O dia zero da candidatura de Passos a Belém (a propósito da eutanásia)

(Ana Sá Lopes, in newsletter do Público, 10/12/2022)

(Também convémn voltar, de vez em quando, à “pequena política nacional”. Esta de que o Passos se prepara para nos melgar de novo merece um grito de alerta às hostes. E nada melhor que este: Vade retro, Satanás!

Estátua de Sal, 10/12/2022)


Caro leitor, cara leitora:

A lei da eutanásia lá foi aprovada, como se esperava, apesar de mais uma tentativa de adiamento do Chega, agora acompanhado pelo PSD.

A proposta de referendo-à-última-hora com que o PSD surpreendeu o país pareceu uma bizarria. A verdade é que, sendo a maioria dos deputados do PSD a favor do referendo – como se viu na votação da proposta do Chega –, Luís Montenegro não se preocupou com o assunto até à véspera da aprovação. Um bocado absurdo, vamos lá, mesmo que Luís Montenegro defenda o referendo à eutanásia há “dez anos”, como o próprio diz, ou pelo menos desde 2017, segundo os registos.

Posso estar totalmente enganada, mas ao ler o artigo que Pedro Passos Coelho publicou no Observador, acho que percebi melhor o que aconteceu a Luís Montenegro para desejar “mostrar serviço” em cima do acontecimento. Deve ter-se apercebido do trovão que se aproximava e achou que tinha que mostrar uns pós de iniciativa política. E daí a proposta de referendo à última hora.

Passos Coelho é contra referendar a eutanásia e não é o primeiro artigo que escreve sobre o assunto. Mas, com as críticas que deixou à direita por não ter tido iniciativa na luta contra a eutanásia, desafiando uma frente unida a pedir que a lei venha a cair, no fundo apresenta-se como o homem que, no futuro, irá corporizar a defesa da reversão da lei. O mais provável é que seja em Belém, embora alguns no PSD ainda acreditem que voltará a ser candidato à liderança do partido.

As frases de Passos Coelho são duras contra a actuação da sua família política: sem nomear o PSD, critica que não tenha uma “posição de fundo sobre a matéria” e propõe a reversão no futuro: “Era bom que se soubesse que haverá quem não se conforma nem desiste de, no futuro próximo, pôr em cima da mesa a reversão da decisão que o Parlamento se prepara para tomar, como numa democracia madura”.

É verdade que deram jeito ao Chega, com Ventura a ironizar com o PSD, que deu liberdade de voto aos seus deputados, e que, apesar de a maioria ter votado contra, decidiu não fazer a tradicional declaração de voto. Ventura fez e assumiu o compromisso de fazer o que pediu Passos Coelho: “O antigo líder do PSD pediu o compromisso assumido de todos os partidos de direita para que revertam a decisão. Não é militante nem presidente do Chega. Aceito o desafio, assim outros o façam”. Montenegro não disse o que faria e teve o seu primeiro embate de frente com o antigo primeiro-ministro, de quem foi líder parlamentar. Passos não prometeu que “iria andar por aí”, como um dia Santana Lopes, mas já anda.

Hoje foi o dia zero da candidatura de Passos Coelho a Belém, semanas depois de Marcelo ter prenunciado a sua candidatura, como fazia nos tempos em que era comentador. Não sei se Passos tem votos suficientes para ser eleito Presidente da República – até porque os socialistas estão há 20 anos de fora do Palácio de Belém e agora deveriam estar a esmerar-se para um regresso.

Falta muito tempo, é certo. E se não sabemos o que nos acontece daqui a um mês, ou mesmo amanhã, discutir cenários sobre presidenciais é uma coisa que me delicia (temos que confessar que delicia todos os jornalistas de política, esses seres que muita gente detesta ou pelo menos considera um bocado esquisitos, da mesma forma que também vêem os políticos) na plena consciência de que num instante tudo muda. Esta frase era o “mantra” do i, o jornal onde trabalhei de 2009 a 2018, e é uma perfeita definição da vida, incluindo da vida política.

Mas, com todos os riscos que comporta fazer previsões a quatro anos em política, parece neste momento claro que, caso Passos Coelho se candidate a Presidente da República, terá o apoio de André Ventura. Irá federar a direita, quase de certeza. Resta saber onde está quem possa federar a esquerda – as sondagens para o protocandidato Augusto Santos Silva não indiciam qualquer vitória. E não vale a pena o PS recordar ou tentar consolar-se com os 8% com que Mário Soares, que no dia 7 de Dezembro passado faria 98 anos, partiu para a candidatura presidencial de 1986. Só mesmo Mário Soares para poder inverter aquilo e o modelo foi descontinuado.

Tenha um bom fim-de-semana.


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Um pensamento sobre “O dia zero da candidatura de Passos a Belém (a propósito da eutanásia)

  1. Qual o problwma de ter um Presidente da Direita? Esse cargo muda alguma coisa? Sim, Marcelo teve o poder de fazer um mini golpe de Estado em vez de exigir um segundo orçamento. Mas as condições para tal, e para os resultados que se seguiram, foram feitas por ele, ou pelos vigaristas do PS e sua imprensa política?
    E as condições dos Portugueses, mudaram alguma coisa ao passar de Soares e Sampaio para Cavaco e Marcelo?
    Não. O que fez mesmo a diferença foi a relação de forças no Parlamento.
    A Geringonça foi possível mesmo no mandato de Cavaco, que passou os seus últimos dias a engolir sapos.

    Como a Ana diz, esta conversa até pode animar pessoas como ela, mas interessa zero ao comum dos mortais.
    É um eleição pessoal, de vaidade, uma espécie de prémio carreira com pouco mais que poderes simbólicos.
    Até para viajar o Presidente precisa de aprovação do Parlamento.
    E convenhamos que é assim mesmo que tem de ser, num regime onde a figura do “impeachment” está ausente.

    O PS vai continuar a ser de Direita, escolhendo um Santos Silva. A Esquerda vai continuar a ser sectária, escolhendo cada um o seu candidato. Os partidos pequenos continuarão na irrelevância, escolhendo apoiar este ou aquele, com os eleitores a esquecerem quase que esses partidos existem.
    E a Direita continuará a escolher gente ruim (tal como o PS), sobrando a escolha para o menos mau.

    E de uma coisa tenho ainda mais certeza: se Passos for o paladino das Direitas encostadas, então isso vai federar a Esquerda. Quem quer que seja o candidato escolhido pelas “elites” direitolas do PS, ganhará nesse cenário.
    Vão passar a campanha toda com o “papão” das políticas de Passos, vão dizer que o candidato do PS é em simultâneo “muito de Esquerda” e “o mais moderado”, e se forem à segunda volta contarão com todos os votos que ainda existam no PCP e BE, e ainda de vários portugueses abstencionista ou independentes que, perante o “papão”, sairão de casa para votar “útil”.

    Nesse cenário, o PS podia até apresentar o sapo Cocas ou o Batatinha, o Tino de Rans ou mesmo o Sócrates.
    Isto é uma filme sem história, cheio de déjá via e clichés. Ou não fosse a eleição no país do povo mais impreparado e teimoso da Europa, mais facilmente enganado e corrompido pelos aparelhos dos grandes partidos e pela manipulação social (ala mainstream merdia), que votam sempre igual, por mais que os de sempre os andem a enganar e a fornicar.

    Há quem defenda a soberania e a Constituição, e há quem defenda “a Europa” e as “regras do €uro e dos mercados”. Ora, como na máquina de propaganda deste vassalito da NATO só existem artigos, programas e “noticiários” a defender a segunda opção, adivinhem lá quem ganha as eleições…

    Cavaco tinha muita razão numa coisa, quando torceu o nariz ao mesmo tempo que dava posse a A.Costa apoiado pela Geringonça, parafraseando: só podem governar se forem a favor de tudo o que o regime (as “elites” corruptas e fachas e donos disto tudo sem mérito algum) e os tratados (os nossos donos NeoCon e NeoLib, que residem em Washington, Bruxelas e Frankfurt) defendem”.
    Portanto se nesta colónia/parvónia as eleições legislativas já decidem pouco ou nada, porque não de se preocupar e perder tempo a discutir quem ocupa o cargo de “mini rainha de Inglaterra” em Belém?

    Aqui onde estou, para onde fugi, discute-se se os aumentos salariais serão só iguais à inflação ou se terão de fazer greves para paralisar tudo.
    Em Portugal como é? De miséria em miséria, e sempre na apatia, quem faz greve é “extrema esquerda”, e o encontro entre fascistas e colaboradores de fascistas chama-se “Consertação Social”.
    Num país assim em morte lenta e sem qualquer futuro, que diferença faz quem é que se segue no cargo dos afectos e das selfies?

    Diferença faria se discutissem a queda do regime, ou pelo menos do establishment que apodreceu o regime ao longo de 30 anos, desde Maastricht: “preparação” para o €uro, princípio do fim da soberania, e NeoLiberalização. Mas se eu for a uma rua Portuguesa e disser isto, 99.9% de quem passar por mim, nem faz ideia do que estou a falar. Já se eu lhes falar em bola e seleção, todos têm opinião.
    É um povo sem emenda.

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