O PSD, a Justiça e o surpreendente silêncio das esquerdas

(José Luís S. Curado, 18/02/2019)

TITANIC2

Certamente que pela matéria da organização do poder judicial, genericamente, passam muitos temas sensíveis para o que é comum chamar, e bem, de corporativismo.

Mas essa doença não atinge apenas os magistrados, dentre os que sem inocência Laborinho Lúcio começou a chamar “operadores” judiciários, igualando no mesmo caldeirão magistrados e funcionários, a que entretanto se juntaram conservadores, notários e a inquietante inovação dos agentes de execução, segundo passo (com o notariado) de uma verdadeira privatização da justiça, tudo com uma brutal escalada de custos, de dificuldades na acessibilidade e acompanhado de sinais preocupantes de indiferente burocratização no tratamento de assuntos tão sensíveis e dramáticos como a família, a violência doméstica, os menores e, cereja sobre o bolo, erros palmares na jurisprudência de todas as instâncias e inadequação das intervenções dos Conselhos Superiores, cuja missão é a gestão e disciplina das magistraturas e (parece esquecer-se) dos funcionários judiciais, que dispõem inusitadamente de um órgão semelhante.

A simples enumeração destas matérias (deixando de fora a da execução das penas em geral, que é crucial) dará a noção de que os tais poderes corporativos valem no interior de um quadro funcional que carece de uma urgente reorganização, a todos os níveis.

Quando se vê a justiça como uma simples questão de férias judiciais ou de salários, que são menores no contexto dos problemas, pode ganhar-se a antipatia mas deixa-se incólume toda a teia de um poder que é necessário recolocar ao serviço do povo.

Talvez o último razoável ministro da Justiça do Portugal democrático tenha sido Eduardo Correia, sem esquecer Almeida Santos que o foi brevemente de jure mas o foi de facto em inumeráveis governos na delicada tarefa, agora abandonada a equipes “S. de A.” de imbecis iliteratos ornados de MBAs, da elegante mas estrita tessitura do acto legislativo.

E concluo com uma interrogação: será que este pobre Titanic da Justiça vai para o fundo sem apelo nem agravo, com gente estranha na ponte, com os solistas da orquestra da esquerda a tocar num estranho uníssono o silêncio das valsas de Strauss? Haverá lealdades que valham tal naufrágio, meus senhores?

As Ordens – Ainda estamos na Idade Média?

(Por Vítor Lima, 09/02/2019)

ordens1

 

Aproveito o texto do Pacheco para sublinhar uma questão pouco colocada no seio da estreiteza intelectual e política que se vive na paróquia lusa. A questão das ORDENS PROFISSIONAIS, essa emanação corporativa de tempos medievais, onde o acesso a uma profissão já era resultante do poder dos mestres, sobre os seus familiares e ajudantes.

Se um Estado reconhece um diploma emanado das suas próprias instituições (tenho mais dúvidas em relação a instituições privadas de venda de diplomas), o diplomado deveria ficar livre de tutelas corporativas de grupos mais ou menos mafiosos de profissionais encartados que se arrogam ao direito de condicionar a entrada de jovens na profissão que escolheram e depois de tecnicamente tomados como habilitados a tal.

Os gangs que dominam as Ordens arrogam-se ainda ao direito de exigir estágios remunerados algures, que os jovens deverão encontrar (!! ) como acontece entre os psicólogos, pelo menos; para além dos estágios e formações tomados obrigatórios pelos oligarcas da profissão e pagos, claro, pelos estagiários e suas famílias; mesmo antes de exercerem a profissão, os jovens têm de estar inscritos na sua Ordem e pagar quotas mesmo que desempregados ou com empregos de merda (para utilizar a excelente expressão cunhada por David Graeber, pouco conhecido na paróquia)

Espanta, como num cenário político e económico tão neoliberal, com o sublinhar do empreendedorismo, da competitividade, existem Ordens de onde exala um fedor medieval e oligárquico. Salazar nunca conseguiu levar até ao fundo o seu projeto de “Estado Corporativo” e é interessante verificar a criatividade do regime pós-fascista (leia-se PS/PSD) no aprofundamento da ordem corporativa a muitas mais profissões do que Salazar conseguiu.

De memória, registo algumas dessas corporações. As dos advogados e dos médicos, empórios poderosos já vindos do salazarismo; e as novas, dos dentistas, dos psicólogos, dos enfermeiros, dos veterinários, dos contabilistas “certificados” (?) dos arquitetos, dos notários, dos biólogos, dos despachantes oficiais, dos engenheiros, dos veterinários, nutricionistas, solicitadores, agentes de execução. Há ainda uma para economistas mas parece que é apenas um espaço de encontros e debates entre gente livre.

É muito sentida a falta de Ordens para arrumadores de carros, condutores da Uber, canalizadores, eletricistas, reparadores das linhas telefónicas, pedreiros, vidraceiros… É injusta a discriminação!

Acho que este texto deveria ser autonomizado e publicado na Estátua de Sal para que todos o possam ler e discutir; talvez, em contrapartida de tantas cópias vindas da pobre imprensa portuguesa, colocadas à disposição dos leitores da Estátua.


(N.E. – A Estátua aceitou o repto/conselho e aqui está o texto)

Querem-nos ignorantes

(Pedro Marques Lopes, in Diário de Notícias, 05/01/2019)

pml

Pedro Marques Lopes

Em outubro do ano passado, cientistas avisaram que o consumo excessivo de carne está a causar uma catástrofe ambiental. É fundamental que o consumo de carne de vaca seja reduzido em 90% e o de carne de porco e de leite e seus derivados baixe drasticamente. A desflorestação para a criação de gado, com as emissões de metano pelas vacas e a utilização de fertilizantes cria tantas emissões de gás com efeito estufa como todos os carros, camiões e aviões juntos.

Estes dados constam de um artigo recentemente publicado no The Guardian. São apenas alguns poucos dados da imensidade de provas científicas do que o excessivo consumo de carne está a fazer ao nosso planeta.

Pode haver quem pense que não há novidade nenhuma em mais um artigo como o referido e que não faltam filmes, documentários e tratados científicos a abordar o tema. De facto, não há nada de novo, mesmo nada. Sobretudo a pouquíssima divulgação nos principais órgãos de comunicação social de tudo o que diz respeito a este tema e o olhar para o lado do poder político.

A nuvem de silêncio sobre as consequências para a humanidade, para o nosso habitat comum do consumo de carne é absolutamente chocante. Só tem paralelo com a pouquíssima divulgação dos crimes ambientais diários e o olhar indulgente, como se opções corriqueiras fossem, para decisões políticas dos mais importantes líderes mundiais que estão a condenar o futuro da própria existência do homem.

Por esta altura já não me restam grandes dúvidas: há, por ação ou omissão, uma vontade política em ignorar os problemas que o excessivo consumo de carne acarreta. Claro que a tarefa de mudar hábitos alimentares, costumes milenares, uma inteira cultura ligada ao consumo de carne é brutal e leva muito tempo, mas é urgente e exige não só ações políticas decididas como enormes campanhas de sensibilização. O facto é que nada disto está a ser feito, pelo contrário. A questão é simples: queremos ter um mundo para os nossos descendentes ou queremos destruí-lo?

Vivemos num mundo em que a propaganda contra o consumo do tabaco é gigantesca, em que drogas incomparavelmente menos prejudicais para a saúde do que as bebidas alcoólicas ou o tabaco são proibidas, ao mesmo tempo que somos inundados de publicidade para que comamos mais carne e derivados de leite. Ou seja, em vez de se promover a informação de que o excessivo consumo destas substâncias está a destruir o nosso mundo, incentiva-se o seu consumo como se fosse algo de bom.

Há aqui também algo de profundamente pernicioso, uma espécie de ideologia destrutiva da ideia de casa comum. Um cuidado extremo com o indivíduo coexiste com um desprezo olímpico pela comunidade. O indivíduo deve ser são, o meio onde ele vive pode ser destruído. A força das grandes empresas, não só na capacidade de influenciar os governos mas também toda a comunicação, meios tradicionais e redes sociais, é uma parte fundamental do problema.

Que governo se atreve a olhar para a indústria de criação de gado ou leiteira e restringir seriamente a sua atividade? Lá está, impostos, empregos, bem estar presente. Que meios de comunicação social podem pôr em causa grandes empresas de distribuição ou redes de restaurantes sem correr o risco de porem em causa a sua própria sobrevivência financeira? E, claro, essas grandes corporações têm uma capacidade para manipular as redes sociais e até usá-las como forma de vender as suas verdades. Que partidos nos países mais industrializados podem deixar de ser apoiados por lóbis tão fortes como os das indústrias das carnes, dos laticínios, dos fertilizantes ou dos grandes laboratórios?

Vivemos uma espécie de beco sem saída. O poder político demitiu-se de olhar para o futuro da comunidade e foi substituído por um poder económico que apenas pensa no lucro imediato. Nunca tão poucas empresas e lóbis associados tiveram um poder tão avassalador.

A mais importante questão política dos nossos tempos é o problema ambiental e todos os aspetos com ele relacionados. Se não o atacamos não falaremos mais sequer de política porque não teremos comunidade, nem mundo, nem pessoas. E o facto é que é tratado como um problema de terceira categoria pelos governos e, sobretudo, por nós cidadãos.

Por mim, a minha decisão para o novo ano é tentar não comer carne. Custa, mas eu gostava que os meus filhos, netos e bisnetos tivessem um planeta para viver. E gostava que eles vivessem com os seus, caro leitor. Bom ano.



O MEL

No próximo fim de semana, um conjunto de pessoas reúne-se em Lisboa com um objetivo mal disfarçado: lançar as bases para formar um partido. É o projeto que vem sendo anunciado por alguns como a refundação da direita. Por enquanto chama-se Movimento Europa e Liberdade, MEL. Reúne gente do CDS que já percebeu que o partido nunca passará da cepa torta (onde se inclui Assunção Cristas), pessoas do PSD que já não são do PSD mas que se aproveitam do partido para poderem promover a sua própria agenda e vários órfãos do passismo de vários setores. Nada contra a iniciativa destas pessoas. Pelo contrário. Novas iniciativas político-partidárias, mesmo que disfarçadas, são um sinal de vitalidade da democracia.



Vale tudo?

Na quinta-feira, Mário Machado, condenado por vários crimes, líder de um movimento de extrema-direita e divulgador de mensagens de ódio, racistas e xenófobas, foi entrevistado no programa da manhã da TVI de que Manuel Luís Goucha é autor e apresentador. Houve também uma espécie de inquérito de rua onde se perguntava às pessoas se precisaríamos de um novo Salazar. Entretanto, a página de Facebook Manuel Luís – TVI lançava uma sondagem com a pergunta: “Acha que precisamos de um novo Salazar?” Das duas uma: ou o Manuel Luís Goucha e a TVI estão tão desesperados com as audiências que resolveram dar espaço a promotores de ódio, a publicitar ideias fascistas e a desculpabilizar um ditador, ou uma pessoa com a importância mediática do apresentador e a direção da TVI não têm a noção da responsabilidade que é gerir um canal de televisão e do poder de que desfrutam. Francamente, a segunda assusta-me mais.