Coragem Bruno! Os cães ladram mas a caravana passa

(Bruno Amaral de Carvalho, in Facebook, 11/09/2022)

(Este é o testemunho de quem está lá, no terreno, arriscando a vida, um verdadeiro jornalista que relata o que vê e não aquilo que as agências de comunicação dos contentores da guerra escrevem como guião aos jornalistas e às televisões que controlam. Parabéns e coragem Bruno de Carvalho. E a prova é este mesmo artigo, isento, limpo e fundamentado.

Estátua de Sal, 12/09/2022)


Mafalda Anjos, directora da Visão, diz que é uma das mais espectaculares contra-ofensivas desde a Segunda Guerra Mundial. Luís Ribeiro, jornalista na mesma revista, pergunta se já fugi do Donbass e espalha a mentira de que a Ucrânia estaria já a bombardear o aeroporto de Donetsk. A ex-candidata presidencial e ex-eurodeputada do PS, Ana Gomes, diz, ironicamente, que espera que eu esteja a banhos na Crimeia e Mário Machado, líder neonazi, no mesmo tom, diz que é uma questão de tempo até eu ser apanhado. “Parabéns, vais ser o primeiro prisioneiro de guerra pró-russo de origem portuguesa”, escreveu.

Nos últimos dias, tenho estado em silêncio sobre a contra-ofensiva ucraniana na zona de Izium porque as informações que me chegavam eram muito contraditórias. Chegou a hora de fazer uma pequena análise sobre o que aconteceu partindo de diferentes elementos que fui recolhendo nos últimos dias.

Quando há importantes movimentos na linha da frente, agarramo-nos aos mapas. Localidades com nomes difíceis de pronunciar passam a fazer parte do nosso vocabulário. Nos últimos anos, a forma como as guerras são acompanhadas mudou muito. Se antes só os jornalistas e correspondentes militares faziam a cobertura dos combates, agora somam-se um elevado número de bloggers que proliferam nos canais de telegram, alguns deles com ligação directa a alguns comandantes e soldados no terreno. Há mais informação e, quando é demasiada, é difícil distinguir entre aquilo que é útil e inútil.

Parece claro que as forças ucranianas conseguiram distrair as tropas russas com uma manobra de diversão em Kherson e Zaporozhzhia. Isso fez com que a Rússia conduzisse um elevado número de unidades para aquela região da Ucrânia. Estas forças foram superadas em muito pelas tropas ucranianas na região de Kharkov. Para não perder combatentes de forma inútil, as forças russas e locais recuaram deixando para trás umas 20 localidades, cerca de 5% do território que a Rússia controla em toda a Ucrânia e Donbass.

Com a Ucrânia apoiada por combatentes estrangeiros, bem audíveis nalguns dos vídeos desta contra-ofensiva, e pelo armamento da NATO, as tropas russas sabem que já não combatem apenas contra um país. Algum do melhor material bélico, sobretudo artilharia pesada de alta precisão, é manobrado por especialistas estrangeiros. Esta tem sido, sobretudo, uma guerra de artilharia. Acresce também a especificidade do terreno na zona de Izium, mais arborizada do que noutras partes, num país praticamente despido de grandes florestas em que as estepes são a imagem de marca.

Segundo o jornal britânico The Guardian, a par da manobra de distração militar em Kherson e Zaporozhzhia, somou-se uma operação de desinformação. Nunca numa guerra a propaganda se fez sentir como nesta e a Ucrânia está, sem dúvida, a ganhar essa guerra à Rússia nos meios de comunicação social ocidentais. Algumas das melhores agências de comunicação do planeta trabalham para as forças ucranianas. Por exemplo, investigadores da Universidade de Adelaide, na Austrália, publicaram um artigo sobre a actividade de contas falsas no Twitter relacionadas com o conflito na Ucrânia (https://arxiv.org/pdf/2208.07038.pdf). Dos cerca de cinco milhões de tweets nesta rede social, entre 23 de Fevereiro e 8 de Março, entre 60 e 80% foram partilhados por contas falsas. Cerca de 90% dessas publicações eram pró-Ucrânia.

Para evitar mostrar aos jornalistas que não havia qualquer contra-ofensiva em Kherson, segundo o The Guardian, a Ucrânia insistiu num “regime de silêncio”, proibindo os órgãos de comunicação social de visitarem esta zona. Ao mesmo tempo, como afirmou Taras Berezovets, antigo conselheiro de segurança que agora faz parte do departamento de comunicação da brigada Bohun, que pertence às forças especiais, os poucos jornalistas na região foram usados como forma de espalhar essa mesma campanha de desinformação. Que as forças beligerantes usem a propaganda e a desinformação como arma de guerra é normal, que tentem manobrar jornalistas também é normal. O que não é normal é que os jornalistas o façam de forma consciente, sem qualquer autocrítica, assumindo um papel de activistas pró-Ucrânia ou pró-Rússia de bom grado.

Ainda como parte desta operação, as forças ucranianas “desmobilizaram” informadores russos que estavam em zonas controladas pela Ucrânia em Kharkov para impedir a troca de informações com as tropas russas. E o que significa “desmobilizar” informadores russos? “Os informadores foram quase todos limpos. Eram quase só civis ucranianos normais, mas havia alguns agentes russos disfarçados de civis”, explicou uma fonte do The Guardian.

A execução de civis sem recurso a julgamento parece ter passado a ser algo tão normal que este sábado as autoridades ucranianas anunciaram que vão passar a pente fino as localidades conquistadas e tratar de todos os colaboradores pró-russos. “O tempo da vingança chegou”, pode ler-se (https://t.me/DBRgovua/2747)​​. Recordemos que, apesar do desastre humanitário em que vive a população, o governo ucraniano aprovou uma lei que dá pena de prisão a qualquer civil que aceite receber ajuda russa: comida, água, roupa, etc.

Não há dúvida. O facto é que do ponto de vista militar, a Ucrânia conseguiu uma importante vitória. Ao contrário do que alguns comentadores dizem, não vai mudar o curso da guerra. Mas com o Inverno às portas e com a atenção dos europeus e dos norte-americanos a diminuir, sobretudo com as consequências das sanções sobre a Rússia no aumento do custo de vida e da energia, esta vitória permite um balão de oxigénio nas pretensões da Ucrânia de receber mais armamento dos seus aliados.

Quanto a mim, aqui continuarei mais algum tempo, para poder dar luz sobre o que acontece deste lado da guerra e para deixar nervosos aqueles que dos seus sofás em Lisboa preferem a propaganda à informação.


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5 pensamentos sobre “Coragem Bruno! Os cães ladram mas a caravana passa

  1. Relativizando: Herr Zelensky von Pandora Papers und Vogue atroa os ares com os 2000 quilómetros quadrados de território ucraniano retomados aos russos. Chiça! 2000 km2? Bué, não é? Bom, pelo sim, pelo não, o melhor, como diria o Guterres… é fazer as contas. E o que dão elas? 2000 km2 equivalem a um quadrado com 45 km de lado.

    • Primeiro, parabéns ao Bruno Amaral de Carvalho, sempre um exemplo de carácter e ética jornalística.
      Quando um homem da liberdade de expressão e de imprensa se tem de defender perante um ataque em matilha onde tanto está o cão Machado, como a cadela Gomes, está tudo dito quanto ao “centro moderado” do €uropeísmo e do USAtlantismo.

      E andou a “esquerda” a criticar a Esquerda por não apoiar esta bosta para Presidente, ou pelo menos para ser segunda à frente do Facho.
      Bom, entre um Facho e uma apoiante de Nazis, qual a diferença entre um 2° e um 3° lugar?

      Agora passo a responder ao Joaquim Camacho, que está mal informado, ou ainda não se actualizou.
      Tendo em conta que nos últimos 2 meses, a Rússia praticamente não conquistou nada, e que agora perdeu isso (aliás, já perdeu muito mais que isso, pois retirou-se do oblast de Kharkov até ao rio Oskil), então é de facto um feito brilhante.
      Recomendo os mapas do Rybar, fonte pró-Russa, mas a mais factual de todas nesta guerra, e aliáso primeiro a dar mapas detalhados sobre esta humilhante derrota Russa em Kharkov.

      É um feito brilhante do exército Ucraniano, mas com vários ‘mas’. Mas é com reservas (i.e. a carne toda no assador), com o pico do armamento Ocidental (cujas entregas já começaram a diminuir), com elevadas baixas (e na tal finta de Kherson foi um banho de sangue Ucraniano), e com um alerta que os pró-Russos a que tenho prestado atenção esperam que seja o fim da Operação Militar Especial (SMO em inglês, ou ZOV se juntarmos as letras usadas nos tanques nos diferentes sectores) limitada, e que daqui para a frente a Rússia entre de facto em guerra.

      Para já, no dia 1 deste “abre-olhos”, a Rússia já começou a fazer o que evitou em 6 meses de ZOV: bombardear centrais de energia. Resultado: apagões em toda a Ucrânia, excepto nas áreas ocupadas/libertadas pela Rússia.
      Consequências: 1) paragem dos comboios, 2) paragem das centrais nucleares (que seria um risco funcionarem sem fontes de energia extra), 3) paragem da venda de eletricidade Ucraniana à UE.
      É só o primeiro “troco” em relação ao “pagamentk” que a coligação do mal Nazi+NATO fez na central nuclear de Energodar (oblast de Zaporoje/Zaporíjia, Rus/Ucr).

      Nos próximos tempos veremos quantos BTG a Rússia vai poder começar a libertar de Kherson em direção a leste, e por estes dias está a chegar à zona Sul o 3° Exército com várias dezenas de milhares de tropas frescas e equipamento moderno.
      Fará a Rússia voltar a ter iniciativa, ou só servirá para evitar contra-ofensivas destas também nas frentes do Sul? Só o tempo dirá.

      Alguém comentou também que o problema do bastião de Avdiivka (de onde os Nazis bombardeiam Donetsk desde 16-Fevereiro-2022 quando deram re-início à guerra de 8 anos, violando acordos de paz de Minsk) se resolveria em minutos se Putin desse autorização a Shoigu para usar armas de destruição massiva.
      Mas até agora, a prioridade foi evitar vítimas civis, não escalar como pretendido pela provocação Nazi+NATO, e evitar destruir infraestruturas essenciais.
      Agora, se eu vivesse em Avdiivka, começava a fazer as malas…

      Parece que os que violaram os acordos de paz de Minsk, e os que proibiram os novos acordos que estavam quase a ser alcançados no final de Março, vão agora ter aquilo que queriam: mais armas e mais guerra.
      Parabéns a quem elaborou o plano RAND em 2019.
      Mas quero lembrar que esse mesmo plano (a ser seguido à risca pela Ocidente) também alertava para a alta probabilidade do conflito na Ucrânia correr mal para as espectativas da oligarquia de Washington.

      E não os deixemos branquear, ou voltar a manipular, as muitas Buchas que estão neste momento a acontecer na parte de Kharkov de onde a Rússia retirou (temporariamente?). Os Nazi já anunciaram e começaram a fazer a “filtragem” de seres humanos e a “limpeza” daqueles que tenham cometido o “crime” de aceitar ajuda humanitária dos invadores/libertadores.
      No sempre admirável jornalismo de guerra que o Erwan Castel faz no seu blog sobre o Donbass, o último artigo alerta para isto mesmo. Aliás, essa é a razão pela qual eu mais critico esta retirada Russa, ainda para mais desta forma apressada, que deixou alguns civis para trás. Imperdoável, senhores Putin e Shoigu. Imperdoável.

      Ppr cá, espera-se mais uma cara de parva da Úrsula von Der Leyen (e companhia) a falar em “genocida Putin” a qualquer momento, quando a “filtragem” feita pelos Nazis estiver completa, e as valas comuns preparadas para propagandista fotografar…
      Ela (e companhia) repetirá a tal cara de parva enquanto entrega mais umas quantas armas aos Mários Machado do Banderistão, e a outros que até fazem esse NeoNazi português parecer um anjo…

      Para quem não sabe, aquilo a que chamo Banderistão é aquela parte Ocidental da ditadura Ucraniana onde o povo sai à rua com tochas e bandeiras vermelhas e pretas para glorificar o Nazismo e os seus “heróis” como Stepan Bandera, um colaborador de Hitler no Holocausto. Tudo gente “porreira”… E todos aliados da “democracia liberal”.

      Espero só, em nome de todas estas vítimas evitáveis, que a oligarquia globalista vassala do império genocida dos EUA e seus colaboradores Nazis, acabem todos da mesma forma que Mussolini. Forca.
      Se bem que a forma Francesa de revolução também é justa. Guilhotina.
      Nem mais, nem menos.
      O pior não é quando eles morrem, é quando os deixamos vivos a tomar decisões que matam milhões.
      É por isso que de tempos a tempos, a revolução/progresso é inevitável.

      PS: e festejemos a morte da oligarca mais velha do império britânico, que tanta gente mandou matar (ou consentiu que se matasse) nos locais onde os povos lutaram pelo seu Direito Humano à Auto-Determinação, principalmente na Índia do pacifista Ghandi. Passei pelos canais da propaganda e, lá está, só deu propaganda. Nem um segundo sobre os vários massacres que ocorreram durante o seu reinado imperial.
      Se esta gentinha fosse analisada e avaliada da mesma forma que Stalin, levava cuspo em cima, em vez de flores à entrada do palácio.
      Mas lá está, é exatamente para isso que a propaganda existe, para manter o povinho ignorante e manso.

      • Por curiosidade, fui fazer uma medição rápida ao Google maps e, mais metro menos metro, a Rússia acabou de se retirar de um total superior a 8690 Km^2.
        É 4 vezes mais do que o que Zelensky anunciou. De facto as forças Ucranianas conquistaram esse pedaço dos tais 2 mil Km^2, mas a Rússia saiu de um pedaço ainda maior.

        Para chegar aos 8690 Km^2, seria um quadrado com pouco mais de 93 Km de cada lado.
        Neste caso, é uma região mais comprida na vertical, com cerca de 134 Km de altura e 65 Km de largura. Ou dito de outra maneira, foi um terço do oblast/região de Kharkov (Rus) ou Kharkiv (Ucr).

        Compare visualmente de forma fácil nas diferentes datas disponíveis no mapa do Defense Politics Asia, sempre que possível actualizado a cada dia e a partir de fontes independentes, ou com lados escolhidos mas factuais, ou a partir do cruzamento de dados dos comunicados dois Ministérios da Defesa, Russo e Ucraniano.

        Ou pode ver o mapa da excelente fonte Rybar (pró-Russo, mas factual, de fazer corar de vergonha as “nóticas” Ocidentais):

        https://i.ibb.co/pzgh8fm/11-09-eng.jpg

        É toda aquela área com as setas azuis das movimentações, inclusive aquela área do contra-ataque inicial: o rectângulo de que Zelensky falou, cuja diagonal vai do Oeste de Balaklia até Kupiansk (perto do rio Oskil).

        Para mim, isto tem duas leituras consoante o que se passar até ao final do conflito:
        – se a Rússia recapturar a zona, esta perda temporária foi uma derrota auto-infligida devido à teimosia de usar poucos meios;
        – se a Rússia NÃO recapturar a zona, então a ocupação que fez daquelas populações durante 6 meses é uma indignidade;

        Seja qual for a opção, a Rússia em geral, e Putin e Shoigu em particular, ficaram muito mal na fotografia.
        Salva-se o facto de que ainda assim foi possível organizar alguns comboios de refugiados a caminho da Rússia e de Lugansk de forma a salvar os Ucranianos pró-Democracia.
        Os que não foram salvos a tempo, estão agora a ser “filtrados” pelos Nazi da ditadura Ucraniana. Nem quero pensar no que aquela gente está/vai passar…

  2. A anatomia (desculpem-me lá desta vez), ainda tem a sua importância. Para certas é coisas, é mesmo preciso tê-los no sítio. Parabéns Bruno de Carvalho.

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