A tal década perdida

(Daniel Oliveira, in Expresso, 10/12/2016)

Autor

                                  Daniel Oliveira

A tese era esta: o “facilitismo” estava a destruir a escola portuguesa. Em 1974, Portugal tinha taxas de escolarização abaixo de 30% no 2º e 3º ciclos e de 10% no ensino secundário e pré-escolar. Nas décadas seguintes chegou aos 80% nos 2º e 3º ciclos e no pré-escolar e aos 70% no secundário. Fora vencida a batalha da democratização do ensino.

Mas desde o início do século XXI que se estava a perder a batalha da qualidade e as principais vítimas da falta de exigência eram os mais pobres, que não podiam fugir para o privado. Foi com este discurso, nas televisões, nos jornais e até em livro, que Nuno Crato fez nome e chegou a ministro. Só que os números desmentem a tese. Mais uma vez, o último relatório do PISA confirma 15 anos de convergência com o resto da Europa, em que passámos dos últimos lugares da OCDE, em 2000, para classificações acima da média, em 2015. O relatório avalia o conhecimento em matemática, ciência e leitura, que depende do trabalho que tenha sido feito com cada aluno do pré-escolar até aos 15 anos de idade. E olhando para o ciclo longo, o único que conta numa área onde tudo demora a ter efeitos, concluímos o mesmo que o comissário europeu da Educação: “Portugal é o único país da UE que tem melhorado de forma continuada o seu desempenho em PISA desde 2000.”

Apesar de nunca ter ligado pevide aos resultados do PISA, Nuno Crato atribuiu a evolução positiva mais recente a dois fatores que foram de sua responsabilidade: “Novos e ambiciosos objetivos curriculares — as metas curriculares — e novas avaliações — as provas finais nos 4º e 6º anos de escolaridade.” Só que as novas metas curriculares entraram em vigor entre os anos letivos de 2013/14 e 2014/15. Mesmo admitindo um efeito relâmpago, apenas teriam afetado menos de um terço da amostra do PISA 2015. Quanto aos exames, o delírio é um pouco mais preocupante. Num percurso normal, os alunos que integraram a amostra da OCDE completaram o 4º ano em 2008 e o 6º em 2010. Cinco e dois anos antes de serem criados os respetivos exames. Crato está a atribuir aos seus exames a capacidade de melhorar os conhecimentos de quem nunca os fez. Em toda a UE, apenas a Bélgica francófona realiza, até ao 6º ano, exames com peso na avaliação. Nos últimos 15 anos, enquanto Portugal subia no PISA, a Bélgica caía. Talvez não seja o melhor modelo a seguir.

O discurso do “facilitismo” não é, no entanto, totalmente desprovido de razão. Tem é o sentido exatamente inverso ao que lhe costuma ser dado. Em Portugal, 23% dos alunos tinham chumbado pelo menos uma vez até ao 6º ano (números da OCDE de 2012). A média europeia é de 7%. Os nossos valores são ainda mais altos depois do 6º ano: cerca de um terço dos alunos repetiram pelo menos um ano. E, apesar do abandono escolar ter diminuído no tempo do anterior Governo (o que é bom), a retenção de alunos voltou a agravar-se. Não fossem tantas as retenções e estaríamos entre os primeiros da OCDE, diz quem fez as contas com os parâmetros do PISA. Porque falo de facilitismo? Porque apostar numa avaliação contínua que detete o aluno que está a ficar para trás e ter um plano de recuperação para ele é muitíssimo mais difícil e exigente do que chumbar quem não acompanhou a matéria. É esta exigência que nos falta.

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