(Pedro Adão e Silva, Expresso, 23/05/2015)
Depois de meses sob a acusação de que não tinha uma alternativa, o PS de António Costa encontra-se numa posição singular: já apresentou compromissos de tal forma detalhados que, agora, o problema é outro — tornou-se difícil processar a sua linha programática.
Estamos perante uma daquelas singularidades em que a política portuguesa é pródiga. Se as campanhas eleitorais são, por natureza, momentos de escolha baseados numa avaliação do que se passou na legislatura que termina e na apreciação dos programas apresentados para o próximo ciclo, as legislativas deste ano arriscam transformar-se num referendo às propostas do PS.
Claro está que o facto de o PS já ter apresentado a “Agenda para a Década”; o “Cenário Macroeconómico” e o “Programa Eleitoral”, enquanto a coligação se limitou a comprometer-se, através do Governo, com um “Programa de Estabilidade” vago e irrealista dá, à primeira vista, uma vantagem comparativa aos socialistas. Não apenas porque centra o debate em torno do que o PS propõe, como inverte as posições relativas — a oposição torna-se Governo, com o Governo a assumir o lugar de oposição.
Mas a ideia de que o PS está a conseguir definir os termos do debate pode ser ilusória. Por um lado, a apresentação de muitas propostas abre espaço ao ruído, permitindo que se apontem baterias críticas seletivamente; por outro, liberta a coligação face ao que foi a governação dos últimos quatro anos e, paradoxalmente, em relação aos compromissos para a próxima legislatura. Passos Coelho e Paulo Portas quase que aparecem isentos de culpas no falhanço colossal deste Governo e desobrigados de apresentar um programa para a próxima legislatura.
Não por acaso, Passos Coelho tem tido, nos últimos tempos, espaço para se concentrar na sua narrativa, que, tendo lógica interna, tem tanto de simplista como de falsa. Começa por afirmar que o Governo herdou uma situação catastrófica, que, com muito sacrifício dos portugueses, o país está melhor e libertou-se da troika, para agora acrescentar que merece uma oportunidade para governar num contexto mais favorável. Pouco importa que a resposta às circunstâncias em que o país continua precise de uma interpretação mais complexa da natureza da crise ou que o ajustamento tenha fracassado, de acordo com todas metas definidas no Memorando ou, pior, que tenha sido uma catástrofe económica e social.
O mais sintomático é que, tal como aconteceu há quatro anos, o PSD/CDS podem esconder a sua agenda. Enquanto Passos Coelho vai com eficácia repetindo uma narrativa, passa para segundo plano o corte previsto de 600 milhões nas pensões ou as declarações de figuras proeminentes da maioria que defendem (ainda) mais cortes em salários e pensões. Este efeito de ocultação é, também, consequência de o PS já ter apresentado uma “agenda”, um “cenário” e um “programa”, aliviando o combate político.