(Nicolau Santos, in Expresso, 06/05/2017)
Lembram-se quando Mário Centeno e o grupo de economistas que liderava apresentou o seu modelo para a economia portuguesa, ainda antes das eleições de 4 de outubro de 2015? Lembram-se como o atual ministro das Finanças foi zurzido porque o crescimento que propunha assentava, em parte, no consumo privado? Caiu o Carmo e a Trindade: que Portugal só podia crescer através das exportações e do investimento, que qualquer outra solução era um suicídio que só provocaria novos desequilíbrios externos e talvez a necessidade de recorrer a outro pedido de ajuda internacional, que devolver salários e pensões e aliviar a carga fiscal só de forma muito gradual, sob pena de as contas públicas voltarem a entrar em descontrolo. Quanto ao aumento do salário mínimo, reuniu o pleno: FMI, Comissão Europeia, Banco Mundial e muitos economistas nacionais alertaram para os efeitos nocivos que isso teria sob a criação do emprego. Finalmente, a descida do IVA para a restauração era um rematado disparate, que não levaria à criação de mais emprego no sector.
Lembram-se do modelo de Mário Centeno para a economia portuguesa? E leram o que o Banco de Portugal diz sobre 2016? Pois, pode ser que não seja milagre
Pois bem, o Banco de Portugal veio agora analisar o que se passou na economia portuguesa em 2016 e dizer o seguinte: 1) o PIB cresceu assente no consumo privado (+2,3%) e nas exportações (+4,4%) e não no investimento, que diminuiu 0,1%; 2) embora em termos anuais a economia tenha crescido menos do que no ano anterior (1,4% contra 1,6%), as dinâmicas foram completamente diversas: enquanto na segunda metade de 2015 a economia estava a desacelerar, na segunda metade de 2016, o PIB cresceu fortemente, a um ritmo de 1,9%; 3) para o crescimento do consumo privado foi fundamental, como é óbvio, a reposição dos salários na função pública e das reformas e pensões, bem como o desagravamento fiscal, mas isso não se traduziu num aumento do défice, que não só caiu de 3% para 2% em 2016, bem abaixo da meta acordada com Bruxelas (2,5%), como tudo aponta para que a trajetória descendente se vá manter de forma consistente este ano e no próximo; ao mesmo tempo, Portugal registou de novo um dos maiores saldos primários orçamentais da União Europeia;
4) apesar do aumento do salário mínimo, o desemprego manteve uma descida continuada ao longo do ano, fixando-se em 11,1% mas tendo já caído no primeiro trimestre deste ano abaixo da barreira psicológica dos 10%; e a economia criou mais de 80 mil novos empregos (saldo líquido), dos quais um terço na hotelaria e restauração.
Ah, sim, claro, agora o problema já não é o défice mas a dívida. É verdade. A dívida pesa muito e autoalimenta-se e não há excedentes primários que resolvam o problema senão em 50 anos. Por isso, vai ter de haver uma conversa séria sobre isto em Bruxelas após as eleições alemãs. Até lá, talvez conviesse que muita gente voltasse a ler alguns livros de economia. Pode ser que não seja milagre.
Alma até Almeida na CGD
A ocupação por populares da agência bancária da Caixa Geral de Depósitos em Almeida levanta várias questões. A primeira é óbvia: nos últimos anos, devido à rarefação da população no Interior e ao programa de austeridade, a presença do Estado nessas regiões tem-se vindo a reduzir. É o caso do encerramento de tribunais, de balcões dos CTT, de serviços médicos e de agências de bancos. E as pessoas que vivem nessas localidades sentem-se cada vez mais abandonadas e maltratadas pelo poder central. A CGD é o banco público. Por isso, apela-se ao poder político para impedir o fecho da agência em Almeida ou noutras localidades. Mas a CGD tem de ser gerida como se fosse privada e está obrigada a encerrar agências, reduzir trabalhadores e vender posições no estrangeiro porque recebeu uma forte injeção de dinheiros públicos para sobreviver. Paulo Macedo tem nas mãos um dilema sem solução.
Gulbenkian, a fundação que Isabel Mota vai ter inevitavelmente de mudar
Isabel Mota tomou posse como presidente da Fundação Gulbenkian. É uma mudança histórica porque pela primeira vez uma mulher chega ao topo dessa “utopia cultural”, como lhe chamou Eduardo Lourenço. O problema é que a utopia há muito parece ter cedido às realidades comezinhas. Com efeito, olhando para o relatório e contas da Fundação criada pelo multimilionário arménio Calouste Gulbenkian para apoiar as artes, ciência, educação e desenvolvimentpo humano, constata-se que atualmente esta gasta tanto em salários e pensões (€49,2 milhões) como em todos os apoios que concede e o dobro do que canaliza para as suas três principais áreas de intervenção: concertos, cinema e outros espetáculos (10,6 milhões); subsídios (10,3 milhões); e investigação científica (5 milhões). Ora não se espera que uma Fundação exista para suportar a sua estrutura; ou que tenha uma estrutura acima do necessário para as atividades que desenvolve. O curioso é que nos últimos anos o Ballet Gulbenkian foi encerrado pelos seus custos; o festival Acarte terminou pelas mesmas razões; o museu e o Centro de Arte Moderna tornaram-se uma entidade única. Mas pelos vistos a estrutura administrativa engordou e a Fundação não escapa à acusação de ter sido capturada por uma rede de relações familiares e pessoais e de ser uma plataforma de recuo para ex-políticos. É este desafio que Isabel Mota vai ter de enfrentar: reduzir os custos administrativos e focar a Fundação nas suas quatro áreas de atividade, onde a Gulbenkian seja uma referência incontornável a nível nacional e internacional. Para isso, Isabel Mota conta com três vantagens: conhece profundamente a casa; vai exercer o cargo a tempo inteiro; e é mulher. Há quem duvide da sua capacidade para mudar o statu quo. É o que se verá. Para já, começou bem, ao escolher Pedro Norton para administrador-executivo, dando um inequívoco sinal de renovação.
É difícil, sim
conhecer a luz e falhar a sombra.
Tão difícil como beber apenas
uma cerveja e falhar a palavra
apenas
por não gostar de tremoços.
É difícil não termos sido amigas
na adolescência, mas eu nunca tive amigos
adolescentes,
mesmos os que diziam que eram
mentiam: tinham centenas de anos.
É difícil nunca ter ido em grupos,
nunca ter ido às putas, ter ficado
sempre aqui,
aqui assim,
de coração encostado ao verso,
de língua debaixo da linha.
É difícil, sim,
cair no abismo e descobri-lo afinal
sítio confortável. Como é difícil
ler Celan e Pina,
Herberto e Belo,
Szymborska e Clarice,
e acreditar que a fé
se torna intermitente
sempre aqui,
aqui assim,
entre a saliva e os dentes.
É difícil, por isso,
pisar a madeira,
e esperar que a tábua ranja no sítio certo
da memória.
Tão difícil como o próximo copo ser a única esperança.
Menos difícil porém
do que ter sido mãe
órfã de pai, avós e gatos,
órfã rodeada de órfãos
por todos os lados. Água
rodeada de mar por todos os lados.
É difícil cumular factos:
ter sido eu
a ensinar-te a ler aos 50 anos,
ter sido eu
a falhar-te a leitura da morte aos 90 anos,
ter sido eu
a sobreviver-te, sobrevivente aos 30 anos.
Ter sido eu:
tão difícil quanto ser árvore
quando o tempo não está para colheitas.
Tão difícil quanto ter
medo de cães,
alergia a gatos,
e restar:
uma andorinha para caçar.
É difícil. enfim, sonhar
que a cerveja se bebeu
na companhia do poeta.
Como é difícil acreditar que o poeta perdeu
na carruagem os poemas. E os poemas
sempre aqui,
aqui assim,
rentes ao chão. Apenas.
Gostaria — muito, tanto — de.
Gostaria assim — com gestos largos —
assim tanto de: acreditar que
tudo isto tem banda sonora.
Porém:
para fazer uma canção,
tudo isto trespassado pelo som não chega.
Não chega, não.
É difícil, sim.
(Inês Fonseca Santos, in ‘Marcha Fúnebre’, in Antologia Mixtape, Coimbra, Editora Do Lado Esquerdo, 2013)
Pobres chico – espertos,que somos já há mais de noventa anos,devido á actuação repressiva e obscurantista de duas figuras incontornáveis da nossa vida política recente.Salazar e Cavaco…Pelo menos o primeiro salvou-nos do marasmo e degradação palacianas e deixou-nos uma economia viável emborra corrupta e corruptora nos últimos anos da sua vida política.Desde a Figueira da Foz que percebendo oportunísticamente como funcionava a opinião pública se atribuiu uma imagem de seriedade para mais fácilmente devorar,manipular,espoliar e enganar.Com tanta actividade manipuladora ao longo de tantos anos num país com poucos recursos,levou á consequente atitude malabarista dos portugueses para não ficarem sem couro e cabelo.A atitude vinha de cima e foi seguida como lei.Parece que a geringonça com o apoio de alguém afastado da corrupção latente está a quebrar o ciclo.Se durar,seremos promovidos a pessoas.