Os passeadores de cães — e a vida de cão

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 07/10/2022)

Novas formas de organização da sociedade geram novas atividades. As sociedades de serviços e informação geraram prestadores de serviços interpessoais adequados, uberistas personal trainer, influencers, famosos de marca branca, entre tantas. Uma delas é a de passeador de cães. Pessoas que são pagas para passear os cães dos que compraram cães porque gostam muito de cães mas não têm tempo nem paciência para os aturar e que alugam um prestador de serviços para o efeito. Entendo os passeadores de cães como os herdeiros dos cocheiros e chófer contratados por maridos demasiado ocupados nos seus negócios para satisfazer as esposas.

O tratador de cães tem por missão manter os cães sossegados, permitir que deem largas à sua energia em vez de ladrarem e, nalguns casos, até morderem. Os cães, enquanto passeiam, se cheiram, satisfazem as necessidades, levantam a perna aqui e ali, não interferem com a vida dos donos — que os franceses designam e bem, no meu entender, por maîtres e não por dono.

O passeador de cães está subordinado ao maître dos cães. Cumpre as suas orientações para que os cães não perturbem as atividades do seu mestre.

Do que já é público quanto às manobras políticas que desde 2014 têm sido conduzidas pelos Estados Unidos para alcançarem os objetivos estratégicos que o Conselheiro de Defesa Zbigniew Brzezinski, definiu há 25 anos, após o fim da URSS, na conclusão do seu livro: «The Grand Chessboard»: “Está na hora de os Estados-Unidos formularem e porem em prática uma geoestratégia de longo prazo na Eurásia. (… ) O centro da Eurásia — espaço compreendido entre a Europa e a China só continuará a ser um “buraco negro” enquanto não for resolvido o seu papel na cena internacional”… O golpe designado como o da “Praça Maidan”, que depôs um presidente eleito regularmente e levou à eleição do atual delegado, numa manobra conduzida pela atual subsecretária de Estado — a que ficaria conhecida após a frase: “Fuck the EU” — e a preparação da entrada da Ucrânia na NATO, com o aluguer do território para instalação de bases militares na fronteira com a Rússia, elevaram os dirigentes europeus ao respeitável papel de passeadores de cães.

A nova administração da UE, com Ursula Van Der Leyen no topo, e com Olaf Scholz na Alemanha, acolitados pelos políticos topa a tudo — que tanto se benzem agora à virgem Maria como há uns tempos cerravam o punho a saudar Estaline — dos antigos estados satélites da URSS, e dos seus oligarcas, passou a ter por missão passear os cidadãos da Europa, União Europeia e Reino Unido. Assim passearam os cães pela frontaria de cartazes de futuras obras que os maîtres nunca pensaram realizar e que entretanto desapareceram da agenda europeia: questões do ambiente, transição energética, guerra da Síria e Líbia, migrações Sul-Norte, Palestina, a agenda social europeia, com um rendimento mínimo assegurado, uma nova política fiscal, a fome em 2/3 do mundo, as pandemias…

Graças aos passeadores de cães, todas estas questões desapareceram das preocupações dos cães — isto é, dos europeus. O que interessava era o que se estava a preparar na Eurásia, separar a Europa do seu continente de retaguarda, separar a União Europeia da Rússia, subordinar à viva força a União Europeia à estratégia dos EUA. Está feito. Os cães podem ser soltos?

Ainda não. Os passeadores de cães têm que aguentar as matilhas sob controlo pelo menos este Inverno, para ajudar o maître a manter-se na Casa Branca a tratar dos seus negócios, que incluem trocar os biscoitos das rações por armas que mantenham os cães na ordem. São os tais 2% do orçamento dos passeadores de cães para armamento.

Que pensarão os passeadores de cães — presidentes, os chefes de governo, ministros disto e daquilo, até dos negócios estrangeiros, da defesa e das finanças quando chegam a casa e se veem ao espelho? Terão consciência de que eles são, ou foram meros Lorenins para adormecer os cães enquanto os desviavam do que que iria ser o seu futuro?

Terão os passeadores de cães, nos seus carros topo de gama, nas reuniões do grupo de Arraiolos, dos sete, dos vinte, dos Bons, dos de Bildberg, de Davos, de Wall Street, que andaram desde 2014 a passear cães que daqui a uns tempos serão abandonados? Terão consciência que eles serão despedidos sem um thank you Ursula, ou Olaf, ou Macron, ou Draghi, ou Costa?

E nós, os cães, quer os que se julgam de raça, quer os que se assumem como rafeiros, como ficaremos? Já pensamos nisso ou continuamos a passear de nariz levantado?

Prevendo esta questão do abandono animal e dos riscos de surgirem matilhas esfomeadas, os sempre previdentes lordes ingleses e os seus jornais tabloides já descansaram os súbditos quanto aos cães da falecida rainha. Esses serão passeados por um príncipe da boa vida, Guilherme. Quanto aos outros estão bem entregues, a uma sucessora de Boris Johnson… A Inglaterra é uma sociedade classista.

Haverá quem garanta que a culpa do abandono da canzoada europeia à sua sorte será de um tal Putin, que estragou o passeio dos cães europeus. São os que se deixaram encantar pela bondade dos seus passeadores e dos seus maîtres. Os que gostam da vida de cão.

O que pensarão os passeadores de cães quando passeiam os cães?


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7 pensamentos sobre “Os passeadores de cães — e a vida de cão

  1. Grande Carlos Matos Gomes, grande Capitão de Abril! Escreve com um bisturi, não com uma caneta! Tecla com um martelo, não com os dedos! Porrada na criadagem! Porrada na sacanagem! Porrada nos cabrões, pardon my French!

    • Se me permitir, faço minhas as suas palavras. Os Matos chamam os bois pelos nomes. O Carlos Matos Gomes chama-lhes passeadores de cães, o Arnaldo Matos chamou-lhes putedo. Isto é de facto tudo um putedo. E peço desde já desculpa às profissionais pela comparação.

      Hoje os terroristas da ditadura Nazi/NATO da Ucrânia mataram 3 civis que atravessavam uma ponte Russa, entre a Rússia continental e a Russa Crimeia.
      O povo Russo, que não aceita ser passeado por ninguém, já exige a Putin que responda à altura: que não fique de pé uma única ponte na Ucrânia.

      Já alguém disse, não sei quem, mas tinha toda a razão, que a sorte da Europa em geral e da Ucrânia em particular, é a Rússia ser liderada por um homem super paciente e que se guia pela lógica em vez da vingança, que pensa no longo prazo e não faz ziguezagues por causa da espuma dos dias. Por isso amanhã as pontes no Dnieper ainda estarão de pé, mas hoje foi o princípio do fim da ditadura Nazi/NATO da Ucrânia…

      Por cá, os cães superficiais entretêm-se a chamar “democracia” ao golpe Nazi/NATO de 2014, e a chamar ditadura ou farsa aos referendos da Crimeia e Donbass.
      E eu só imagino o que seria da Europa, se a Rússia (e os 85% do Mundo não-ocidental) fosse tão má como nós: a esta hora a Catalunha e o País Basco já estariam cheios de tanques e outras armas para se defenderem da invasão Espanhola, a explosão de hoje teria sido no Eurotúnel, e todos os €urocéticos receberiam armas e formação militar para resistirem à farsa, essa sim uma farsa, do governo Europeu em Bruxelas, Estrasburgo, e Frankfurt.

  2. Quando oiço Gomes Cravinho, o nosso ministro dos negócios estrangeiros, convenço-me que ele fala para tentar a todo o custo dissipar as reservas mentais dos restantes membros do governo. Fala para dentro do clube, usando os grandes meios de comunicação pública para pressionar os seus colegas, mas de cistas voltadas oara o público em geral. Este, dentro de pouco tempo estará a ser esmiufrado até ao tutano pelo fiasco estrondoso da política externa do governo que se baseia exclusivamente nas sanções à Rússia. Alguns ministros mais atentos podem ter já apresentado a sua preplexidade e dúvidas fundamentadas, por exemplo, porque é que a Europa embargou o petróleo russo e os EUA não? Porque é que as pequenas empresas britânicas estão a falir a um ritmo nunca visto?
    Tratar o assunto por metáforas ou comparações incompreensíveis pela parte da população influenciada pela agressiva campanha propagandística dos meios de comunicação – ainda que gravemente afectadando os seus interesses – não ajuda, na minha opinião. Os partidos da Direita jâ esfregam as mãos de contentes porque não ignoram as consequências já visíveis da política seguidista do PS face às imposições do Departamento do Estado dos EUA e dos seus sequazes instalados em Bruxelas. Ora, os partidos da Direita não pensam fazer diferente do PS em matéria de seguidismo, não terão qualuer pudor em dizer, no dia seguinte a uma hipotética vitória eleitoral, como já demonstraram anteriormente, que ‘a situação mudou’ e que o cumprimento das promessas eleitorais se tornou impossível.
    Food for thought.

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