Inocência por incompetência?

(Francisco Louçã, in Público, 14/03/2017)

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Tinha mesmo que vir: o argumento da inocência por incompetência era o que sobrava aos anteriores ministros PSD-CDS quando confrontados com o Nunciogate. Maria Luís Albuquerque anda fugida dos microfones, o que nem é hábito dela, mas Assunção Cristas enterrou-a sem piedade, quando perguntada sobre se ainda concorda com a resolução do BES tal como ocorreu:

“É uma pergunta difícil, porque, mais uma vez, volto a este ponto, nós não discutimos os cenários possíveis no Conselho de Ministros. Aliás, a resolução do BES foi tomada pelo BdP e depois teve de ter um diploma aprovado pelo Conselho de Ministros. É aí que critico um bocadinho esta coisa de não termos nada que ver, o Conselho de Ministros não tem nada que ver, mas no fim da história é ele que tem de aprovar o decreto-lei. Esse decreto-lei foi aprovado com uma possibilidade regimental que era à distância, electrónica. Eu estava no início de férias e recebi um telefonema da ministra das Finanças a dizer: ‘Assunção, por favor vai ao teu email e dá o OK, porque isto é muito urgente, o BdP tomou esta decisão e temos de aprovar um decreto-lei.’ Como pode imaginar, de férias e à distância e sem conhecer os dossiers, a única coisa que podemos fazer é confiar e dizer: ‘Sim senhora, somos solidários, isso é para fazer, damos o OK.’ Mas não houve discussão nem pensámos em alternativas possíveis — isto é o melhor ou não —, houve confiança no BdP, que tomou uma determinada decisão.”

Assunção Cristas “critica um bocadinho esta coisa de não termos nada que ver” e depois se aprovar um decreto-lei, mas “a única coisa que podemos fazer é confiar” sobretudo se estamos em férias e “sem conhecer os dossiers”. Claro que “não houve discussão nem pensámos em alternativas possíveis”. É delicioso, é uma forma de governar que tem uma leveza que é toda CDS, “sim senhora, somos solidários, isso é para fazer, damos o OK”.

A teoria é então esta: nunca se discutiu em Conselho de Ministros nada sobre a banca, Passos Coelho entendia que isso era só com o governador do Banco de Portugal, que tinha reempossado. “Não me recordo de todos os detalhes, mas posso dizer-lhe isto garantidamente: nunca os temas da banca foram discutidos em profundidade em Conselho de Ministros”, acrescenta a líder do CDS. Em “profundidade” nem pensar. E explica: “Fazia parte da visão do primeiro-ministro. O primeiro-ministro sempre teve uma visão que é esta: a banca e o pilar financeiro do resgate eram tratados pelo Banco de Portugal (BdP), que tinha as funções de supervisor independente, e o Governo não deveria meter-se nessas questões. Esta foi sempre a visão do primeiro-ministro.” Conclusão final: “Portanto, o Conselho de Ministros nunca foi envolvido nas questões da banca” e “discussão em profundidade do problema do BES, das soluções, das alternativas, das hipóteses, isso nunca aconteceu.” Nunca, nunca, repete. Recapitalização da CGD? Nunca. Outros bancos? Nem pensar. A ministra das finanças era um túmulo. O coitado do Núncio só teve que fazer o contrário do que sempre defendera, aumentar os impostos, o que lhe foi “muito doloroso”. De banca, nada, nunca.

O argumento da inocência por incompetência tem no entanto um risco e quero avisar disso a ex-ministra. É que por vezes, pelo menos algumas vezes, as pessoas não gostam de ser tomadas por parvas. Houve então um Conselho de Ministros de um país que estava controlado pela troika, que tinha um programa para a recapitalização dos bancos com 12 mil milhões, e que só usou cerca de metade. Mas todos os grandes bancos estavam sem capital, ou seja, estariam falidos se não houvesse essa nacionalização indirecta e provisória. Em quase todos os bancos multiplicava-se evidência de jogos especulativos e movimentos suspeitos em offshores. Os prejuízos do BPN e do BPP acumulavam-se nas contas públicas. Mas o governo não registava ou não queria saber de movimentos internacionais de capitais e um dos maiores bancos estava em colapso – mas “discussão em profundidade do problema do BES, das soluções, das alternativas, das hipóteses, isso nunca aconteceu,” por que haveria de “acontecer”?

O facto é que o governo PSD-CDS, sabendo o que fazia, escolheu para Secretário de Estado um advogado especialista em transferências para offshores e deu posse a um governador do Banco de Portugal que lhe adiou a resolução do BES até depois da “saída limpa”, mesmo com o risco de permitir as fraudes de um aumento de capitais e de venda de produtos do Grupo aos depositantes.

Sabemos agora que, por milagre, isto sim é um milagre, as transferências que não foram inspeccionadas pelas finanças eram quase todas do BES no ano da sua falência, quase todas para o Panamá e para o Dubai, e que muitas eram da empresa para a qual Núncio trabalhara, tudo uma coincidência cósmica. Mas não, o governo ter uma “discussão em profundidade do problema do BES, das soluções, das alternativas, das hipóteses” isso nunca, nem pensar, cruzes canhoto. Eram só 80 mil milhões de euros de depósitos, que sentido teria discutir o “problema”?

Pois, o governo está inocente por ter sido incompetente. Não queria saber, não queria resolver. Hoje Assunção “critica um bocadinho esta coisa de não termos nada que ver”, mas “a única coisa que podemos fazer é confiar”. E digam-me lá os leitores se não é de “dar o ok”?

11 pensamentos sobre “Inocência por incompetência?

  1. De descrédito em descrédito até ao desnorte final… Como é que este país chegou a estar governado por criançolas caprichosas, embirrentas e malcriadas?… Não deixa de ser significativo… Tristezas… Esperemos para ver o que faz o Prof. Louçã reconvertido em «banqueiro central»…

  2. “É delicioso, é uma forma de governar que tem uma leveza que é toda CDS, “sim senhora, somos solidários, isso é para fazer, damos o OK”.”

    Com tal comentário do Dr. Rabaça I poderíamos fazer o trocadilho seguinte e batia tudo certo exaxctissimamente. Assim:
    É delicioso, é uma forma de votar que tem uma leveza que é toda Bloco, “sim senhores, somos solidários, isso é para fazer, damos o OK.
    Podemos ainda acrescentar o fundamento da “leveza” deste Rabaça I que foi: «sim senhores se isso é para derrubar o PM, o princípio da resolução de todos os problemas do país, isso é para fazer e damos o OK,»

    Esta é a história da maior e mais pesada “leveza” que houve no Portugal recente.

      • Pois é. E lá vamos cantando e rindo, levados, levados sim…ó amigo Estátua!…
        Mas até quando?….
        Pelas últimas notícias, com a estória dos putos da “portagalidade” mais o ilustre chefe que gira sob a sigla de “galo bebé”, até a Associação 25 de Abril abre as portas aos que, se um dia voltarem ao poder – e quem não sabe que o afolfo foi eleito, o trump acabou de ser, na Europa já voltaram os muros, a le pen está muito bem colocada, etc. – até as da Associação mandam encerrar e abrirão Peniche, Caxias …
        Deixem poisá-los enquanto riem e cantam, que o Brest também não se importou porque não era anarquista, nem sindicalista, nem outros “istas”, mas também foi dentro!…
        Aquele abraço.

  3. OS PORTUGUESES NÃO MERECIAM TAMANHA SACANISSE. Depois de ler a narrativa do prof. Francisco Lousã, apenas e tão só. reforço a ideia que já tinha formada sobre este imbróglio. O PSD, embora queira lavar as mãos como pilatos, é corresponsável , não está inocente , é responsável. ,iisto foi pensado e arquitetado para produzir os resultados que todos sabemos. Primeiro escolher e posicionar o homem certo no lugar certo, para preparar a tramóia. Depois , foi necessário que o centralismo ” democrático ” do partido funcionesse no sentido a inocentar. Sabendo-se como se sabe da capital importância da banca para Portugal e, se de facto o PSD fosse um partido responsável este era um dos assuntos que deveria ser discutido até á exaustão por forma a encontrar a. Melhor saída ,a bem de Portugal , dos Portugueses. Tudo parece ter sido intencionalmente bem trabalhado ,para depois ser tratado com ligeireza leviandade como convinha. EM SUMA OS PORTUGUESES NÃO MERECIAM , mais uma, TAMANHA SACANISSE.

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