O próximo teste

(Jaime Nogueira Pinto, in Diário de Notícias, 31/01/2019)

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(Hoje a Estátua resolveu dar voz à Direita mais civilizada. De facto, Jaime Nogueira Pinto é das raríssimas vozes da direita que consegue soletrar, contar até 100 e capaz de ter um discurso minimamente articulado e que não ofenda a inteligência, ainda que dele se possa discordar.

Enquanto Nogueira Pinto sabe falar e escrever – este texto é prova disso mesmo -, a maior parte dos direitolas que pululam pelo espaço público não vai além do cacarejo e do parlar.

Para que não digam que sou um fundamentalista enviesado.

Comentário da Estátua, 01/02/2019)


A crise venezuelana é mais um sinal do novo modo confrontacional por que está a passar a sociedade internacional. A reacção constitucionalista do presidente do Parlamento, o extraordinário apoio popular que recebe e a atitude dos Estados Unidos e do Brasil reconhecendo-o, mostram que o movimento iniciado em 2016 com o Brexit e a eleição de Trump está a mudar a política.

O ano de 2018 foi marcado pelo novo paradigma que está a abalar o modelo político-económico estabelecido há um quarto de século, no final da Guerra Fria; um modelo que projectava, para todo o sempre, uma democracia de mercado globalizada e globalizante coberta intelectualmente por uma cultura progressista, materialista e hiperliberal em matéria de valores e costumes.

Em 2018, o acontecimento mais significativo desta nova vaga foi a eleição de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, contra a violenta hostilidade das forças sistémicas, dos grandes media e de parte substancial da classe artística e intelectual. Num desfecho mais uma vez “inesperado”, o candidato nacionalista e conservador quase venceu na primeira volta por maioria absoluta e derrotou, na segunda, o seu opositor com o “voto útil” que lhe faltava.

Em Itália, há um governo de direita nacional e identitária, coligado com populistas de esquerda. Na Mitteleuropa – Polónia, Hungria, Áustria, República Checa, Eslováquia – há governos de partidos de direita conservadora ou de direita nacionalista que, em alguns casos, governam coligados. No resto da União Europeia, com excepção da Irlanda e de Portugal, estão a emergir partidos eurocépticos e identitários, hostis à hegemonia da esquerda e ao seu breviário, mas também com reservas ao liberalismo desenfreado e ao capitalismo selvagem.

Esta vaga nacional-identitária e popular está a alterar profundamente os modelos partidários do Continente, fixados, em grande parte, entre um centro-direita conservador ou democrata-cristão e um centro-esquerda socialista ou social-democrata. Isto depois da implosão da União Soviética ter levado à redução à expressão mais simples ou mesmo ao fim dos partidos comunistas da Europa Ocidental, com excepção do PCP português.

Ora é precisamente este modelo de alternância ao centro que tem vindo a ser posto em causa. Não por maquiavélicas conspirações antidemocráticas, inspiradas por Putin ou Bannon, mas porque os valores, os princípios e os interesses deste modelo e dos seus representantes se mostram incapazes de responder aos problemas que se colocam hoje às sociedades euroamericanas.

Entre as causas desta incapacidade de resposta, está a redução da política a uma escrava da economia e a consequente globalização desregulada, na Europa e nos Estados Unidos, que atingiu as classes trabalhadoras e que chega agora às classes médias.

A edição de Novembro-Dezembro da Foreign Affairs (uma publicação do mainstream ideológico), num artigo de Kenneth Scheve e Matthew Slaugher, “How to save Globalization”, enuncia, com algum pormenor, as raízes económico-sociais da nova corrente antiglobalização nos Estados Unidos, destacando a baixa dos salários reais dos trabalhadores e dos quadros médios e a subida em flexa dos vencimentos e prémios dos altos executivos nas últimas décadas. Assim, numa sociedade de tradição igualitária e meritocrática, o salário dos “de cima” é, em média, 330 vezes superior ao dos “de baixo”; há dez anos era 300 vezes superior e há trinta não chegava a 50. As mudanças tecnológicas e as deslocalizações rápidas das empresas estão na base destas desigualdades. Numa sociedade que, desde o fim da Grande Depressão, se habituara a que os filhos viessem a viver melhor do que os pais, este agravamento da disparidade tem profundas implicações na saúde física e mental dos trabalhadores.

As “doenças do desespero” e do desemprego ou subemprego – suicídios, overdoses, alcoolismo – matam muitos destes marginalizados do mercado de trabalho (especialmente brancos não-hispânicos sem estudos superiores); ao mesmo tempo, aceleraram-se as desigualdades de nível de vida entre as grandes metrópoles e as comunidades mais pequenas. Foram, sobretudo, estes “brancos zangados” dos decadentes Estados industriais do Nordeste, do chamado Rust Belt, que deram a vitória a Trump em 2016 e com isso começaram a mudar o rumo da História do século XXI.

Trump, Bolsonaro, Salvini, Orbán sendo, por um lado, consequência de coligações negativas – anti-Hillary, anti-PT, anti-sistema -, são também sinal de um redescobrimento de valores orgânicos e identitários que ressurgem como alternativa ao fracasso dos valores individualistas e globalistas-humanitários. Vêm contradizer a filosofia do fim da História pós Guerra Fria, que proclamava a construção de uma ordem mundial apresentada como ideologicamente neutra e definitiva, uma ordem democrática e capitalista, governada pela “mão invisível” dos tratadistas de Manchester e por uma reedição do iluminismo mundializante dos filósofos franceses, acolitada por um ala de progressismo radical e relativismo absoluto.

Esta ala, que ganhou uma hegemonia artificial graças a minorias de controlo na Academia e nos media, impõe ou quer impôr a sua agenda minoritária através da legislação em matérias não-económicas, que as “direitas” do sistema secundarizam e por isso lhe entregam de mão-beijada. Perante a inércia dos “moderados”, estas políticas – como as da ideologia de género e as políticas anti-família – desencadeiam reacções também radicais de grupos religiosos identitários, como os Evangélicos – decisivos, por exemplo, para as vitórias de Trump e Bolsonaro. O tempo é agora de bipolarização, sem grande espaço para terceiras vias.

O que é interessante e parece perturbar o sistema é que estas mudanças vêm dos votos dos eleitores, do povo, e não de uma conspiração reaccionária, de um golpe militar, das manobras de uma elite qualquer. É um despertar, uma frente comum, que começou por definir-se pela negativa mas que, a pouco e pouco, vai encontrando valores alternativos.

O próximo teste vão ser as Europeias, em Maio.

Um pensamento sobre “O próximo teste

  1. Há dois pontos neste texto em que concordo com o Jaime:
    1 – O capitalismo selvagem foi o que nos trouxe até aqui. Sem dúvida! Concordo a 100%.
    2 – Em relação às “doenças do desespero” concordo que elas existem e que se verificam cada vez mais nos dias que correm, mas tenho de adicionar mais um sintoma que o senhor, talvez habilmente, se esqueceu de referir: a simpatia por ideias de extrema-direita.
    Pois, apesar de ser uma criança de bunker mas que de alguma forma lá consegue ler umas quantas publicações estrangeiras (se o Mário Machado sabe que ele anda a ler coisas escritas noutras línguas que não português…) não significa que o seu raciocínio esteja correcto. Aliás, lendo bem com atenção, sou obrigado a atribuir o elogio máximo que um tipo destes algum dia poderia esperar da minha parte: a lógica dele está apenas incompleta.
    Está tudo certo até à parte da ressurgência da extrema direita, que é um facto que não nego. No entanto ele falha em ver o que, a pouco e pouco, se começa a ver por todo o planeta: o ressurgimento de uma outra força (que hesito em classificar como esquerda por enquanto, mas para o caso nem interessa) que não é mais que o “acordar” quasi forçado da generalidade da população e que, por muita lágrima que provoque ao Sr. Nogueira, nada têm a ver com os seus esbirro e o fel que insiste em cuspir diariamente. Muito pelo contrário aliás,
    O que se passou e está a passar não é mais que uma repetição do que se viveu na Europa e EUA no final dos anos 30 mas num contexto muito mais evoluído, onde a informação substituiu o petróleo como principal moeda de troca.
    A humanidade estava ainda a lidar com os efeitos do crash de Wall Street e a esmagadora maioria das pessoas – muitos pouco educados e os poucos que sim, geralmente despreocupados com coisas de políticos – pediam respostas: “Como é que isto aconteceu?” “Como é que eu ainda à 10 anos tinha uma casa e um carro e hoje tenho de passar 3 horas numa fila ao frio para comprar um pão?” Hoje já poucos comem pão por causa do glutén mas se as pessoas não tiverem dinheiro para comprar um hambúrguer de soja, o problema persiste.
    Tal como nessa altura, as primeiras respostas surgem sempre da extrema direita pois a mensagem desse lado é sempre, sempre a mesma: morte e expulsão a quem não se parece comigo! O grande problema da esquerda neste sentido é a sua incapacidade em contrapor esta mensagem. Mas ao mesmo tempo o problema é complexo, assim como a sua solução, pelo que é impossível escrever uma só frase que consiga encapsular essa ideia numa frase que possa ser escrita num cartaz ou num muro. Por outro lado é muito fácil pintar suásticas, até nos postes de iluminação se for preciso. A força e eficácia da mensagem de extrema direita reside unicamente na sua simplicidade.
    E é aqui que a “doença do desespero” do Sr. Jaime entra. Os parvos de extrema direita sempre habitaram o nosso mundo mas não passam disso mesmo:uma minoria parvos que culpam imigrantes e pessoas de outras raças pela sua irrelevância e inutilidade social. Pessoas saudáveis ignoram-os e, por vezes, até os confrontam. Mas quando o desespero se entranha, de repente aquele nabo aos gritos na rotunda começa a fazer sentido. Às vezes nem é tanto isso mas um acumular de frustrações devidas a décadas de corrupção e inépcia por parte das “elites políticas” que acabam por tornar a mensagem de extrema direita como a única alternativa a “mais do mesmo”. E foi assim que Trump foi eleito. E Bolsonaro. E Órban. E Salvini. E Hitler. E Mussolini. A lista é longa…
    E, mais uma vez, lá vai a extrema direita para o poder. Mais uma vez a sociedade decidiu dar vez ao idiota que passa os dias aos berros na valeta. E mais uma vez o idiota mostrou porque é que o lugar dele é na valeta com o resto do lixo. A extrema direita promete que a única coisa que nos separa do paraíso na terra são os imigrantes e a “esquerda” em geral. Mas basta deixá-los à vontade durante uns meses e é uma questão de tempo até serem engolidos pela sua própria burrice e corrupção inerente: o czar Trump anda a brincar com o impeachment à mais de 1 ano e ter fechado o governo por mais de um mês (durante o Natal e Ano Novo imagine-se), por causa de uma birra ainda por cima, só o meteu mais perto da beira do precipício, Bolsonaro nem tinha ainda celebrado uma semana como presidente e já anda à rasca com acusações de corrupção graças à negociatas do filho Fábio, Salvini já está em tribunal acusado de rapto e arrisca-se a 15 anos de prisão por causa do que aconteceu no ano passado com o barco de imigrantes vindos da Eritreia, Órban e o governo polaco andam a braços com manifestações populares motivadas pelas várias crises que as suas governações inúteis provocaram. O Brexit, esse acidente rodoviário britânico, ameaça enviar o UK para décadas de pobreza e recessão económica e porquê? Porque mais uma vez se deixou a extrema direita à solta e estes (Johnson e Farage em particular) fizeram a porcaria e quando o povo lhes pediu para resolverem a bronca que criaram com as suas mentiras, estes desapareceram. Exemplos não faltam. É esta gente que pretende governar a Europa? O mundo? Gente que nem conseguem estar mais do que um mês longe de escândalos de corrupção quando foi a sua suposta “honestidade exemplar” que os trouxe ao poder?
    Entra agora a 2ª parte do raciocínio que o Sr. Nogueira habilmente ignora: as pessoas estão finalmente a perceber que a extrema direita não só não é solução como é muito pior do que se imaginara. Não porque ficaram mais espertas e cultas de repente mas porque se esgotaram as opções. A “elite política” até aqui era apenas corrupta mas esta gente não só é tão ou mais corrupta mais ainda agrava a situação por serem também incrivelmente burros! E a pouco e pouco as pessoas percebem que a solução terá de vir de si próprios. E foi assim que a Alexandria Ocasio Cortez e muitas outras mulheres, negros, muçulmanos, gays e trans foram parar ao Congresso Americano em Novembro passado. É isto que motiva as demonstrações populares que se multiplicam que nem cogumelos pela Polónia, Hungria e Itália. O Brazil ainda está na sua infância neste sentido mas calculo que seja uma questão de tempo até que as asneiras e burrice do Bolsonaro largamente ultrapassem quaisquer sentimentos de esperança que ainda restem entre os milhões de brasileiros. Pouco a pouco a extrema direita vai forçando, contra a sua vontade entenda-se, pessoas de bem a meterem-se na política, algo que espero que resulte numa renovação profunda da classe política a nível mundial, coisa que não acontece desde o fim da 2ª Guerra Mundial (curiosamente motivada pelas asneiras e idiotice de outros parvinhos de extrema direita). S
    Hitler conseguiu evitar esta parte ao estimular a economia alemã artificialmente com as suas invasões europeias e o meu grande receio nesta altura deve-se precisamente a isto. O truque é manter o povo desatento. Quem é que Trump vai tentar invadir para distrair os americanos da sua própria inutilidade? Bush usou o Iraque e parece que agora vai ser a vez da Venezuela. Quando as avenidas de Brasília se encherem de manifestantes com tachos e panelas, tal e qual como fizeram com a Dilma, será que Bolsonaro vai ter a decência de reconhecer a sua incapacidade política e ceder o poder ou vai abrir fogo na população? Pois, o problema de colocar idiotas no poder é que estes mais tarde ou mais cedo se vão comportar como tal. Dificilmente a extrema direita irá abandonar o poder de forma pacífica. Para nazis não há a possibilidade de formarem oposição pois eles sabem melhor que ninguém que do poleiro vão logo direitinhos de volta à valeta para berrarem mais um bocado sozinhos.

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