Seis candidatos à procura de um Verão

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 25/07/2015)

Miguel Sousa Tavares

                                   Miguel Sousa Tavares

No actual sistema constitucional português o que sobretudo se espera de um Presidente da República é que ele não atrapalhe, que não se torne uma fonte de conflitos ou de crispação ao assumir um protagonismo que a Constituição não lhe reserva. No mais, poderá ser um factor de referência, pelo exemplo e pela postura imparcial face à luta político-partidária. Um elemento de unidade que una os portugueses cá dentro e os represente com dignidade lá fora.

Pessoalmente, penso que um mandato presidencial pode ser resumido a duas missões: “garantir o regular funcionamento das instituições democráticas” e ser o primeiro defensor da soberania e independência nacional. Num sentido amplo, que entendo legítimo, tal pode implicar, por um lado, que ao Presidente não é indiferente o funcionamento da justiça, da regulação económica, da liberdade de imprensa, por exemplo; e, por outro lado, que ele não deve assistir impávido àquilo que possa ferir as condições determinantes da independência nacional, como o Acordo Ortográfico que subjugou a língua portuguesa a interesses externos, a venda de empresas públicas em posição dominante no fornecimento de bens ou serviços essenciais (a EDP, a TAP, a ANA, etc.), ou a destruição do património natural a favor de interesses privados. Para que melhor percebam: tudo aquilo que Cavaco Silva não fez.

Mas, mesmo numa interpretação lata e sábia dos poderes presidenciais, estes continuam claramente escassos, para quem é eleito por sufrágio directo e universal. No court central de Wimbledon, o Presidente da República não é jogador nem árbitro ou sequer fiscal de linha: é o Duque de York, um mero assistente protocolarmente privilegiado. Assim sendo, sempre me intrigou verificar como tanta gente aspira ou suspira ao cargo. Muitas vezes — como nos casos de Soares, Sampaio e Cavaco — tal resulta de o verem como a extensão natural e final de uma carreira política pessoal e, simultaneamente, como um último serviço ao partido que serviram durante essa carreira. Mas, fora desses casos, e mesmo fora do universo político-partidário, a profusão de candidatos e proto-candidatos que sempre aparecem (sobretudo, quando não há lugar à reeleição do detentor do cargo), revela bem até que ponto no imaginário político a função presidencial é dotada de uma aura que simultaneamente a torna apetecível e aparentemente ao alcance de quase qualquer um. Frequentemente, os candidatos presidenciais ou nascem apenas de um impulso pessoal (depois de conversarem com a família) ou de circunstâncias de puro acaso — como sucedeu com Maria de Belém, cuja candidatura nasceu apenas da circunstância de o Expresso se ter lembrado de colocar o seu nome numa sondagem, como podia ter feito com dezenas de outras pessoas, igualmente estimáveis.

O que é indiscutível é que, sendo os poderes presidenciais aquilo que são, o acto de se assumir candidato ou de deixar deslizar o seu nome pelas sondagens e mexericos (o que vem a dar no mesmo), implica sempre e necessariamente uma dose razoável de vaidade própria. O que não é crime, apenas um facto: Fulano acha que, acima de todos os seus concidadãos, é ele o mais qualificado para ser o primeiro entre todos. Por isso, e antes de chegar à fase final da candidatura — quando chegam a elaborar verdadeiros programas de governo, como se se candidatassem à presidência francesa —, os candidatos limitam-se a passear o seu nome, a sua cara e os seus apoios pelas sondagens e pelas páginas dos jornais. Sem qualquer preocupação de dizerem ao que vêm e porque vêm. Dos actuais seis candidatos mais ou menos credíveis, quatro jamais nos sopraram uma ideia inicial que fosse sobre as razões das suas candidaturas: Rio, Santana, Marcelo e Maria de Belém estão ali apenas porque sim. São uma espécie de candidatos naturais, autodesignados como tal, a quem não cabe, nesta fase, uma justificação e, menos ainda, uma explicação. Dos que restam, Henrique Neto é o único que apresentou um esboço de programa e que, aliás, tem por si uma biografia “civil” que o distingue de um qualquer pára-quedista. Mas como a sua candidatura não interessa ao PS nem à imprensa, está condenado aos ostracismo. Diferente nos apoios e na cobertura mediática é Sampaio da Nóvoa, que, não tendo apresentado propriamente um esboço de programa nem nada que se pareça, disparou rajadas de ideias avulsas como a Rainha Santa disparava rosas. Tantas que entonteceu todos à volta.

Entramos no Verão com medo do Outono que aí vem

Sampaio da Nóvoa é, aliás, um candidato-mistério e não apenas pelas ideias que carecem de tradução simultânea. Com tantas referências a Abril e à esquerda, causa-me estranheza nunca o ter encontrado em nenhuma das batalhas que as várias esquerdas travaram desde o 25 de Abril. Em 25 de Novembro, de que lado estava ele? E na revisão constitucional que extinguiu o Conselho da Revolução e mandou os militares de volta aos quartéis? E na adesão à Europa? E no longo consulado governativo de Cavaco Silva? E na entrada para o euro?

De outra forma, Rui Rio também é um mistério. Mas esse é um mistério de vazio e silêncio. É um puro candidato de partido, como os candidatos crónicos que o PCP manda avançar a cada eleição. Por si mesmo, ninguém se teria lembrado dele, com excepção de um círculo íntimo de admiradores que o país desconhece por igual. O que pensa Rio do que quer que seja (e não obrigatoriamente da sua candidatura) é o dado que me falta para o poder distinguir de quem quer que seja.

Já Santana Lopes não é mistério algum, é o eterno “menino-guerreiro”, eterno candidato a tudo o que esteja disponível. Confesso que começo a sentir alguma admiração por alguém que vai a todas e nem precisa de dizer porquê. Basta-lhe dizer: “Sou eu. Outra vez”.

Marcelo é mais complicado, é mesmo um caso de “síndroma de Mamede”. Tem medo de vencer. Mesmo quando está na frente de todas as apostas, ele olha para a pista e sente um calafrio de ver lá outros concorrentes, outras cores e adversários que o querem bater. Por isso, ele só arranca quando estiver seguro da vitória e até lá prefere dedicar-se ao exercício fino de ir desgastando os adversários, comentando as presidenciais como se nada fosse com ele. Mas há um tempo para tudo e ele arrisca-se a perder por estar a abotoar os atacadores quando soar o tiro de partida.

Manifestamente, a ausência do grande confronto que todos queriam — Durão Barroso vs. Guterres — deixou um vazio perigoso e depressivo. Entramos no Verão com medo do Outono que aí vem. Umas legislativas de onde não sairá uma maioria governativa. Um Presidente em fim de mandato e com contas a ajustar com todos, que ninguém sabe se irá ajudar ou complicar. Um governo, seja ele qual for, sem orçamento durante meses e, provavelmente, sem um mandato claro junto da UE. E uma campanha presidencial à solta no meio da confusão, com candidatos de segunda escolha atropelando-se uns aos outros. Aproveitem o Verão!

P.S. É isso mesmo que eu vou fazer, também. Saio para Verão e volto em breve.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

2 pensamentos sobre “Seis candidatos à procura de um Verão

  1. Mas o problema AGORA, são as legislativas ! Cada coisa ao seu tempo… Pouco interessam as presidenciais! Sobretudo se o presidente actua como este último o não fez!

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