Nem quente nem frio

(José Pacheco Pereira, in Revista Sábado, 12/02/2016)

Autor

                 Pacheco Pereira

É como o País está, nem quente nem frio. Marcelo é Presidente, Costa, Primeiro-ministro, o orçamento passou o exame de Bruxelas, Passos Coelho é agora “social-democrata”, Portas faz pela enésima vez o número da retirada, os portugueses estão cansados da política dos últimos meses, não existe nenhuma esperança particular de que as coisas melhorem, mas também há menos desespero.

É como se estivéssemos num interregno, num intervalo, numa suspensão. Toda a gente sabe que tudo vai recomeçar, mas não sabem para que lado, não querem os de “antes” nem pintados, mas também não têm esperança particular nos de “agora”. Suspeita-se que lá fora as coisas vão correr mal e acabarão por chegar cá dentro. Quem lhes abrirá a porta? Acho que sei.

A arder
Só nas chamadas redes sociais tudo arde de fúria e indignação. Os insultos chovem, a raiva dos que perderam com Costa e Marcelo – e muitos são os mesmos – manifesta-se numa série de comentários de má fé e fanatismo ideológico, numa fúria de impropérios e ataques ad hominem. São, na sua esmagadora maioria, gente dos blogues de direita radical, ligados ao PSD de Passos, e ao CDS, e que nunca lhes passou pela cabeça irem tão violentamente bater contra o muro do fim do “arco de governabilidade”. Os mais radicais estão órfãos de Portas e nem sequer têm Nuno Melo para os liderar, os que viraram “singapurianos” e “liberais” no PSD têm agora que engolir Passos “social-democrata”.

No Twitter político, nos blogues políticos, nos Facebook dos mesmos do Twitter e dos blogues, nos comentários e citações recíprocos, cem pessoas no máximo alimentam uma discussão política que nem merece esse nome de tão pobre que é. Qualquer estudante dos media com um mínimo conhecimento do “meio” político das redes faz um elenco desses cem nomes sem muito trabalho. Desdobram-se em nomes e falsos nomes, assinam comentários com identidades falsas, e tentam gerar um efeito de opinião pelo número e pelo facilitismo com que os jornalistas os lêem, conscientes ou não de que é um universo fechado e circular, uma duplicação para pior do “jotismo” partidário.

Há uma enorme tristeza e infelicidade em se existir apenas neste “meio” menor, mas as coisas são o que são, a qualidade não dá para mais.

Na ecologia política portuguesa são tóxicos, mas são um espelho do pior da política partidária, com que comunicam muito mais do que parece ou do que desejam mostrar.

Passos “social-democrata”
Serei o último a ser surpreendido pela versão actual do Passos “social-democrata”. Nos últimos anos, na Quadratura do Círculo, muitas vezes um ponto de discordância entre mim e António Costa era a classificação ideológica de Passos Coelho. Costa insistia sempre que Passos era um “neo-liberal”, a que acrescentava que “não escondeu isso nunca”, e eu tinha muitas reticências com essa classificação, que era um upgrade ideológico de um político essencialmente pragmático, num sentido político não pejorativo, “oportunista”.

Eu já tinha conhecido várias encarnações ideológicas de Passos, em função do seu posicionamento no interior e no exterior do PSD. Posso admitir que no exercício da sua função de primeiro-ministro, tenha interiorizado com mais profundidade a ideologia da troika, com quem se sentia muito à vontade, e cujos “arredores” em termos de ideias sobre o homem, a sociedade e a economia, incorporou com grande à-vontade no seu discurso. E se há coisa que não foi nestes últimos anos foi social-democrata; foi, antes, em muitas declarações e posições, anti-social-democrata. E mais, essas declarações nunca a troika lhe pediu para fazer.

Isto torna politicamente absurda mais esta viragem, mas ela é coerente com o seu lado “oportunista”. Ele e parte dos seus – não todos, porque alguns são mesmo anti-sociais-democratas – fazem política pelos jornais e pela comunicação social e, como hoje, estão todos os dias a ler que o PSD perdeu o “centro” e se “radicalizou à direita”, coisa que não admitiam há dias, toca de virarem sociais-democratas.

Claro que um Passos social-democrata sem aspas a primeira coisa que faria era criticar duramente o Passos dos últimos quatro anos, e isso parece-me muito pouco provável. Por isso vamos ter outra reviravolta política só de nome, sem substância nem qualidade.

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