(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 26/12/2016)
Cerca de um ano depois do Governo ter entrado em funções e de o Presidente da República ter sido eleito, o facto mais marcante do ponto de vista político em 2016 foi a cooperação, chame-se estratégica ou não, de Marcelo Rebelo de Sousa com António Costa. Acontece seguramente por serem quem são, por estarem há muitos anos na política, mas acontece também por um conjunto de circunstâncias únicas do xadrez político nacional.
Há dois eventos relevantes para perceber como se chegou até aqui. O primeiro é o facto do PSD ter ganho as eleições de 4 de outubro de 2015 sem maioria absoluta, mesmo juntando-se ao CDS, e o Partido Socialista, ao contrário do quadro mental que estava criado, não ter dado o seu suporte, através de abstenções nos diplomas mais importantes (nomeadamente os Orçamentos do Estado) a uma solução governativa que daí resultasse. Pelo contrário, António Costa não só chumbou um novo Governo PSD/CDS, como apresentou ao então Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, uma solução governativa que dispunha de apoio maioritário na Assembleia da República. E mesmo a contragosto, Cavaco teve de aceitar.
Imaginemos, por um minuto, que não tinha havido eleições antecipadas para a liderança do PS e que António José Seguro continuava a ser o líder dos socialistas aquando das eleições de 4 de outubro. Como é óbvio, se o resultado das eleições tivesse sido o mesmo (PSD vencedor mas sem conseguir maioria absoluta no Parlamento com o CDS), Seguro nunca tiraria da cartola um Governo do PS, apoiado pelo Bloco e pelo PCP.
Segundo facto relevante: quando começou a escolha dos candidatos à Presidência por parte do PSD, o líder dos sociais-democratas, Pedro Passos Coelho, não deu sinais claros de quem preferia, mas deu sinais muito explícitos de quem excluía: uma pessoa que fosse um cata-vento, dizendo hoje uma coisa nas televisões e amanhã outra. O chapéu enfiava direitinho na cabeça de Marcelo Rebelo de Sousa e este seguramente que não se esqueceu, nem do chapéu, nem de quem o desenhou.
Por isso fez uma campanha a sós, contando apenas consigo e com um staff muito reduzido, apostou no contacto direto com os eleitores e acreditou que a sua popularidade televisiva faria o resto. E assim foi. Marcelo ganhou folgadamente, sem dever nada a ninguém, sem estar refém de ninguém, e muito menos e sobretudo do PSD e do seu líder, Pedro Passos Coelho.
É por isso que este empenho do Presidente da República em colocar a mão por baixo do Governo, em apostar numa solução para a legislatura, em chamar a atenção para os bons indicadores económicos sempre que aparecem alguns negativos, em responder a algumas farpas de Passos Coelho, só pode querer dizer uma coisa: que Marcelo e Costa têm a mesma luta, derrubar o líder do PSD e substituí-lo por outra pessoa.
Mas Marcelo, que sempre foi uma pessoa com enorme instinto político, não quer que isso aconteça antes das eleições autárquicas. Ele sabe muito bem que Passos é um osso duro de roer e que não é líquido que neste momento ele perca umas eleições para a liderança do seu partido. Contudo, após as eleições autárquicas, em que o PSD tem mostrado enorme dificuldade em apresentar candidatos próprios às principais cidades do pais (Lisboa e Porto), em que a sua estratégia está a ser confusa e desalentadora para os seus militantes e em que as sondagens dão uma crescente divergência entre PS e PSD, com os socialistas a aproximarem-se da maioria absoluta, aí sim, Marcelo acredita que nessa altura ou o próprio Passos se demite ou será facilmente derrubado num congresso – porque o PSD é um partido do poder e a última coisa que os seus militantes querem é passar oito anos na oposição.
Resumindo, no almoço de dia 29 em Belém, Marcelo vai pedir a Passos para não se demitir da liderança do PSD. Passos concordará, porque está convencido que vai conseguir voltar a ser primeiro-ministro, até porque se sente profundamente injustiçado com o facto de um partido que não ganhou as eleições ter formado Governo. Costa dificilmente deixará de ser primeiro-ministro até ao fim da legislatura, a não ser que haja um cataclismo económico a nível europeu.. E até pode ser que Rui Rio, com quem Costa se dá muito bem, substitua Passos e ascenda à liderança do PSD, o que possibilitaria outro tipo futuro de acordos governativos. Resta saber se o PSD perde mesmo de forma dramática as eleições autárquicas e se Passos se demitirá, se tal acontecer. E em política, como no futebol, o que hoje é verdade, amanhã pode não ser.