A memória é incómoda

(José Pacheco Pereira, in Público, 20/11/2021)

Pacheco Pereira

Nas últimas décadas, a natureza da relação de muitos dirigentes do PSD com a Maçonaria é diferente da dos maçons originais: está associada às possibilidades de carreira política e aos negócios, e muito pouco aos “bons costumes” da tradição maçónica.


O PPD/PSD sempre foi contra duas coisas: o comunismo e a Maçonaria. A natureza dessa oposição não é idêntica. O anticomunismo do PPD e do PSD é uma variante do antitotalitarismo, que é um dos fundamentos genéticos do partido, que se acentuou com a experiência portuguesa do PREC. O confronto com o PCP e a extrema-esquerda foi particularmente violento em Lisboa e no Sul do país e isso marcou o partido e reforçou o sentimento anticomunista. Embora tenha havido elementos do PSD (assim como do CDS) na chamada “rede bombista”, a responsabilidade da sua existência foi de outros sectores, dos militares spinolistas e dos exilados ligados à ditadura que organizaram em Espanha o ELP e o MDLP. Outro sector de resistência contra o PCP estava ligado ao PS e, por via do PS e de Mário Soares, a serviços de informação ingleses e americanos. Todos estes sectores comunicavam entre si.

O então PPD como partido não teve responsabilidade organizada nesses movimentos, apesar das declarações de Emídio Guerreiro, mas as suas “bases” participaram em vários actos de violência contra as sedes do PCP. Os documentos do muito pouco conhecido Serviço de Centralização e Coordenação de Informações do PPD, dirigido por Júlio Castro Caldas, mostram que o partido acompanhava os assaltos às sedes do PCP, mas não participava como organização. Já o mesmo não se passava com a organização conspirativa de antigos militares ligados a Eanes, em que o PPD participou com os seus contactos.

A natureza deste anticomunismo “de combate”, chamemos-lhe assim, mudou de carácter com o fim do PREC, altura em que este serviço foi extinto, mas permaneceu como um fundo na actuação do PSD, de novo acirrado pela violenta campanha do PCP e do PS contra Sá Carneiro, antes e durante o Governo da AD. Porém, anticomunismo e anti-socialismo não são a mesma coisa.

A hostilidade contra a Maçonaria acompanhou o anticomunismo, mas não é da mesma natureza. Vários elementos do PPD que vinham da sua origem eram da Maçonaria. O seu perfil era comum, vinham da oposição à ditadura ligados a movimentos e a grupos que participaram em todos os momentos de resistência, como a campanha de Humberto Delgado, e nunca desistiram do combate contra o regime, mas tinham relutância em aliar-se à oposição hegemonizada pelo PCP. Eram republicanos históricos, socialistas moderados, do “reviralho”, conservadores, anticomunistas e ligados à Maçonaria. Na fase inicial de constituição do PPD vários deles faziam parte das listas de pessoas a contactar preparadas por Sá Carneiro e Magalhães Mota, e alguns entraram para o novo partido. Foi o caso de Nuno Rodrigues dos Santos, que tentou trazer consigo para o PPD a Acção Democrata-Social, sem grande sucesso. Esses maçons, de uma geração mais velha do que a de Sá Carneiro, sempre foram muito respeitados no PPD e no PSD e tiveram cargos institucionais de relevo.

Mas a hostilidade à Maçonaria existia em muito dirigentes que tinham uma formação católica, e nas “bases”, em particular pela sua relação com o PS e pelo seu carácter “secreto”, mas também como herança do sentimento antimaçónico que vinha do Estado Novo. O PPD/PSD era um partido com forte implantação no centro e no Norte de Portugal, o país católico apostólico romano. No entanto, o programa do PPD/PSD manteve o partido como um partido laico, e essa laicidade foi sistematicamente reafirmada em todas as suas revisões.

Nos nossos dias, nas últimas décadas, a natureza da relação de muitos dirigentes do PSD com a Maçonaria é diferente da que tinham os maçons originais: está associada às possibilidades de carreira política, que dá uma relação horizontal, e aos negócios e muito pouco aos “bons costumes” da tradição maçónica. Embora haja alguns elementos no Grande Oriente Lusitano, muitos dos actuais maçons do PSD estão ligados às novas obediências maçónicas, que se viram envolvidas em sucessivos escândalos públicos. A Loja Mozart, com uma forte componente do PSD, é disso um exemplo. Isto muda o carácter e a identidade partidária do PSD.

É uma geração mais nova, que de um modo geral esconde a sua filiação maçónica e, quando saem notícias sobre o seu envolvimento, ou diz que só lá foi uma vez para ver como era, ou entrou e saiu logo, ou mente, dizendo que nunca foi, mesmo quando há provas evidentes da sua filiação. Nas distritais de Lisboa e Porto há um elevado número de novos maçons, que tem um peso no aparelho que nada tem que ver com o perfil dos velhos maçons que vinham da resistência à ditadura, e com biografias estreitamente ligadas a carreiras exclusivamente políticas. Actuam em grupo e patrocinam candidaturas no interior do partido, a nível concelhio, distrital e nacional, mantendo sempre o segredo da sua filiação maçónica.

Isto muda o carácter e a identidade partidária do PSD.

Na génese do PPD, enquanto Sá Carneiro e os outros fundadores tentavam controlar e travar a entrada de membros da extinta União Nacional/Acção Nacional Popular – uma das funções do Serviço de Centralização e Coordenação de Informações do PPD era a investigação das biografias dos que pediam a filiação –, a nível local vários membros da extinta organização entraram no partido. O caso mais relevante foi no Porto.

(Continua)

José Pacheco Pereira é colunista do PÚBLICO


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Maçonaria, Opus e declarações obrigatórias

(Por Joseph Praetorius, 10/08/2021)

Sobre a maçonaria não sei grande coisa e não quero saber.

Conheci gente que se identificou com uma ou outra estrutura de tal campo e simpatizei com essa gente. Meu avô integrou o GOL com muitos dos amigos que por sua casa passaram e de quem minha mãe me foi falando enquanto cresci. Como já disse várias vezes não tenho preconceitos antimaçónicos.

Acho até graça aos ecos de alguns títulos internos que ouvi casualmente e me parecem bizantinismos mal compreendidos.

Conheci entre essa gente, também, criaturas que a nenhuma luz podem ser estimáveis.

Pelo testemunho que tais estruturas dão de si próprias, estão em expansão.

Em fragmentação, também. Há lojas não integradas. Há cisões nas obediências e as obediências que se reclamam regulares (não é papel meu indagar se o são ou não) multiplicam-se como se fossem as antigas organizações trotskistas, parecendo que há uma cisão mal haja um terceiro membro.

A segurança interna é nula, como o indicam os escândalos da Universidade Moderna (com o detalhe de um diretor da PJ a advertir da busca, antes desta se realizar), o da Loja Mozart e os da publicação dos nomes dos membros do GOL.

Mas a apetência para a conspiração é evidente (como as quebras de segurança também demonstram, vitimando mais essas estruturas e os seus membros do que o Estado, tanto quanto consegue ver-se, mas nisto nada é suficientemente claro). A imagem pública actual não podia ser pior.

Não parece fácil dizer hoje que aqui tenhamos apenas gente que ali se organiza com o intuito de fazer bem aos outros …

A novidade da votação parlamentar quanto à obrigatoriedade de declarar, sob a reserva possível, as filiações associativas é uma péssima ideia, mas demonstra até onde subiu já o incómodo, dando a evidência das franjas do leque político, à esquerda e à direita, que pretende eliminar esse fardo.

Essa eliminação é legítima e necessária.

A pretendida solução parece-me disparatada.

Não é útil gerar novos problemas, para não resolver qualquer deles. Os gerados, ou os anteriores.

Só uma polícia política poderia controlar a veracidade de tais declarações.

Como só uma polícia política poderia verificar a violação da incompatibilidade entre uma filiação associativa e quaisquer funções públicas desempenhadas com a respectiva ocultação. Isso não é aceitável.

E a ideia em cujos termos tal solução também atinge a Opus é completamente falsa.

A Opus é um movimento religioso (a Maçonaria não). A Opus sempre estaria ao abrigo de qualquer disposição desta natureza, que, à partida, viola materialmente a constituição.

Ora a Opus e a própria ICAR suscitam problemas agudíssimos e com a mesma natureza. Até por disporem de uma universidade onde podem compor os curricula da sua gente para as promoções na judicatura, por exemplo. E as Maçonarias falharam os projetos análogos, com uma exceção.

A ICAR, a Opus e as maçonarias, não são e nunca foram, entre nós, sensíveis ao argumento em cujos termos é preciso que alguém as discipline, se não conseguirem disciplinar-se a si próprias. E não conseguem.

A ICAR logrou até hoje obstar com evidente êxito à investigação aos maus tratos e abuso de menores nos seus asilos e seminários deste território, por exemplo. O que não conseguiu na católica Irlanda.

Nomear antigos pupilos de seminários menores (seminários de crianças) para funções de coordenação de serviços de investigação e informações, também não é boa ideia. Eles não gostariam que fossem desocultados os abusos que de um modo ou outro os vitimaram também.

Temos aqui muitos problemas para resolver.

Mas nenhuma destas organizações pode socorrer-se de imunidade jurisdicional.

Havendo suspeitas sérias de colisão da prática destas organizações com a Ordem Pública, abram-se inquéritos com a declaração de segredo de estado ate à publicação das conclusões. Depois das conclusões, levantem o segredo de estado e formulem as imputações a que haja lugar, determinando-se, em devido processo, as prisões preventivas imprescindíveis e a selagem das instalações que se revelar necessário selar.

Não esquecer, já agora, os clubes de futebol e os juízes nos clubes de futebol (juízes de tribunais superiores, de resto). Não esquecer também as grandes sociedades de advogados (não são apenas as grandes lojas) que admitem filhos de juízes dos tribunais superiores como seus estagiários. ou membros… Sociedades que se gabam de serem (e são) mais importantes que a Opus e as Maçonarias todas juntas.

O processo penal, por outro lado, tem uma formulação de causa de recusa com amplitude prudente.

É preciso – isso seria realmente útil – assegurarmo-nos que, no estatuto das diversas funções públicas, uma disposição análoga permitisse a defesa da respetiva independência em caso de necessidade. Regulando-se as condições de admissibilidade e a tramitação dos respetivos incidentes.

É preciso defender a paz civil sem a perturbar.


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PSD – A diabolização da Maçonaria com o Opus Dei a disfarçar

(Carlos Esperança, 22/07/2021)

A reboque de uma proposta do PAN, o PSD, por lutas internas, veio defender que todas as associações deveriam ser declaradas, dado que as leis devem ser gerais e abstratas, evitando a discriminação de entidades.

Não sei se pensou nos sindicatos judiciais, certamente mais influenciadores da conduta dos seus membros do que as associações visadas, Maçonaria e Opus Dei, ou em outras, desde as associações de diabéticos, alcoólicos anónimos e jogadores de xadrez a sócios de clubes desportivos, bombeiros voluntários, associações de moradores e tantas outras.

Quem conheceu a ditadura, onde o Opus Dei era legal e a Maçonaria proibida, sabe que é o ataque à liberdade e ao livre-pensamento que, ao arrepio da CRP, procura cobertura legal. Aliás, o nazismo tinha nos judeus e maçons inimigos de estimação.

O PSD conhece bem as perseguições a que alguns maçons, que lhe deram credibilidade, foram sujeitos. Nem o nome honrado do seu ex-presidente Emídio Guerreiro demoveu o partido de se juntar aos inimigos da liberdade.

Os deputados proponentes sabem que, ainda que seja declarada a inconstitucionalidade da lei, fica o labéu contra associações de livres-pensadores e permanecerá incólume a prelatura pessoal de João Paulo II, espécie de al Qaeda sem bombas, da Igreja católica.

A maçonaria é agredida por ter organizado a Revolução Liberal, o 31 de Janeiro, o 5 de Outubro e ser uma vanguarda na defesa dos direitos humanos em sucessivos momentos históricos.

É evidente que o nome do Opus Dei só consta para encobrir o ódio ao livre-pensamento, uma homenagem serôdia a Pio IX e à sua encíclica «Syllabus errorum», um catálogo de condenações, desde o panteísmo ao naturalismo, do racionalismo ao socialismo, sem ter esquecido o comunismo, a maçonaria e o judaísmo.

Sem coragem para condenar os grandes nomes da maçonaria que, desde a Revolução Liberal até hoje, se distinguiram na defesa da liberdade, o PSD preferiu juntar-se aos que desde o Estado Novo destilam ódio contra uma associação cívica cujo pluralismo divide o voto dos seus membros por todos os partidos democráticos.

E, por mais estranho que pareça, levou consigo apoios surpreendentes. Hei de voltar ao assunto, sobretudo ao Opus Dei onde os nomes honrados de Mota Amaral e do insigne cientista português Pinto Peixoto se misturam com os mais execráveis fascistas, desde o santo fundador ao padre Hugo de Azevedo primeiro padre O.D. em Portugal.


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