(Sandro Mendonça, in Expresso Diário, 02/02/2017)

Sandro Mendonça
São dias de algum sobressalto quando o Galo, o símbolo do ano novo chinês, se empoleira. As tradições chinesas têm sempre interessantes ensinamentos. A própria Bloomberg alerta: algo que implica o maior movimento simultâneo e localizado da humanidade, três mil milhões de pessoas, merece atenção. Para perceber um pouco mais vale pena: ouvir o que acaba de dizer o perito em interculturalidade Fernando Sales Lopes numa entrevista à TdM – Teledifusão de Macau e olhar para a Revista Macau que escolheu este tema para capa (note-se que tem o valor adicional da entrevista de Fernanda Ilhéu, Professora do ISEG, sobre o que acontece à globalização quando os EUA se fecham e a China se abre).
1. DOUTRINA ECONÓMICA DA PRESIDÊNCIA TRUMP
De facto outro galo canta quando alguém aponta para a Alemanha e diz: o euro é um “marco alemão implícito”, parem com a desvalorização. Por acaso até é injusto: os capitães da indústria alemães são os únicos que alguma vez vi a desejar uma moeda mais forte (com receio do excesso de sucesso) e as autoridades monetárias alemãs têm continuamente feito oposição à política expansionista do BCE (entre outras coisas, para manter os incentivos à poupança interna). É injusto mas os fins justificam os meios, e estamos a falar de Real Politik aplicada à economia internacional. Como explica Pedro Pratas no Jornal Económico, o sistema monetário europeu subjugou uma economia como a portuguesa ao estatuto de uma colónia económica; mas agora que os EUA acenam com o uso dessa grande arma que é o dólar é Alemanha que cabe desta vez receber um sinal de aviso. Duas coisas se percebem, não só em Washington se ignora ostensivamente a “União Europeia” como o bombo da festa são as relações económicas Atlânticas. No entanto, uma valorização do euro, ou qualquer coisa que faça aumentar as taxas de juro na zona euro, é um risco gigante para uma pequena economia como a portuguesa. A economia portuguesa continua por fio, e esse fio está ligado ao dedo de Mario Draghi.
2. A ECONOMIA PORTUGUESA E AS BOAS NOTÍCIAS COM MÁS DENTRO
Nesta aparentemente bipolaridade que é a vida económica portuguesa muitos consumidores já embandeiram em arco. INE mostrou que em 2016 houve picos de deslocações turísticas ao estrangeiro. Isto, em combinação com a agitação do mercado imobiliário e a febre de aquisição de carros, mostra bem como uma recuperação de ciclo económico traz consigo as sementes da sua própria reversão. A auto-confiança do consumidor português bate recordes, mas como vimos no ponto acima há razões para manter a cabeça fria. A memória curta e as vistas, infelizmente, também. Um consumidor que dá sinais de não planear nem de suavizar o seu ciclo de consumo é uma garantia da instabilidade. Quanto às expectativas negativas já se virou a página, sim senhor. Mas é preciso ultrapassar este malfadado padrão consumo desequilibrado e que sai a cantar de galo ao mínimo alívio. Vai começando a ser altura de dar um sinal claro que nem sempre consumir mais é melhor. É que as coisas não estão tão bem assim…. Mesmo no índice de produção industrial que acelerou substancialmente nos últimos tempos não é difícil descortinar problemas: entre as empresas portuguesas as componentes que menos melhoram, ou as que efectivamente pioram, são as relacionadas com investimento e com a aquisição de matérias, ou seja, indicadores de re-apetrechamento produtivo e as variáveis mais preditoras da sustentabilidade de uma retoma.
3. OCIOSIDADE, RÉDEA SOLTA, BANCA ARDENTE
– João Salgueiro diz que o melhor seria mesmo nacionalizar o Novo Banco. Mas diz que “o problema é que a experiência que temos com bancos nacionalizados não tem sido boa.” Desculpe, … e a experiência com a gestão privada tem sido boa?!
– Ana Botin, a mão que segura o Santander, elogia a gestão macroeconómica do governo português. Na inauguração das novas instalações do banco um autêntico desfile de personalidades associadas à decadência do capitalismo-zinho lusitano, que belo contraste.
– Por falar em bancos, já cá faltava o Banco. Não só temos um regulador que não regula como temos um dos Bancos Centrais mais inflacionado em termos de número e de custo dos seus funcionários. E que anda a maior parte deles a fazer? Uns andam a circular entre o Banco e a banca: veja-se o caso do director de supervisão que foi recrutado à banca, pouco aqueceu o lugar, e agora tudo indica que vai voltar de novo à banca.
Também é instrutivo perceber o que faz o resto dos funcionários, os quais aparentemente andam com demasiado tempo nas mãos e (pasme-se) cada vez empregam mais tempo em puro trabalho académico sem QUALQUER relação com as funções do Banco: aqui se revela como há disponibilidade para tudo, até para se andarem a entreter aos argumentos contra a tributação da riqueza (!).
– já agora … A Associação Batoto Yetu Portugal, que desenvolve trabalho real, com jovens e crianças desfavorecidos mas interessados em cultura africana, também irá inaugurar instalações! Mas contrário de outras entidades que nadam em dinheiro enquanto deixam o país afundar aqui passa-se algo de diferente: está em marcha um movimento de apoio completamente voluntário, eis o link para a campanha de crowdfunding. Também contrariamente a outros casos (vem à ideia a banca portuguesa, porque será?!), o retorno positivo é mesmo garantido.