Da violação do contrato eleitoral

(Joseph Praetorius, in Facebook, 06/09/2015)

Joseph Praetorius

Joseph Praetorius

A indigência moral e intelectual dos dirigentes das organizações políticas e das organizações institucionais que asseguram o desempenho das funções do estado – tudo seguido da imprensa que ninguém lê a não ser eles próprios – usam tratar as quebras de promessas eleitorais como um problema moral. “Coelho é um mentiroso”. “Cavaco mentiu”, etc.

Isto não é só um problema moral.

A representação política é uma projecção do Direito Civil. Há uma dimensão estrictamente contratual, aqui. Em democracia não se escolhe quem decida, decide-se imediatamente e directamente. Ou seja, o Colégio Eleitoral opta por um programa de governo nas suas linhas gerais e designa como comissários – é uma comissão – os que lhe endereçaram a proposta. É disto que se trata. Mantenhamos as coisas simples.

O incumprimento do programa eleitoral traduz violação das condições da outorga do mandato e desvio, mais ou menos grave (em regra, gravíssimo) face ao objecto do contrato. É governo contra Direito. E se o “garante do regular funcionamento das instituições” (i.e. da correcta aplicação das normas) não funciona ele próprio e acoberta tais tropelias ao invés de lhes pôr termo, isso significa que também esse mandato deve ser impugnado.

E mais longe indo, isso tem relevância penal. A condução contra direito chama-se prevaricação de funcionário. As secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça devem ser chamadas a intervir. Tanto quanto ao presente, como quanto ao passado. E não estou a referir-me propriamente ao carnaval rasca de Carlos Alexandre e Ténia Laranja. Não falando já de Vaz das Neves, o Presidente da Relação escutado em processo nas mãos de Carlos Alexandre… (Que independência pode esperar-se de um tribunal superior neste estado? Estão a vêr onde chegam as coisas? Chegam onde as deixam chegar)…

Não é pois de nada disso que se trata. A carnavalização do processo traduz sempre a ausência de processo. E vamos com sorte se pudermos concluir que ainda há judicatura.

Bem entendido, a judicialização da vida política é também impensável porque a “república de juízes” é a inviabilidade da separação de poderes.

Mas resulta evidentíssimo que não podemos continuar a assistir ao delito permanente, aqui e ali pontilhado pelo crime infame. E isto começa na absoluta falta de respeito pelo programa eleitoral. Ou seja, na completa falta de respeito pelas eleições. Pelo país. Pela palavra própria. Também este carnaval tem de acabar. Os mecanismos da responsabilidade política não funcionam visivelmente. E ninguém se esforça para que funcionem.

E também (mais) este carnaval significa que não há governo. Ou melhor dizendo, mais gravemente dizendo, significa que o governo está noutras mãos. Significa portanto que a democracia deve ser imediata e energicamente defendida. Judicialmente, claro. Politicamente, como é óbvio. Militarmente, se for necessário.

E qualquer perspectiva em que isto pareça complicado não pode estar certa.

8 pensamentos sobre “Da violação do contrato eleitoral

  1. Eu fico um pouco espantado que tenha decidido escolher este texto. É que todo ele parece basear-se num profundo mal-entendido sobre a natureza do que é a Democracia Liberal Representativa. Um mandato eleitoral não é um Contrato de Legislatura (por mais que o PS assim lhe queira chamar), e as Promessas Eleitorais não são mais do que isso, Promessas. Se não forem cumpridas, o eleitorado pode sempre sancionar o Partido ou Partidos no Poder desalojando-os na próxima Eleição. A ideia de que um Partido se compromete a implementar certas medidas e se não o fizer, ficarão estabelecidas um conjunto de sanções de natureza cível ou criminal contra os membros de um Governo é francamente absurda, até porque nenhum Governo tem controle absoluto sobre a realidade, desde logo pela divisão de poderes própria da Democracia. Neste aspecto, o funcionamento de um Governo em Democracia assemelha-se mais a um Conselho de Gestão de uma Empresa, escolhido pelos seus accionistas e que enuncia um conjunto de objectivos que pretende atingir e se não o conseguir é apropriadamente despedido. Só há um aspecto do texto relativamente ao qual eu estou de acordo. Efectivamente, no quadro da participação de Portugal na UE, a Democracia foi suspensa, em particular desde a intervenção da Troika em 2011. Os Partidos podem suceder-se no Governo, mas o Programa Aplicado é o mesmo, como amargamente o verificaram igualmente os Gregos em Julho. Mas uma recuperação da Soberania Nacional não se faria sem consequências graves para o Povo Português e qualquer Governante deve usar de muita Prudência antes de nos lançar nessa Aventura. Em primeiro lugar, isso exigiria que fossemos capazes de compreender minimamente o comportamento da nossa Economia num cenário de saída da Moeda Única e em segundo lugar, implicaria um plano detalhado para esse Abandono, com medidas de mitigação das consequências piores, incluindo medidas de curto prazo como a cunhagem e distribuição de nova moeda, a constituição de reservas de moeda estrangeira, o racionamento de bens essenciais e medidas que visariam a manutenção da ordem pública e a prevenção de motins e pilhagens. E, claro, esse passo dependeria da vontade popular expressa em Referendo. Ou seja, o que acontece é que de momento estamos efectivamente numa prisão de dívida da qual não iremos sair antes de muitos e bons anos. A questão é como é que iremos sair. Transformados numa colónia de negócios com todos os nossos bens públicos, incluindo as águas e a exploração do subsolo e fundos marinhos nas mãos de multinacionais estrangeiras, como parece querer fazer a PáF, a avaliar pela fúria privatizadora desde 2011 e pelo seu programa, ou como uma Nação Livre, integrados ou não numa UE necessariamente reformada? É também isto que se começa a decidir a 4 de Outubro.

    • A sua análise é todo um programa político, penso que o único programa político que se deveria debater com seriedade. Infelizmente, as soberanias nacionais estão em decrepitude. A economia mundial é cada vez mais integrada. Para o bem e para o mal.

  2. Existe um pequeno óbice em relaçâo ao comentário anterior é que uma vez Eleito o Governo elabora um ORÇAMENTO DE ESTADO com força de Lei e constituído por uma serie de medidas legislativas ! Que é solenemente entregue ao Presidente da assembleia da Republica , posteriormente Referendado pela dita , e Promulgado pelo Presidente da Republica ! E isto sim já é UM CONTRATO ! Quando náo cumprido …….!!! Deverão tirar-se as respectivas ilações legais , que náo eleitorais … ! Veja-se o caso da Islândia !

  3. Caro Luís Martins, Gostaria que me indicasse na nossa Lei onde e que a incompetência de um Governo e punida com sanções cíveis ou penais. Se o fizéssemos, não haveria cadeias para onde mandar os incompetentes, na Política e fora dela. Nao confunda as coisas, o PM da Islândia foi condenado por um ato que a data em que foi cometido era um delito criminal. Sócrates esta a ser investigado porque e suspeito de ter cometido delitos criminais enquanto Governante, não pelos resultados da sua Governação (de outro modo o seu Processo seria Político). Os Governos não controlam a Realidade Exterior, e quem pensa o contrario o que esta a pedir e um Estado Totalitário com Poderes Divinos. Isso não existe, existem sim Estados Totalitários que controlam a informação passada aos cidadãos (esse controle também existe em Democracia, mas e mais mitigado). Alias, chamo a atenção para o pedido feito pelo Sr. Praetorius para o recurso a forca militar. Tal qual aquilo que pede a Extrema-Direita Brasileira em relação a crise presente no Brasil. Estamos pois conversados relativamente a natureza da posta. So me espanta que a nossa Estátua tenha decidido apesar de tudo inclui-la, talvez o tenha feito para mostrar o que pensam alguns dos nossos concidadãos, e nesse sentido e útil (mas algo atemorizador) que o tenha feito…

    • Acertou, em parte, nos objetivos, amigo Jaime Santos. Mas a situação é grave, mesmo, e aí subscrevo o texto. Apesar de achar que a solução militar não solucionará coisa nenhuma.

      • A gravidade da situação não justifica que se confundam as coisas e que se judicialize a Política, porque muito que o Sr. Praetorious diga o contrário, ou pior, que se queira recorrer à Violência. Mesmo o Governo mais bem intencionado e mais competente do Planeta não tem o dom da Presciência. Uma Crise como a de 2007-2008 e lá se vão todos os objectivos de um Orçamento por água abaixo. O exercício do Poder implica, goste-se ou não, muita navegação à vista e controlo de danos, isso é algo que quem quer viver em Democracia tem que aceitar. Não tem claro, que aceitar um Governo que mente ou que vende o País ao desbarato. Aí pode e deve livrar-se dele pela Arma do Voto. É um acto de Elementar Higiene Política.

  4. Peço desculpa, queria dizer obviamente ‘por muito que’ :-!. Enfim, não é a primeira vez que dou pontapés na Gramática neste espaço :-). Peço-vos que me perdoem…

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