Negócio EDP-ENGIE: o que falta (ainda) saber?

(Óscar Afonso, in Expresso Diário, 25/03/2021)

(Sendo tudo isto verdade é, de facto, mau de mais. Se tiver sido negligência o Ministro que peça a demissão pois o interesse público não se compadece com tanta incompetência. Se tiver sido acto ponderado, pior ainda. Nesse caso chamem a polícia...

Em qualquer dos casos, parafraseando Cícero, só me resta perguntar: “Até quando, ó Matos, abusarás da nossa paciência?”

Comentário da Estátua, 25/03/2021)


O polémico negócio da venda de seis barragens pela EDP a uma empresa francesa com um trabalhador é abordado pelo presidente do Observatório de Gestão da Fraude e professor da Faculdade de Economia do Porto, Óscar Afonso, para o qual “não há dúvida que tem havido falta de transparência num negócio que, por envolver bens do domínio público, deveria ser exemplarmente transparente”


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Sabe-se hoje que a EDP montou um esquema de planeamento fiscal agressivo para evitar o pagamento de impostos – Imposto do Selo, IMT, IRC e Derrama –, motivados pela transação de 6 barragens da bacia do Douro. Sabe-se também que esses impostos são os que a lei portuguesa tipicamente estabelece para este tipo de transações. Sabe-se ainda que o senhor ministro do Ambiente e Ação Climática estava avisado pelo Movimento Cultural da Terra de Miranda (MCTM) para a possibilidade de construção de um esquema de negócio que, uma vez utilizado, frustraria o pagamento de um elevado montante de impostos.

Em suma, não há dúvida de que o senhor ministro conheceu previamente a construção que o MCTM considera artificiosa, evasiva, agressiva e abusiva. Por não a ter evitado, ignorou o aviso que lhe foi feito e, pelo menos moralmente, colaborou na sua montagem. Essa montagem está descrita num aditamento ao contrato de concessão em que o Estado, representado por dois serviços sob direção do Ministério do Ambiente – APA e DGEG –, assinou com a EDP, uma empresa inexistente à data da assinatura e uma empresa do consórcio adquirente.

Assim, o atual concessionário das barragens não deixa de ser uma empresa desconhecida do Estado, com apenas um trabalhador, cuja idoneidade para ser titular dessas concessões não foi avaliada pelo Ministério do Ambiente e da Ação Climática, como a lei expressamente estabelece. Curiosamente, essa empresa foi constituída já depois da assinatura da adenda ao contrato de concessão e um dia antes do negócio entre a EDP e o consórcio liderado pela ENGIE. Acresce que a constituição dessa empresa estava anunciada na adenda ao contrato de concessão, e que o seu período de vida estava previamente anunciado pelas partes como sendo de apenas 100 dias. Ou seja, essa empresa constituiu-se com o único propósito de ser veículo fiscal para evitar o pagamento dos impostos devidos, com morte anunciada e, portanto, sem qualquer outra racionalidade económica.

Acresce que o Estado tinha direito de preferência na transmissão das barragens e não há nenhum indício de que o tenha exercido nem que tenha sido avaliado o interesse no exercício desse direito.

Neste contexto, terá o senhor ministro cuidado de defender o interesse público?

Sabe-se que, efetivamente, foram vendidos 6 empreendimentos hidroelétricos, compostos pelo universo de direito e obrigações que os compõem e que sobre essas transmissões incide, em geral, a verba 27.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Sabe-se, também, que desse universo faz parte um subuniverso de concessões do domínio público (de utilização da água do rio, de utilização dos terrenos expropriados e de utilização das construções), que estão, na parte relativa ao respetivo valor, sujeitos à verba 27.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Sabe-se, ainda, que foi alienada a titularidade privada das construções das barragens e dos edifícios e maquinismos fixos conexos que, pertencendo à EDP, passam agora para o balanço dos adquirentes e que, portanto, estão sujeitas ao IMT.

Do que é conhecido, sabe-se porque o Parlamento exigiu ao senhor ministro do Ambiente o envio da documentação relativa ao negócio. Porém, não são conhecidos ainda os contratos celebrados, porque o senhor ministro afirma não os conhecer. Ora sendo assim, não há dúvida que tem havido falta de transparência num negócio que, por envolver bens do domínio público, deveria ser exemplarmente transparente.

Perante o que se sabe há imensas questões sem resposta; em particular, permanece por compreender por que motivo o senhor ministro:

(i) deixou que a EDP fizesse um negócio, com a participação ativa do Estado, especialmente concebido para evitar o pagamento de impostos?

(ii) aceitou que um negócio simples, de transmissão de 6 empreendimentos hidroelétricos da EDP para o consórcio liderado pela ENGIE, fosse realizado mediante uma complexa operação que envolveu cisões, fusões permutas de partes sociais, constituições e dissoluções de sociedades, bem como múltiplas transmissões de ativos, num complexo emaranhado jurídico, sem substância nem genuína racionalidade económica e apenas com o propósito de evitar o pagamento dos impostos?

(iii) procedeu como o fez, apesar de avisado pelo MCTM para a probabilidade de tal acontecer e para a necessidade de acautelar o interesse público?

(iv) ignorou os alertas do MCTM?

Na sequência, acrescem ainda outras questões que seria útil serem conhecidas. O Estado foi notificado pela EDP para o exercício do direito de preferência? Foi avaliado o interesse no exercício desse direito? Por que motivo o Estado não exigiu nenhuma contrapartida pela realização do negócio, dado que o Estado é parte do negócio, como titular das concessões e também porque a sua autorização foi condição essencial para a EDP ter ganho uma mais-valia? Porque assinou, o Estado, uma adenda ao contrato de concessão, sabendo que uma das empresas que seria parte do negócio ainda não estava constituída? Porque aceitou que as concessões fossem transmitidas para uma empresa cuja idoneidade não foi avaliada pela APA nem pela DGEG, como a lei estabelece expressamente? Porque aceitou que esse concessionário tenha apenas um funcionário no seu quadro e não tenha assinado o contrato de concessão?

Finalmente, porque declarou o senhor ministro do Ambiente, no dia 28 de dezembro, que a venda das barragens foi um negócio societário que não estava sujeito ao pagamento do Imposto do Selo? Porque declarou o senhor ministro do Ambiente que as barragens não pagam IMI nem IMT, sabendo-se, como consta do contrato de concessão, que elas são bens privados, que constam do balanço da EDP, que é a sua titular? Porque declarou o senhor secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no Parlamento que os edifícios e construções que constituem os empreendimentos hidroelétricos são bens do domínio público, isentos do IMT e do IMI, quando se sabe, porque consta da adenda ao contrato de concessão, que são bens privados, cujo titular era a EDP, que agora os transferiu para a Cameríngia? Porque proferiram os dois responsáveis governamentais essas declarações e acrescentaram, na audição parlamentar de 27 de janeiro, que não conheciam os contratos feitos entre as empresas alienante e adquirente?

Em face das declarações proferidas, terá a Autoridade Tributária e Aduaneira, tutelada pelo Governo e, especificamente, pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, condições para auditar e desempenhar com autonomia a sua ação de inspeção e de investigação, sabendo que as entidades que a tutelam já declararam que não são devidos impostos pelo negócio?

Perante as dúvidas, parece evidente que é indispensável que o negócio seja investigado por entidades independentes e acima de toda a suspeita e condicionamento.


Esta energia que nos esgota

(Alexandre Abreu, in Expresso Diário, 06/06/2019)

Alexandre Abreu

Portugal tem uma das eletricidades mais caras da Europa, tanto em termos absolutos como relativamente ao poder de compra. Para o consumidor doméstico, o preço da eletricidade em Portugal no segundo semestre de 2018, expresso em euros por KWh, foi o sexto mais elevado da União Europeia. Em termos de paridade de poder de compra, Portugal lidera a tabela: tem mesmo os preços da eletricidade mais elevados de toda a UE.

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É também conhecido que estes preços extraordinariamente elevados estão associados a um peso anormalmente alto das taxas e impostos na formação do preço da eletricidade, o qual excede largamente a média dos outros países europeus. Isso deve-se em parte ao facto de, por iniciativa do anterior governo de direita e da troika, o IVA sobre a eletricidade ter passado da taxa de 6% para a taxa de 23%, apesar de se tratar obviamente de um bem de primeira necessidade. O governo atual reduziu novamente a taxa de 23% para 6%, mas apenas para o termo fixo e apenas no caso da potência contratada mais baixa, o que está muito longe de ser suficiente.

Há porém uma outra parte, também contabilizada dentro dos “impostos e taxas”, que é ainda mais importante para a formação destas tarifas extravagantes e que constitui uma fonte de lucro inesgotável para as elétricas, principalmente a EDP: as rendas habitualmente designadas por CMEC, ou Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual, asseguradas pela incompetência e cumplicidade de diversos governos no decurso de um processo de privatização do sector feito à medida dos mesmos interesses que não se têm esquecido de premiar um corropio de ex-governantes com sinecuras nos seus órgãos de gestão. No âmbito dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito às rendas exessivas no sector da energia, o montante total destas rendas – na sua larga maioria suportadas pelos consumidores – foi estimado em muitos milhares de milhões de euros ao longo dos últimos vinte anos.

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É sabido, ainda, que as famílias portuguesas têm um dos níveis mais elevados de pobreza energética da Europa, para o que contribuem a ineficiência energética do edificado e a elevada dependência relativamente à eletricidade para regulação do conforto climático nas habitações, mas cuja causa mais decisiva não é técnica, mas económica e política: o facto das tarifas da eletricidade terem duplicado desde a privatização, alcançando níveis absurdos para o poder de compra da população. E nada disto é estranho ao facto de Portugal ter ainda um dos níveis mais elevados de mortalidade excessiva no Inverno em toda a União Europeia, apenas ultrapassado por Malta.

Nesta semana que passou, o responsável da Bosch em Portugal assinalou outra dimensão ainda do problema: o preço da eletricidade em Portugal, por ele qualificado como “exorbitante”, onera de forma significativa a estrutura de custos das empresas, principalmente as empresas industriais para as quais a energia é um insumo importante, e limita fortemente a sua viabilidade. As rendas extraídas por umas poucas empresas sanguessugas – e por uma delas, em particular – empobrecem diretamente as famílias, mas também constrangem fortemente a estrutura produtiva nacional.

Há um nexo triste que relaciona a forma promíscua como foi levada a cabo a privatização do sector elétrico, as rendas excessivas de milhares de milhões de euros, as tarifas extravagantes pagas pelos consumidores domésticos e empresariais, os constrangimentos ao desenvolvimento e qualificação da economia portuguesa, os níveis recorde de pobreza energética entre as famílias portuguesas de baixos rendimentos e os padrões de morbilidade e mortalidade excessivas no nosso país. É a história de um capitalismo de compadrio desumano e medíocre.


O senhor mil milhões

(Francisco Louçã, in Expresso, 18/05/2019)

Francisco Louçã

(Os meus parabéns a meia-haste ao Louçã, pelos três temas que aborda neste artigo. São os berardos-comendadores que vem já do tempo do Eça e por ele retratados com finura de mestre; são os artifícios – legais ou não -, a que, de forma subterrânea, grandes interesses privados recorrem para fazer vergar o Estado tornando-o numa espécie de cobrador de dízimos que depois lhes entrega, limpinhos e sem osso. É o caso dos tais activos por impostos diferidos para a Banca – um ROUBO a céu aberto aos contribuintes -, e das rendas excessivas da energia, outro ROUBO mas mais em céu nublado…

Assim sendo, qual a razão para parabéns só a meia-haste? É que há um denominador comum que enlaça os três casos e que Louçã nunca refere no seu artigo: chama-se “capitalismo”. Sim, “capitalismo” é um sistema económico de organização das sociedades onde os três casos referidos são triviais, fazendo parte da natureza íntima do sistema. Não dizer isso é ficar pela crítica dos epifenómenos sem se criticar a causa última que os determina.

Está na moda esta ausência de crítica sistémica. Até parece que o capitalismo já não existe – não passando de uma invenção de Karl Marx -, tendo morrido em 14 de Março de 1883, data da morte do mesmo Marx.

Comentário da Estátua, 18/05/2019)


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Na viragem para o século XX, a figura dominante da finança portuguesa era Henry Burnay, nascido em Lisboa de pais belgas. Fez carreira numa agência financeira, casou-se com a filha do dono, acumulou fortuna com especulação com dívida pública (comprou por tuta e meia títulos de dívida do pretendente derrotado, D. Miguel, e cobrou-os pelo valor nominal) e com negócios coloniais. Investiu em transportes e no Banco Nacional Ultramarino. Do seu palácio da Junqueira, dirigiu um império e, quando morreu, era um dos homens mais ricos da Europa.

Bordalo Pinheiro caricaturou-o, Fialho de Almeida chamou-lhe o “pulgão polimórfico” e a imprensa, mais respeitadora, o “Senhor Milhão”. Mas foi Eça quem dele deixou o retrato mais completo, como o banqueiro Jacob Cohen, “um homem baixo, apurado, de olhos bonitos, e suíças tão pretas e luzidias que pareciam ensopadas em verniz, (que) sorria, descalçando as luvas, dizendo, que, segundo os ingleses, havia também a gota de gente pobre; e era essa naturalmente a que lhe competia a ele…”. “Os Maias”, onde se conta a história, concentram-se nos amores entre João da Ega e Rachel Cohen, mas também levantam o véu do negócio do banqueiro. Ei-lo num jantar de gala:

“— Então, Cohen, diga-nos você, conte-nos cá… O empréstimo faz-se ou não se faz?

E acirrou a curiosidade, dizendo para os lados, que aquela questão do empréstimo era grave. Uma operação tremenda, um verdadeiro episódio histórico!… O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar absolutamente. Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta — cobrar o imposto e fazer o empréstimo. E assim se havia de continuar…

Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a banca-rota.

— Num galopezinho muito seguro e muito a direito, disse o Cohen, sorrindo. Ah, sobre isso, ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios ministros da fazenda!… A banca-rota é inevitável: é como quem faz uma soma…

Ega mostrou-se impressionado. Olha que brincadeira, hein! E todos escutavam o Cohen. Ega, depois de lhe encher o cálice de novo, fincara os cotovelos na mesa para lhe beber melhor as palavras.

— A banca-rota é tão certa, as coisas estão tão dispostas para ela — continuava o Cohen — que seria mesmo fácil a qualquer, em dois ou três anos, fazer falir o país…”

Pois foi na bancarrota que Burnay fez o seu melhor contrato. Como intermediário do sindicato bancário que deu crédito ao Governo, exigiu a contrapartida mais rentável, o monopólio dos tabacos. Durante 25 anos foi o seu tesouro. Ele sabia como se podia fazer falir o país em dois ou três anos e cobrou pelo seu poder. Ficou rico como Midas. A fama era merecida, contam os jornais da época que, para apoiar Alfredo da Silva na disputa pela CUF, Burnay chegou a uma assembleia geral e correu “dinheiro a rojos”. O poder do Senhor Milhão era imenso.

Discute-se agora em Portugal como se ergueu a fortuna do nosso novo Senhor Mil Milhões. Um pouco mais atabalhoada, é certo, a sua fortuna é dívida, mas é comendador e os bancos emprestavam sem perguntar. Pode, portanto, criticar-se tudo a Berardo, que se expôs como o pato feio da fábula, mas o que não se pode ignorar é o retrato dessa elite que, entre negócios e oportunidades, foi amassando fortunas do século XIX até hoje. Não se admire, então, que ele se ria de nós todos, ele sabe porquê.


Outra bomba orçamental e contas certas

Se lhe disserem que a contabilidade e a fiscalidade são coisas aborrecidas, desconfie. É onde se escreve a poesia das estrelas, onde se desenha a seta do progresso, onde reluz a beleza da criatividade. Mas, mesmo reconhecendo estas evidências, dificilmente estaríamos preparados para conceber essa maravilha da tecnologia, que digo eu, da gramática da civilização, que são os Ativos por Impostos Diferidos. Nem me diga que não sabe do que se trata, se for o caso esconda essa ignorância, a sua família não pode saber, que desprestígio. Aqui tem então uma prestimosa ajuda para a sua conversa no almoço de domingo.

Estes ativos por impostos diferidos (AID) foram inventados quando os bancos se queixaram de que as autoridades tributárias atrasavam a contabilização das imparidades, que registam os seus prejuízos em algumas operações, para as verificarem. O efeito seria que os bancos pagariam mais IRC do que o devido, dado que alguns prejuízos não entravam logo na conta do ano. Assim, reclamavam que o imposto excessivo lhes fosse depois devolvido. Parece normal, não parece? O artifício entra agora. Estes valores, a descontar do imposto a pagar nos anos seguintes, passaram a ser registados como capital, para facilitar a vida aos bancos e maquilhar as suas contas. Ora, a Comissão Europeia não gostou do truque, só utilizado em Portugal, Itália, Espanha e Grécia, e determinou o seu fim, tanto mais que, no contexto da recessão, com as falências de empresas e famílias e a perda de créditos, muitos bancos passaram a ter prejuízo e portanto não tinham como abater estes valores aos seus impostos, dado que deixaram de pagar impostos.

O governo PSD-CDS fez então um milagre: redefiniu estes AID como direitos irrevogáveis e reinstituiu-os como uma forma de capital, que soma agora 3840 milhões de euros. Como no jogo da vermelhinha, isto anda tão depressa que podemos não ver o que se passa, mas resume-se assim: os bancos ficaram com o direito de contar como capital e até de pedir a devolução ao Estado de um imposto que nunca pagaram. Já pediram e receberam 240 milhões e estão agora a exigir mais 150, mas a fatura ainda vai no adro. Contas certas, pois claro.


Contas certas para a gente certa

Era uma bomba orçamental, um pavor para as contas públicas, Portugal ia voltar a pedir de mão esticada pelas esquinas de Bruxelas, tudo por mor dos tais duzentos milhões que seriam o custo da contagem do tempo de serviço dos professores, cumprindo a lei (que não foi alterada, pois não?). Se bem me lembro, esse incidente foi no século passado e uma boa carga de cavalaria à espadeirada acabou com a insurreição. Mas há pior e chamo-lhe a atenção para o que se veio agora a saber, no nosso século: a Comissão de Inquérito às Rendas Excessivas da Energia aprovou o seu relatório final e fez contas a uma bomba orçamental que existe mesmo e até já está a explodir.

A lista é um exemplo do que têm sido as contas certas de vários governos. Temos primeiro os ganhos ilegítimos obtidos no âmbito dos Contratos de Manutenção do Equilíbrio Contratual, um nome que é todo um programa e que, segundo a entidade reguladora e a Comissão, foram de 510 milhões. Temos depois os ganhos ilegítimos pela extensão da operação de Sines autorizada pelo governo PSD-CDS, 951 milhões até 2025. Somam-se os ganhos excessivos das eólicas, reconhecidos pelos produtores, que aceitaram pagar uma parte, 200 milhões, amealhando o resto. Vem ainda a mais-valia da EDP com dívida tarifária, 198 milhões entre 2008 e 2017. Acrescente subsídios indevidos ao investimento em barragens, estes inventados por governo PS, e vão mais 52 milhões. Mas há mais. Conte agora o pagamento da interruptibilidade a empresas industriais, que custou já 727 milhões desde 2010. Abuso de posição de monopólio pela EDP e vão outros 73 milhões, segundo o regulador. Chegam agora os requintes de imaginação criativa: a REN cobra aos consumidores uma renda pelo seu próprio uso de terrenos públicos, são 80 milhões desde 2006. E a cereja em cima do bolo: se tivessem sido adotadas as medidas recomendadas no programa de ajustamento para reduzir as rendas, até 2020 isso significaria 2048 milhões, dos quais 718 milhões na conta da EDP.

Como, aqui chegados, já percebeu o nervosismo das empresas que ameaçam processos judiciais se o relatório for aprovado (e nem sequer se sabe se o Governo mexerá um dedo para recuperar estas rendas excessivas), já tem a resposta à pergunta sobre as contas certas. Sim, tem havido contas certas, mas para as empresas certas. Se é consumidor e paga impostos, esqueça, é melhor nem saber quem lhe vai à carteira.