Se se metem com o futebol, levam!

(Pacheco Pereira, in Público, 18/01/2020)

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Se eu olhar para a televisão sem som, o maior criminoso português e europeu é um homem com ar de adolescente tardio, com cabelo espetado para cima, completamente nerd. Vejo esse homem-rapaz algemado, transportado por polícias de várias nacionalidades, com aspecto de ser um enorme risco de segurança, a julgar pelo aparato à sua volta, de um lado para o outro. O ar dele é de desafio e nunca faz aquela cena de esconder a cara. Pelo contrário, parece arrogante ou pelo menos indiferente ao que o rodeia, pelo que ainda mais criminoso me parece. Não me lembro de ver pedófilos, assaltantes, homicidas a serem expostos e “passeados” assim pelas polícias.

Se eu ligar o som, a televisão diz-me que esse homem se chama Rui Pinto e, segundo a última contabilidade (os números são um pouco confusos e estão a mudar todos os dias), cometeu seis crimes de acesso ilegítimo, um de sabotagem informática, 17 de violação de correspondência, 68 de acesso indevido e um de extorsão. É obra, é um hacker de sucesso, tem a carreira no ramo garantida quando sair da prisão, e usa os seus dotes para o crime, mas, que eu saiba, não feriu nem matou ninguém.

Fique claro que eu não tenho dúvida nenhuma de que o homem é um criminoso, mas o seu tratamento contrasta com aquele que é dado aos criminosos de colarinho branco, aos homens que falsificaram documentos, que manipularam registos bancários, que fugiram ao fisco, que lavaram dinheiro, que roubaram o seu país de origem em que milhões vivem na mais abjecta pobreza, que levaram muitas empresas à miséria, trabalhadores ao despedimento e deixaram um rastro de “lesados” que perderam as poupanças de uma vida de trabalho. Muitos desses homens continuam a frequentar a melhor sociedade, passeiam-se pelos salões e o máximo que lhes acontece é estarem em casa em prisão domiciliária com uma pulseira. O contraste é gritante.

É muito simples responder à questão de saber por que razão existe este contraste. O homem meteu as mãos, ou melhor, o computador e o softwareno mundo do futebol. Não no futebol popular, não no “clube mais perigoso do mundo”, o Canelas Gaia Futebol Clube, uma emanação da claque dos Super Dragões que, como se sabe, também não é flor que se cheire, mas no mundo do futebol de milhões, de muitos milhões, em que circula a elite dos clubes, dos negócios, dos fundos de investimento, da advocacia, das agências de publicidade, da banca, dos agentes e intermediários detentores de passes de jogadores, etc.

Um mundo em que os crimes de lavagem de dinheiro e as fugas ao fisco, várias manipulações fiscais no limite da legalidade, violações dos próprios códigos de ética das associações de futebol, publicidade disfarçada, acordos de silenciamento, entendimentos secretos para manipular os mercados de jogadores, a utilização generalizada de offshores, a publicitação de valores falsos de transacções de jogadores, são o habitual. Nem tudo são crimes, mas tudo são procedimentos proibidos pelas próprias regras de ética que os clubes aceitaram, incluindo a falta de transparência e a manipulação da opinião pública por jornalistas e comentadores que actuam por conta dos clubes. Foi isso que revelaram e continuam a revelar os chamados “Football Leaks, com a colaboração dos jornalistas de investigação da imprensa europeia de referência, com a hostilidade e a censura mesmo de muitas autoridades nacionais, que aceitam com facilidade suspeita calar estas denúncias.

Não se pense que estou a minimizar os crimes de Rui Pinto pelo facto de ele ter mexido na lama de ouro e fazer os “grandes” ter de pagar o que tinham escondido ao fisco e mostrar como o “grande” futebol funciona como uma máfia. Não estou. Pinto não o fez pelo amor à “verdade desportiva”, nem por repúdio pelas manigâncias do grande futebol – fê-lo para chantagem e extorsão. Nem sequer sou muito sensível ao facto de que parece que Rui Pinto está a ajudar as autoridades com informações para investigações em curso. Nem muito menos ao proverbial princípio de que “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”. Nada disso.

O que não percebo, ou melhor percebo demasiado bem, é a desproporção de tratamento, a sanha persecutória contra um criminoso cujas vítimas foram outros criminosos, ou gente gananciosa na zona cinzenta da lei, que nunca andariam de algemas, os grandes clubes como o Mónaco, o Real Madrid, o Tottenham, o Manchester City, o Paris Saint Germain, o Sporting, várias federações nacionais de futebol, incluindo a portuguesa, a FIFA e pessoas como Ronaldo, Neymar, Mourinho, e só cito os nomes mais sonantes porque não sei muito de futebol.

A sanha contra Rui Pinto não passa apenas pela justa condenação pelos seus crimes – revela uma enorme duplicidade, a mesma duplicidade que explica a complacência popular face às malfeitorias do futebol e que explica por que razão um jogador pode fugir ao fisco com milhões e, se for do nosso clube ou uma emanação da pátria, ninguém quer saber. Na verdade, ninguém queria nem quer saber das revelações dos “Football Leaks”, recebidas com um encolher de ombros, mas atira-se com violência face ao delator, em particular se a denúncia for do “nosso” clube. O reverso, que explica o cartaz reproduzido acima, é da mesma natureza. É que o populismo habita o futebol, mas não se vê ao espelho. O mal de Rui Pinto foi que, para ganhar uns cobres, deu-lhes um espelho indesejado.


Prenderam o Robin dos Bosques da Justiça

(In Blog O Jumento, 17/01/2019)

rui pinto

(O Benfica já não é o que era. As polícias já sabiam há meses do cavalheiro e nada faziam para o parar. Agora, que calhou a vez de ser “hackeada” à PLMJ, até houve dinheiro para mandar uma brigada da PJ à Hungria! 

Moral da história: o Dr. José Miguel Júdice tem muito mais poder do que os tais 6 milhões de benfiquistas… 🙂

Comentário da Estátua, 18/01/2018)


Andamos há muitos meses a assistir a uma novela que poderia chamar-se “O Robin dos Bosques da Justiça portuguesa”, um assaltante justiceiro muito original já que enquanto o inglês era o inimigo número um do Xerife de Nottingham, o nosso Robinzinho parecia ser muito apreciado pela Justiça.

Nalgumas estações de televisão, onde muitos advogados optam por acompanhar os processos já que dá mais trabalho ir aos departamentos da justiça. Principalmente quando ainda estão em segredo de justiça, o Robin dos computadores era muito apreciado. Muitos jornalistas deste país não se cansavam de justificar a impunidade do seu Robin, já que graças a ele se podia apanhar tudo o que era criminoso.

Já que em democracia há limites aos poderes policiais e estes são condicionados e controlados para evitar abusos, dava muito jeito haver alguém que não respeitasse quaisquer regras ou direitos constitucionais, obtendo provas que depois caberia à Justiça ir verificar. Foi assim que foram abertos vários inquéritos, com base nos quais se promoveu a técnica do arrastão, daí resultando mais processos.

Na hora de justificar a ineficácia, nas supostas tentativas de acabar com a carreira criminosa do Robin, os nossos xerifes justificavam que entrar em computadores alheios era um crime menor. Mas parece que, afinal, há crimes maiores e lá prenderam o rapazola. Enfim, coincidência ou não parece que a invasão da PLMJ levou ao fim da carreira do mariola (ver notícia do ataque informático em causa, aqui).


Nota da Estátua. Para quem não sabe a PLMJ é uma das grandes sociedades de advogados de Lisboa – o mesmo é dizer, do país -, por onde tem passado grande parte dos grandes negócios e disputas judiciais das últimas décadas e onde pontifica o conhecido e mediático advogado José Miguel Júdice. Para mais detalhe sobre esta entidade que paira na sombra sobre muito do que se passa na política e nos negócios em Portugal, ver aqui  e aqui .