Subvenção para deputados ou subsídios para funcionários públicos e pensionistas?

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 20/01/2016)

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                                   Daniel Oliveira

As subvenções para deputados acabaram em 2005, por decisão do governo de José Sócrates, e quem já tinha, nesse ano, direito a elas, passou, por decisão do governo de Passos Coelho, a estar sujeito à apresentação de condição de recurso, apenas ficando disponíveis para quem tivesse rendimentos inferiores a dois mil euros mensais. E foi esta segunda parte que o Tribunal Constitucional (TC) reverteu.

Tenho de começar por esclarecer a minha opinião. Sou contra a existência deste tipo de subvenções, seja qual for o rendimento do ex-deputado. Para isso existem todos os apoios sociais que os deputados e ministros determinam para o conjunto dos cidadãos. Os deputados não podem considerar insuficiente para si o que acham chegar para os outros. Penso que os deputados não devem ter qualquer rendimento extra, depois de cumprirem as suas funções. Durante aqueles anos descontam para a reforma e, quando chegar a altura, devem recebê-la. Defendo, sempre defendi, o subsídio de reintegração no fim do mandato para quem realmente precise, evitando que o lugar de deputado seja apenas ocupado por funcionários públicos e profissionais liberais, e possa ser também exercido por cidadãos comuns que não ficam com o trabalho à espera durante quatro ou oito anos. É o único apoio que atende à especificidade da função de deputado. Outra coisa bem diferente é esta subvenção vitalícia. Ela é um privilégio injustificável que apenas afasta mais os cidadãos dos políticos, criando um natural sentimento de injustiça.

A única subvenção que aceito, e nisso discordo do candidato Sampaio da Nóvoa, que também propõe o seu fim, é para os Presidentes da República. Desde que não seja acumulada com mais nenhum salário, pagamento por prestação de serviços ou reforma. Não quero ver ex-chefes de Estado ao serviço de empresas, pelo efeito simbólico que isso tem na imagem de independência do Estado. Por serem apenas três pessoas (serão quatro daqui a um mês) que podem receber esta subvenção e pela utilidade que elas podem continuar a ter para a vida pública, não me parece que isto mereça grande debate.

Não me debruço sobre uma decisão do Tribunal Constitucional: tenho dúvidas sobre ela, mas julgo compreender alguns dos seus pressupostos jurídicos. Justa ou injusta, acho que os candidatos de esquerda que a decidiram criticar com expressões bastante fortes desautorizaram tudo o que disseram sobre as reações do governo anterior a outras decisões do TC. Algumas, diga-se, com argumentos semelhantes. Se um primeiro-ministro se deve abster deste tipo de ações, ainda mais alguém que quer ser Presidente da República.

O que me interessa neste tema não é, no entanto, a parte jurídica e constitucional do assunto. É a parte política. E por essa só devem ser julgados os deputados que, em interesse próprio, decidiram pedir a fiscalização da constitucionalidade de uma norma imoral e incompreendida pela generalidade dos cidadãos. E que ainda por cima o tentaram fazer sem assumir publicamente a paternidade da coisa.

É obviamente impossível falar deste episódio sem falar da principal pessoa envolvida: Maria de Belém. Isto apesar de ter sido prontamente socorrida por Marisa Matias e Francisco Louçã, que, ignorando olimpicamente a existência de uma candidata na lista de subscritores, preferiram sublinhar quem é que os 30 subscritores do pedido apoiavam nesta campanha, tentando com isso colar Marcelo Rebelo de Sousa e Sampaio da Nóvoa a um caso que obviamente não lhes diz respeito. Os candidatos devem ser responsabilizados pelo que fazem, não podem ser responsabilizados pelo que fez toda a gente que lhes declarou apoio. Escolher a associação ilegítima e esconder a óbvia é de um assinalável cinismo.

Há três razões para destacar Maria de Belém neste processo: ser candidata a Presidente da República, esta sua posição entrar em confronto evidente com o que disse sobre o facto de não ter exclusividade na atividade de deputada e contrastar com o seu comportamento em relação a outros pedidos de fiscalização de constitucionalidade.

A participação de Maria de Belém neste pedido vincula a sua candidatura a uma determinada forma de ver o exercício da atividade política. Quando Maria de Belém puser fim ao seu voto de silêncio (o que espero que já tenha acontecido quando este artigo for publicado), tem o dever de explicar, em viva voz, como que é que este entendimento se casa com muitos dos valores que tem enunciado na sua campanha.

Esta assinatura confronta-se com o próprio percurso político-profissional de Maria de Belém. Recorde-se que Maria de Belém decidiu não ter exclusividade na atividade de deputada. Foi isso que lhe permitiu ser consultora do Espírito Santo Saúde ao mesmo tempo que presidia à Comissão de Saúde. A única justificação possível (e não atendível, na minha opinião) para esta subvenção seria a de compensar os prejuízos financeiros provocados pela interrupção da atividade profissional. Como pode este argumento ser usado por quem manteve, até para lá dos limites que seria aceitável, atividade profissional? Recorde-se que, numa nota, Maria de Belém deixou claro que ainda não decidiu se vai ou não buscar a sua subvenção. Isto apesar de, enquanto era deputada, ter mantido uma atividade profissional remunerada.

Ainda antes da campanha, no momento mais quente do debate entre Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém, o candidato chamou a atenção para o facto de Maria de Belém se ter escusado, apesar de ser então presidente do PS, a subscrever outro pedido de fiscalização de constitucionalidade: o do Orçamento de Estado de 2012. A justificação de Maria de Belém foi que tinha escrito artigos, tinha dado a sua opinião, mas não tinha sido necessária a sua assinatura porque outros já a tinham dado. Mas quando outros já se tinham mobilizado para pedir a fiscalização da constitucionalidade da limitação à atribuição de subvenções vitalícias a deputados, Maria de Belém não faltou à chamada.

Quando estavam em causa a devolução dos subsídios dos funcionários públicos e dos pensionistas, Maria de Belém dispensou-se da maçada e deixou a tarefa para outros. Quando esteve em causa a sua subvenção, pôs-se na primeira linha. E isto é uma forma de estar na política.