PASSOS DIAS AGUIAR

(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 09/05/2015)

Clara Ferreira Alves

                 Clara Ferreira Alves

Dias Loureiro não quis faltar à inauguração da queijaria dos amigos na sua terra natal. E ficou surpreendido com os elogios do colega Passos Coelho

Estava eu tão bem aspirando os eflúvios da queijaria quando me cai em cima como chuva grossa e tropical de que tanto gosto sobretudo para os lados onde ela não cai, como Cabo Verde, uma ilha de que tanto gosto e de que não me importava de ser príncipe, pois dizia eu que me cai em cima o elogio do senhor primeiro-ministro e distinto camarada de lides. Camarada não, colega, que é mais distinto ainda, os socialistas abandalharam a palavra camarada e tornaram-na venenosa. Confesso que se fosse homem de me emocionar tinha-me emocionado tanto mais que estava na minha terra e a propósito de terra lembro-me sempre daquela anedota do homem que se chamava Passos Dias Aguiar, topam?, passo os dias a guiar, seus burros, topam?, Passos Dias Aguiar, enfim, já teve mais graça, coisas do liceu, e hei de contar na minha biografia como fiz o liceu sempre com mérito e boas notas e isto faz-me lembrar qualquer coisa, ah, já sei, faz-me lembrar o diabo do Sócrates, outro beirão que dá mau nome aos beirões, que parece que passava os dias trá lá lá e mais não digo que o Sócrates dá também mau nome aos gregos e eles pior não podem estar. Em coisas de política internacional não me meto exceto quando me tocam no negócio e eu nisto sou firme porque é a minha lide, é a minha vocação, a política foi só um suponhamos para ajudar o Cavaco que bem precisava e que desde que saí do filme só faz asneira. Não tenho pena, deixou-me enrolado naquela queijaria malcheirosa do BPN, onde fui porque queria ajudar o Oliveira Costa, outro macaco ingrato. Amigos, amigos, negócios à parte. Eu sou mais negócios como outros são mais bolos embora os meus negócios sejam um bom bolo. Um opíparo bolo. E assim me fiz mas gosto de me manter fora dos radares, voando baixo, porque há aí muito jornalista que faz da vida desgraçar-me. Nunca dei confiança a jornalistas, dou o meu bitate quando me pedem, pérolas a porcos, e resigno-me a viver na sombra que é onde me sinto bem. Exceto quando fui ministro e foi mais para poder dizer ao meu pai, pai sou ministro, fui mais um homem de sombras do que de sol. Veem-me bronzeado de África? Não veem e aqui onde me veem passo os dias em Luanda que tem belas praias. Passo os dias lá a guiar os angolanos que bem precisam, sou um farol para as gentes de África. Pois veio o elogio do Passos e fiquei, como se espera, todo encharcado daquela chuva de adjetivos. Metódico e exigente e coisa e tal, não esperava, confesso que não esperava, só estava ali de corpo presente porque sou amigo e padrinho do dono da queijaria que é um lugar onde se fazem bons queijos. Ainda hei de pôr os angolanos todos a comer serra e do bom, a Beira tem queijos de muito mérito. Mas ali o mérito, dizia o Passos, era meu, e palavras não eram ditas já sabia que aquilo me ia custar caro. No dia seguinte foi o regabofe do costume, o Dias Loureiro isto, o Dias Loureiro aquilo e mais o BPN isto e o BPN aquilo, e a minha reputação nas ruas da amargura e uma chuvada de insultos que só me trazem dissabores e a queijaria era dos sabores, Queijaria dos Sabores, e não Queijaria dos Dissabores. E estou mais curado destas cenas da política do que um queijo, em políticas não me meto e preferia que não me metessem mas o Passos anda desembestado, ele é biografias a insultar o Cavaco, ele é picadas no Portas que as merece todas, enfim, desde que sabe que vai perder as eleições o Passos dedicou-se a construir a estátua. Há feitios para tudo mas gostava que o tipo me deixasse onde estou, descansado. Fartei-me de lhe dar conselhos e não os seguiu, que se amanhe. Fartei-me de o alimentar e ao amigo, dei-lhes almoço, dei-lhes companhia e expliquei-lhes que isto dos negócios não é para todos.

É preciso ter calma. Eu não vou a São Bento há anos pela simples razão de que São Bento vem até mim. Eu sou o Maomé do PSD. A montanha que se dane. O problema é da montanha não é meu e come-se bem em minha casa e bebem-se bons vinhos e comem-se bons queijos e eu disse ao Passos, pá, a Massamá não vou, tem lá piedade, isso é bom para ti que fazes o número do pobrezinho mas eu não estou nem aí, pá, passei a vida toda a fugir de Massamá da Beira e não vou agora quando estou bem instalado na vida voltar a Massamá.

Passo os dias de outro modo oh Passos, os meus amigos agora são o Aznar e o genro e o rei de Espanha até costumava encontrá-lo nas receções e desliguei-me de massamices tem lá paciência. Este Passos é um tipo simples e eu não sou um tipo simples. Sou tudo menos um tipo simples. Negócios é comigo. Porque é que acham que dei aquele nome ao BPN? Banco Português de Negócios. Exatamente. E para mim até foi, um grande, um excelente negócio. E agora piro-me. Vou passar mais uns dias a guiar os angolanos.

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