Os fogos e o tratamento superficial de uma coisa séria

(Pacheco Pereira, in Sábado, 19/08/2018)

JPP

Pacheco Pereira

Não pretendo nem um átomo desculpar o que o Governo faz mal, mas o modo como se procura com enorme ligeireza encontrar culpados ainda os fogos estão a arder é pouco sadio numa democracia.


Eu não sei qual a responsabilidade do Governo, mas terá certamente muita. É o Governo que está em funções e, por isso, tudo o que se passa no País é de sua responsabilidade directa ou indirecta. Não pretendo nem um átomo desculpar o que o governo faz mal, mas o modo como se procura com enorme ligeireza encontrar culpados ainda os fogos estão a arder, é pouco sadio numa democracia. A comunicação social, cujo tratamento de tudo é cada vez mais estereotipado, tem muita responsabilidade no incremento da superficialidade.

A política é deixar arder as matas e concentrar a defesa nas casas? Parece que é uma opção, mas se fosse ao contrário, não haveria um enorme clamor? A política foi, à luz do que aconteceu no ano anterior, não dar margem nenhuma a que houvesse pessoas no caminho do fogo? Sim, com o inevitável forçar da GNR dos recalcitrantes em sair, contrariando a sensação de que se estivessem perto de suas casas podiam salv -las. Mas se alguém tivesse morrido queimado porque no combate aos fogos se tinha descurado a segurança das populações e se permitira a tentativa muitas vezes quixotesca para salvar as casas, o que é que se diria?

No entanto, neste caso, gostaria de saber mais, saber até que ponto um número significativo de casas foram salvas sem os bombeiros e como. É um dado relevante, até para se disseminar esse conhecimento, mas também aqui é preciso esperar para saber mais, e não dar palpites imediatos por jornalistas ou pelas pessoas aflitas em casos que podem ser pontuais ou ter outra explicação. É um facto que existe muita pressão política sobre o Governo e ainda bem. Mas a pressão política sem o conhecimento dá sempre para o torto.


Um País pobre
Quando, muitas vezes de forma folclórica e afrontosa, as televisões vão buscar aqueles que lhes parecem mais “típicos” para entrevistar, naquelas conversas de nulo conteúdo informativo, mas que servem para encher espaço nos noticiários quando há desgraças, há um aspecto de Portugal que muita gente quer ignorar: o País e o seu povo são pobres, ainda muito pobres. Entre outras coisas vejam o número de pessoas que não têm dentes, que se percebe que nunca tiveram cuidados dentários. É um sinal de que não somos o País que desejamos ser, ou que nos dizem que somos.


A censura feita pelo Facebook, Google, etc.
Não me sinto confortável com aquilo que a maioria das pessoas acha bem: os donos das principais “redes sociais” (com excepção do Twitter) estão a fazer censura a páginas de notícias falsas, páginas individuais e de grupo consideradas promotoras de ódio, racismo, teorias conspirativas, etc. Parece-me um caminho perigoso, alimentado por uma espécie de complexo de culpa pelo que permitiram no passado. Agora querem lavar as mãos prometendo que apenas passam no crivo dos novos censores, páginas limpas, sanitárias e sem mácula. Aliás o zelo censor é muito mais fácil do que o zelo na protecção da privacidade, visto que estas redes sociais são negócios que vivem da informação privada que as pessoas irresponsavelmente e por ignorância lhes dão. O caso da Cambridge Analytica e da utilização de big data para fazer perfis eleitorais e depois orientar a propaganda, as provocações, os boatos e as falsidades é muito mais grave do que as conspirações do InfoWar.

É um caminho muito perigoso e institucionaliza como normal a censura, daquilo que não gostamos nem concordamos, aquilo mesmo que na Constituição americana era o pilar básico da liberdade de expressão. A liberdade de expressão não é para o que consideramos conveniente, com que aceitamos e concordamos, para exactamente aquilo que, dito de forma directa, nos mete nojo. Começar a separar o que se pode dizer daquilo que não se pode dizer acaba por caminhar para a cabeça das pessoas e mata a liberdade. Claro que eu sei que o problema não está apenas nos conteúdos, mas na utilização das “redes sociais” como máquinas de guerra, manipuladas por especialistas na desinformação que em vários pontos do mundo, e não só Moscovo, há muito perceberam o potencial de controlo na Internet.

Mas há outras formas sem ser a censura. O que é crime deve ser tratado como crime, e a defesa face a boatos, falsidades, e insultos deve permitir e facilitar as condenações, mesmo que isso implique diminuir drasticamente o anonimato. O anonimato profundo, protegido, justifica-se nalguns casos, mas não para 90% dos frequentadores das redes sociais. Podem usar pseudónimos, mas o nome deve ser detectável caso haja delitos de opinião e abusos. Mas a principal arma é a educação, desde o jardim-de-infância que as crianças, assim como os adultos, devem conhecer o jogo perigoso em que estão metidos. Não é fácil, porque muito do que acontece nas redes sociais é impulsionado por tendências de fundo da sociedade, mas parece-me bem melhor do que a censura.

3 pensamentos sobre “Os fogos e o tratamento superficial de uma coisa séria

  1. «Eu não sei qual a responsabilidade do Governo, mas terá certamente muita.»
    «No entanto, neste caso, gostaria de saber mais, saber até que ponto um número significativo de casas foram salvas sem os bombeiros e como.»

    Dois casos típicos da maneira característica (de carácter) de Pacheco abordar as questões.
    Numa inicia a análise afirmando que não sabe qual a responsabilidade para de imediato concluir o pensamento com a afirmação algo categórica de que é muita essa responsabilidade. Se desconhece o grau de grandeza de uma quantidade como pode afirmar de imediato que é muita, isto é, que é de grau muito elevado.
    Claro, flores de retórica.

    Noutro caso, este ainda mais frequente em Pacheco, ele confessa que sabe pouco ou nada e de pronto assinala imediatamente que gostava de saber mais e outros dados e pormenores para se pronunciar do seu sentimento e opinião acerca do caso.
    Contudo , entretanto, já se pronunciou pouco clara mas ainda menos escondida e subrepticiamente declarando a sua “sensação de que se estivessem perto de suas casas podiam salvá-las”.
    Ainda neste caso Pacheco parece continuar fazendo o “frete” ao “cm” pela sua pensão de opinador na “Sábado”. O “cm”, que segundo Pacheco é o jornal que procura as notícias que interessam ao povo e lhe são úteis, a certa altura em Monchique mostrou uma família a apagar com uma mangueira doméstica um pequeno monte de pasto seco ajuntado junto de casa à beira da estrada onde não se avistavam quaisquer vestígios de fogo de incêndio nas matas ao redor nem, claro, bombeiros próximo. Quase deu a sensação imediata de uma encenação para a câmara de “reportagem” da “cm”.
    Deve ser imagens como esta que levam Pacheco a imaginar que os moradores equipados de pequenos depósitos de água e uma pequena electrobomba e mangueira de apagar fogareiros podem ser capazes de enfrentar as labaredas gigantescas do fogo incendiário lançado à velocidade do vento. E nem se lembra que tal fogo imparável da mata ou eucaliptal a arder, certamente, quando se aproxima da casa já queimou os cabos de ligação eléctrica à casa e nenhum aparelho eléctrico funciona de apoio à mangueira de regar o jardim.
    Pacheco, ele mesmo, sempre.

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