O favor que Schauble nos fez

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 28/10/2016)

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As declarações do ministro alemão das Finanças, garantindo que “Portugal vinha tendo muito sucesso até à chegada de um novo Governo” tornaram finalmente claro para os mais distraídos que o que está em causa para Berlim e para a sua correia de transmissão, o presidente do Eurogrupo, não é a evolução das contas públicas mas sim a orientação político-económico do Governo PS, apoiado pelo Bloco e pelo PCP. É isto que Wolfgang Schauble e Jeroen Dijsselbloem não suportam. As suas absolutas certezas de que não havia alternativa à política seguida, de cortes de salários e pensões e de emagrecimento drástico do Estado social, sem o qual o défice não diminuiria, estão a ser desafiadas publicamente. E a redução do défice para os valores mais baixos de sempre em 42 anos de democracia por um Governo de centro esquerda é insuportável para os dois (embora Dijsselbloem seja supostamente do PS holandês…).

É isto que está em causa: uma questão política e não económica. Schauble não gosta de socialistas, mesmo que moderados, e menos ainda de bloquistas ou comunistas. Por isso, há que deitar abaixo um Governo com estas características. E Schauble sabe que cada vez que diz que está preocupado com um possível segundo resgate a Portugal, as taxas de juro da dívida portuguesa nos mercados secundários sobem e a profecia fica mais perto de se cumprir.

Ora o ministro alemão tem feito isto de forma repetida, sem que ninguém lhe ponha travão nem freio na língua, apesar de em casa ter uma bomba-relógio muito mais perigosa para a estabilidade europeia do que Portugal, o Deutsche Bank. Mas não só ele. Esta semana tivemos outro alemão proeminente, Otmar Issing, ex-economista-chefe do BCE, a afinar quase ipsis verbis pelo mesmo diapasão: “Portugal é um caso que demonstra que todos os problemas [da zona euro] não são problemas da política monetária e de ganhar algum tempo. Portugal não só tem desperdiçado tempo, no que diz respeito a fazer as reformas necessárias, mas também, desde que o novo governo tomou posse, tem ido na direção errada. Agora pagam o preço dessas políticas, que vão em sentido contrário em relação àquilo de que Portugal precisa para manter o país alinhado com a estabilidade da zona euro”, disse Issing à Bloomberg.

E quais são os factos em que Schauble e Issing fazem assentar as suas afirmações? Quando a Comissão Europeia vem reconhecer que o Orçamento do Estado português para 2017 “parece cumprir os critérios”; quando das sete cartas que Bruxelas enviou a Estados membros a pedir esclarecimentos, os dois mais suaves foram para a Bélgica e Portugal; quando este ano Portugal vai sair do Procedimento por Défice Excessivo, porque ninguém coloca em causa que o défice fique nos 2,5%; quando este valor é o mais baixo em 42 anos de democracia; quando ninguém coloca em causa o cenário macroeconómico do OE português para o próximo ano; quando o crescimento volta a assentar nas exportações e no investimento – em que se baseiam Schauble e Issing para dizerem publicamente o que dizem e a desfaçatez com que o fazem?

Era bom que a Comissão Europeia se demarcasse destas afirmações. Era bom que Bruxelas tivesse a coragem de valorizar o que deve ser valorizado, mesmo que não aprecie a receita que está a ser aplicada, mas que aparentemente está a conseguir os resultados que a Comissão desejava. E sobretudo era bom, que ficasse claro para toda a gente que Schauble e Issing não gostam é da cor do Governo português. E detestam-no tanto que nem sequer falam sobre o que importa: os resultados na frente orçamental que estão a ser alcançados.

2 pensamentos sobre “O favor que Schauble nos fez

  1. Finalmente, alguém em Portugal, lhes faz frente e não se acobarda no detestável colo ditatorial dos profetas da desgraça. Ainda existem bons portugueses, de espinha direita, honra e dignidade. Dos outros… nem que se fale deles merecem!

  2. Onde está a novidade! Com este tipo de comentários quem ganha são os bancos que depois nos “compram” dívida soberana; e o Deutsche Bank é um desses colossos.

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