(Daniel Oliveira in Expresso Diário, 14/03/2017)

Daniel Oliveira
A Turquia está a preparar-se para um referendo constitucional que aumenta os poderes presidenciais. Trata-se de um golpe constitucional para que Erdogan se eternize no poder. Infelizmente, os conservadores de direita do AKP, que representaram, na fase inicial, uma abertura e desmilitarização do regime – para além de terem sido responsáveis por enorme salto económico –, entrou, há alguns anos, na sua fase de degenerescência autoritária.
Tudo isto são considerações sobre a vida interna da Turquia. A Europa em geral e a Holanda em particular têm relações diplomáticas fortes com ditaduras bem mais ferozes do que a turca, onde nem este referendo seria possível. Não será seguramente por causa do referendo que surgem conflitos diplomáticos. Alguns ministros turcos estão a fazer campanha junto da enorme diáspora turca, na Europa. Participaram em comícios na Alemanha (as autoridades alemãs cancelaram os comícios mas não interferiram na presença dos governantes turcos) e em França. É normal e habitual políticos de um país participarem em encontros com os eleitores na diáspora. Lembram-se que Catarina Martins foi a Paris participar num encontro político com imigrantes, durante uma campanha?
O comportamento irresponsável do governo holandês, que impediu o chefe da diplomacia turca de entrar no seu território para fazer campanha junto dos seus compatriotas, nada tem a ver com a defesa da democracia na Turquia ou razões de segurança.
Só que a Holanda está, também ela, em campanha. O governo, constituído por partidos do centro político em fortíssima perda nas sondagens perante o crescimento da extrema-direita, achou excelente barrar a entrada no país do ministro dos Negócios Estrangeiros turco, com quem a Holanda e a União Europeia mantêm estreitas relações diplomáticas e comerciais. As razões apresentadas foram de segurança. Claro que as coisas entraram numa espiral de confrontação, com a embaixada holandesa em Ancara a ser encerrada pelas autoridades turcas, também por razões de segurança. Logo depois, a ministra dos Assuntos Familiares da Turquia foi impedida de entrar no consulado do seu país, em Roterdão.
O comportamento irresponsável do governo holandês, que, em contraste com França e a Alemanha, impediu o chefe da diplomacia turca de entrar no seu território para fazer campanha junto dos seus compatriotas, nada tem a ver com a defesa da democracia na Turquia ou razões de segurança.
Um governo de liberais e trabalhistas adeptos da terceira via, dominado por uma política de austeridade e de desmantelamento de direitos sociais, prepara-se para uma brutal derrota nas urnas. A extrema-direita, aproveitando o descontentamento popular, terá na Holanda aquela que pode ser apenas a primeira vitória na Europa. E os partidos do centro fazem o que têm feito: em vez de mudarem de rumo na política económica e social, aproximam-se dos extremistas na sua agenda extremista. Antes xenófobo do que social-democrata.
Como acontece sempre que os supostos moderados procuram, em desespero, responder à extrema-direita através do mimetismo dos seus impulsos racistas, o tiro vai-lhes sair pela culatra. A busca insensata e injustificada de um conflito imprevisível com a Turquia, que é nocivo para toda a Europa, não lhes dará a vitória nas eleições. Apenas cria uma espiral de ódio que ajuda um pouco mais o senhor Wilders.
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