(Joaquim de Freitas, in Facebook, 26/07/2022)

Confesso que não sei quem é, nem sei se canta bem ou mal, se diz alguma coisa nos seus textos. Porque no texto duma canção, pode dizer-se muito…ou nada! Pode-se, por exemplo, inflamar um povo com o nome duma terra, morena de preferência!
Não é do meu tempo de artista… Porque também cantei…em público! Era o Zé Povinho… Mas os textos eram censurados antes de passar ao microfone, ali no Jardim Público!
Mas segundo o que li aqui mesmo, o Sr. Abrunhosa é um artista. E tem uma opinião politica, sobre a Ucrânia e não só. E tem todo o seu direito. Tem direito a exprimir-se. Tem direito a apoiar Zelensky e detestar Putin. Sem dúvida.
Tem direito a apoiar os nazis dos batalhões de Azov e do Setor Direito. Tem direito a apoiar os assassinos que durante 14 anos estupraram mulheres e crianças no Donbass, assassinaram sindicalistas na Casa dos Sindicatos de Odessa, à qual pegaram o fogo, queimando vivos algumas dezenas de ucranianos, porque falavam russo… E assassinaram 14 000 outros de todas as maneiras, incluindo tortura. Porque eram separatistas. Porque não aceitaram o golpe de estado de 2014, que os americanos cuidadosamente prepararam de longa data.
O Sr. Abrunhosa é um artista. E os artistas têm uma alta ideia da democracia. E para eles, e outros, a América seria a Democracia.
Mas a democracia, por vezes não está domiciliada onde pensamos. Ele, como muitos portugueses, pensa que é em Kiev que a democracia respira. Que importa se os partidos da oposição foram banidos, a imprensa calada, e mesmo se a Procuradora da Justiça foi “expurgada”, bem como algumas dezenas de colegas ministro? Não compreendeu, Abrunhosa, que não é por os EUA dizerem que representam os altos valores da democracia que estão impedidos de puxar todos os cordelinhos que trouxeram a Ucrânia para o desastre atual. Vimos o Iraque, o Vietname, o Afeganistão, a Síria, a Líbia, etc.. O Chile, o Panamá, a Guatemala, etc.
Ora, por falar de artistas, pensei num, um verdadeiro, cujo nome conheci quando era garoto. O seu talento artístico deu a volta ao planeta. Falo de Charlie Chaplin. Foi um exemplo de combatente da democracia. Os seus textos diziam muito, diziam mesmo tanto que um dia a “pátria da democracia”, onde vivia, “o farol dos direitos humanos”, o considerou suspeito de se posicionar do mau lado da barricada da liberdade. Porque nesse país farol, só se pode pertencer a um campo: o do pensamento único.
Convencido de que Charlie Chaplin estava a soldo de Moscovo, J. Edgar Hoover, o chefão do FBI, nunca deixou de o espiar durante trinta anos na tentativa de revelar as suas atividades “antinacionais”. Durante 50 anos, Charlie Chaplin foi vigiado, a sua vida privada escrutinada, as suas contas desfeitas, os seus filmes analisados nos mínimos detalhes pelo FBI, convencido de que esse estrangeiro, que fizera a sua fortuna nos Estados Unidos, tinha simpatias comunistas.
Após 50 anos de caça obsessiva, o dossiê de Chaplin chegou às 2.000 páginas. O primeiro memorando data de 1922 e a última nota de 1978, um ano após sua morte. Um homem em particular estava convencido de que Chaplin era perigoso para os Estados Unidos: J. Edgar Hoover, diretor do FBI durante 48 anos, racista, sexista, homofóbico, mas acima de tudo visceralmente anticomunista. Ou como hoje se diz, russofóbico.
O duelo entre o jurista e o artista é reflexo das correntes ideológicas que então dilaceravam os Estados Unidos. Como hoje o nazismo nas ruas de Charlotteburg. Ou em Kiev…
O filme “Tempos Modernos” de 1936, uma crítica severa ao capitalismo desumano, irrita particularmente políticos e lobbies conservadores, mas o filme atrai o público e as contas do cineasta são irrepreensíveis: nada indica que ele contribua para a causa comunista.
Se nega ser comunista, Chaplin, no entanto, tem opiniões que ofendem o patriotismo americano, como o monólogo final, humanista e pacifista, em o “Ditador” (1940). Pacifista! Quando tantos preferem a guerra!
Em 1952, em Londres, quando apresentou o seu filme mais autobiográfico, “The Limelights”, ‘Luzes da Ribalta´, o seu sorriso era tenso. Charlie Chaplin acabava de saber do cancelamento de seu visto de regresso aos EUA pelo procurador-geral, James McGranery. E ele então disse: “Se voltarei ou não a esse triste país, pouco importa para mim. Eu quero dizer-lhes que quanto mais cedo me livrasse dessa atmosfera odiosa, melhor me sentiria, pois estou cansado dos insultos e da arrogância moral da América.”
Se ele soubesse o que se passa hoje! Hoje, um pequeno actor insignificante (Zelensky), apoiado pelo mesmo espírito nazi de outrora e pela América, exige na Europa que o Mundo marche para o Apocalipse, para esquartejar a Rússia.
Juntamente com alguns outros, incluindo Orson Welles e a escritora Pearl Buck, Prémio Nobel de Literatura em 1938, Charlie Chaplin acha que a Rússia deve ser aliviada na sua luta contra o nazismo abrindo uma segunda frente. Ele mesmo tornou explicitou isso mesmo em 1941. Convocado para substituir o embaixador dos Estados Unidos na URSS durante uma reunião organizada pelo Comité de Apoio Americano ao Alívio de Guerra na Rússia, Chaplin convocou 10.000 simpatizantes com um vibrante “Camaradas”.
A sua queda de popularidade nos Estados Unidos foi, então, sem precedentes. Só na década de 1960 é que os seus filmes recuperaram os favores do público, e em 1972 veio a ser perdoado por Hollywood que lhe concedeu um Óscar honorário. A ovação de pé durou doze minutos, e foi a mais longa da história da Academia. Chaplin não pisava o solo americano há 21 anos.
O seu combate contra o fascismo e o nazismo fizeram de Charlie Chaplin, a consciência da Humanidade.