!). E, embora “defensor da transparência e da liberdade de expressão”, o que incomoda o general é que a CPI decorra à porta aberta, permitindo aos cidadãos acompanhar as justificações dos militares e ao Ricardo Araújo Pereira fazer sketches cómicos com o assunto. “Não havia necessidade, pá”, concluiu o senhor general. Não havia, não. Levará anos a limpar esta nódoa do historial do Exército. Porque, ocorrido o impensável, eles, pá, desde a primeira hora não souberam comportar-se com o sentido de responsabilidade e de honra de que tanto se arrogam. Pá.
3 Enquanto em Varsóvia o vice-presidente americano, Mike Pence, e o secretário de Estado, Mike Pompeo, juntos com o primeiro-ministro de Israel, o polaco e uns príncipes do Golfo, se reuniam numa ridícula frente destinada a sabotar o acordo de desarmamento nuclear assinado com o Irão, os Presidentes do Irão, da Turquia e da Rússia reuniam-se com uma agenda muito mais simples e letal: a partilha da Síria, de onde Trump anunciou retirar-se. Mas antes de recambiar os últimos 3000 soldados americanos enviados para a Síria para combater o Daesh (coisa que nem o Irão, nem a Turquia, nem a Rússia ou Assad estão interessados em fazer), os Estados Unidos fizeram um derradeiro pedido aos curdos, os verdadeiros vencedores da guerra contra o Daesh: que esmagassem as últimas bolsas de resistência deste em território sírio. E os curdos assim fizeram, na esperança de que Trump não os deixe entregues nas mãos sanguinárias de Erdogan. Como seria a História se não fosse essencialmente escrita por cínicos?
Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
«Sou antimás FA e anticorporações, no que elas têm de pior, e sejam elas militares ou civis»
Com o meu aplauso, relevando o estado deste Estado de ‘corporações’ & deixa-andar:
matéria de estrita competência política, “PM” do reino e sucessivos MDN & Ajudantes, & Comissões Parlamentares inúteis ou inócuas.
«a inacreditável história do roubo das armas de Tancos»
A comprovar duas coisas: a) O acomodar da ‘corporação’ ao acomodado pendor de sucessivos MDN & Cia;
b) A prova do ‘ensaio’ para a cegueira, representado por ilustres MDN & Cia, a fazer currículo no governo, com os seus ‘escolhidos’ generais chefes.
PS: que os miseráveis paióis, devessem ter sido encerrados no pós 2004 (final do SMO, não é?),
com uma honesta e séria nova organização da Defesa/FA, nenhuma dos crânios do Restelo & S. Bento notou: surdos, cegos e mudos, como comprovam com todas as suas CI, a fazer ver que ‘trabalham’!
Se nem com a troika, oportunidade de oiro, foram capazes de reunir três Academias Militares numa AM comum,
tendo enveredado pelos exaustivos estudos, típica ‘doença’ lusitana, que levam a lado nenhum, como o Defesa 2020 de Passos&Aguiar e aceite como de costume por todos no circo S. Bento, talvez no futuro, quando chegar Godot.
Cumprimentando o ‘incómodo’ Sousa Tavares, este seu leitor e coronel inconveniente.
A bem do Regime.
O povo Português tem aquilo que paga : E o que paga é “este” Exército sem qualquer capacidade operacional, desmoralizado e comandado por aqueles que são na realidade civis, que de vez em quanto vestem uma farda para luzir em paradas e foguetório. À Marinha restam as três fragatas Meko, que briosamente cumpriram em 2016 as suas bodas de prata, e dois submarinos para os quais não há sequer dinheiro para a manutenção. Os F-16 da dita Força Aerea, caducos que são, tornaram-se num perigo para quem os voa pela falta de fundos que paguem o treino minimo dos respectivos pilotos. E este é o segredo de Polichinelo que os politicos, todos eles, escondem ao seu Povo: Que as Forças Armadas não são nem “forças”, nem estão muito menos “armadas”.
Certo!
O que interessa aos partidos que têm governado o país é simplesmente não desagradar aos “patrões” que lhes ditam orientações e, desde que não belisquem os interesses daqueles, fazer umas flores para mostrar ao povo menos esclarecido que manda nos interesses e destinos de Portugal!