O modelo dos call centers

(Nicolau Santos, in Expresso, 02/10/2015)

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Ganhe quem ganhar as eleições deste fim de semana, a 5 de outubro temos de começar a discutir que modelo económico queremos para Portugal. É que não basta dizer em discursos que o modelo assente em baixos salários está esgotado. O que assistimos nestes quatro anos foi precisamente ao regresso em força do modelo económico assente nos baixos salários, na precariedade, no recurso extensivo a contratados a recibos verdes, na fragilização dos vínculos laborais, no enfraquecimento da contratação coletiva, na facilitação e na diminuição das indemnizações por despedimento.

São sinais mais que evidentes que, na área laboral, retrocedemos mais de duas décadas nos últimos quatro anos e que os direitos dos trabalhadores foram devastados.

Dir-se-á: mas a economia está a recuperar e a criar postos de trabalho. É verdade, embora hoje o número de empregos que existem em Portugal (4499,5 mil em 2014) seja inferior em mais de 600 mil aos que existiam no início da crise (5116,6 em 2008). Mas a grande pergunta é: que tipo de trabalho está a ser criado? E a realidade é esta: em Portugal, cerca de 40 mil pessoas trabalham em call centers, com o sector a assegurar quase 1% do emprego (0,9%) no país, segundo um estudo da Informa D&B. E se em maio foram anunciadas novas operações em Vieira do Minho e Matosinhos, estão já anunciados novos investimentos para a Guarda ou Castelo Branco, e, segundo a AICEP, há investidores norte-americanos, alemães, franceses, sauditas, suecos e suíços a estudar a possibilidade de transferirem para Portugal centros de serviços. Além disso, embora Porto e Lisboa continuem a ser as regiões mais atrativas para este tipo de investimentos, há uma procura crescente por outras regiões, como Braga, Aveiro, Évora e Fundão.

Ora, quanto ganham as pessoas que trabalham em call centers? Pois, o valor médio de remuneração ronda os €730 brutos, um número que pode subir para os €1200 na área da assistência em viagem, ou diminuir para os €571 nas telecomunicações. Dirá o leitor: mas o sector só dá emprego a 1% da população ativa. E os outros 99%? Pois, os notícias não são animadoras. É que 50% da população empregada recebe menos de €8000/ano, o que as exclui aliás de pagar IRS, porque não atingem um rendimento suficiente para isso e as coloca a todas, do ponto de vista de rendimentos, como se trabalhassem em call centers.

Não basta dizer que o modelo assente em baixos salários está esgotado. Nestes quatro anos assistimos ao regresso em força desse modelo

Os números do Inquérito ao Emprego do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que, em 2014, o salário médio líquido em Portugal rondava os €813. Mas quando se olha para os diferentes escalões de rendimento, 34% dos portugueses recebem menos de €600 limpos por mês e 61% não ultrapassam os €900. Apenas 39% ganham mais do que isso.

Os baixos salários pagos na economia portuguesa revelam outra coisa: que os produtos made in Portugal não são, na generalidade, competitivos internacionalmente e incorporam pouco valor acrescentado. O desafio é pois aumentar a produtividade, o crescimento e a competitividade, mas não através dos baixos salários. Infelizmente, foi isso que aconteceu nos últimos quatro anos. E ou mudamos de paradigma ou o nosso modelo económico vai permanecer neste limbo durante muitas décadas.


A empresária que dita as regras

O mercado angolano tem constituído nos últimos anos uma irresistível atração para empresas, investidores e técnicos portugueses — e um manancial de ensinamentos. Que o diga Pedro Teixeira Duarte, que foi obrigado a vender a cimenteira que detinha naquele país a um consórcio constituído por Américo Amorim e pela empresária angolana Isabel dos Santos. Que o diga António Pires de Lima que, enquanto CEO da Unicer, tentou construir uma fábrica para ali produzir cerveja, mas escolheu o parceiro local errado — e a fábrica nunca saiu do papel. E que o diga agora Paulo Azevedo, que se associou a Isabel dos Santos para desenvolver uma rede dos hipermercados Continente no mercado angolano, mandou para lá dois quadros de topo e em fevereiro soube que foram contratados por… Isabel dos Santos para desenvolver o seu próprio projeto. Esta semana foi o anúncio de que vai avançar a rede de hipermercados Candando, detida a 100% pela empresária angolana. Entretanto, a Sonae foi ‘candando’ de Angola. Razão tinha Belmiro de Azevedo em não querer apostar em Angola por causa das três regras que lá vigoram: quero, posso e mando.


A VW e a Alemanha

O escândalo do software implantado em carros a diesel da Volkswagen para enganar propositadamente as autoridades e os clientes da marca vai provocar uma revolução no sector automóvel, até porque se adensam as suspeitas de que o recurso ao expediente foi utilizado por outras marcas. O rombo causado na confiança dos consumidores em todo o mundo é de tal ordem que este processo vai acelerar de forma violenta a produção em massa de carros elétricos, com a inerente necessidade de descobrir novos processos e técnicas inovadoras que os possam potenciar. Mas além disso este processo fez a alegada superioridade da ética alemã descer à terra de modo violento. Afinal, na grande Alemanha, onde se pensa que nos países da periferia domina a falta de regras, há quem utilize golpes baixos (mesmo que tecnológicos) para lutar contra a concorrência. Quando o sr. Schäuble nos falar sobre as nossas falhas vamos lembrar-lhe as do seu país.


Uma pequenina luz bruxuleante

não na distância brilhando no extremo da estrada

aqui no meio de nós e a multidão em volta

une toute petite lumière

just a little light

una picolla… em todas as línguas do mundo

uma pequena luz bruxuleante

brilhando incerta mas brilhando

aqui no meio de nós

entre o bafo quente da multidão

a ventania dos cerros e a brisa dos mares

e o sopro azedo dos que a não vêem

só a adivinham e raivosamente assopram.

Uma pequena luz

que vacila exacta

que bruxuleia firme

que não ilumina apenas brilha.

Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.

Muda como a exactidão como a firmeza

como a justiça.

Brilhando indefectível.

Silenciosa não crepita

não consome não custa dinheiro.

Não é ela que custa dinheiro.

Não aquece também os que de frio se juntam.

Não ilumina também os rostos que se curvam.

Apenas brilha bruxuleia ondeia

indefectível próxima dourada.

Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.

Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.

Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.

Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.

Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:

brilha.

Uma pequenina luz bruxuleante e muda

como a exactidão como a firmeza

como a justiça.

Apenas como elas.

Mas brilha.

Não na distância. Aqui

no meio de nós.

Brilha

Jorge de Sena, in ‘Uma pequena luz’, in “Fidelidade” (1958)

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