(Tiago Franco, in Facebook, 08/08/2022)

Não gosto de escrever sobre coisas que me irritam porque a meio da prosa, é tão certo como as manhãs de nevoeiro na minha freguesia, a coisa descamba para um vocabulário mais bocagiano do qual, quase sempre, me arrependo.
Imagino que as minhas hipóteses de escrever qualquer coisa com capa e contracapa se reduzam a cada publicação que meta o PCP ou contenha uma ou outra ******ada. Com os asteriscos não conta.
Por isso tento manter-me em temas que me irritam pouco, ali entre os Mários Ferreiras e os Venturas, com umas passagens no Donbass e nos BES. Quando estou bem-disposto gosto de umas incursões na IL porque, desde miúdo, também eu sonhava com unicórnios e ir à Disneyworld, aquela da Flórida que saía nos concursos do Júlio Isidro. Mandei muitos postais mas nunca me saiu nada. Ainda tentei obrigar o puto, quando chegou a minha vez de ser pai, mas ele nunca ligou ao Tio Patinhas. História verídica. Entretanto a Disney comprou a Marvel e parece que vou ter hipótese de cumprir o sonho sem grandes subornos. O liberalismo afinal fez falta.
Isto para dizer que não gosto de escrever sobre a Palestina. Conheço a zona relativamente bem, vi as histórias de perto e não consigo deixar de ficar irritado, com f, com a nossa passividade e indiferença sobre o que ali se passa. Por “nossa”, leia-se, a sempre famosa comunidade internacional de 15 países.
A história deste fim de semana não é propriamente original. Tem aliás mais sequelas que o Fast and Furious. Os israelitas matam uns líderes islâmicos, os palestinianos respondem com centenas de rockets enviados de Gaza. Os mísseis são quase todos (97% segundo o Washington Post) desviados pelo Iron Dome (sistema de defesa aéreo israelita) e causam ZERO mortes. Israel alega o direito de defesa (quando são eles por norma que começam o ataque) e bombardeia Gaza matando umas dezenas de pessoas. O número clássico são 50 a cada 2 dias.
Segue-se o comparativo de mortos (dá sempre goleada de 1 criança para 20) e as justificações de Israel que só apontam para alvos militares mas que o Hamas usa escudos humanos. Isto para quem acredita que numa área de 60 km com 2 milhões de pessoas, os mísseis vão lá pelo cheiro ou tamanho da barba.
O caricato disto tudo é que os mesmíssimos, sem tirar nem pôr, argumentos usados pela comunidade internacional para apoiar a Ucrânia, não são válidos em Gaza.
Os ucranianos têm o direito de se defenderem quando lhes tentam roubar território. Como não conseguem sozinhos, nós ajudamos com armas, dinheiro e sanções. Os palestinianos que andam a perder território há 70 anos, não se podem defender. São inclusivamente criticados por terem criado túneis, no Egipto, para receberem as armas em Gaza.
Estranhíssimo…como é que uns gajos que vivem cercados por um exército inimigo e passam os dias numa prisão a céu aberto, se lembraram de cavar túneis para se poderem defender? Desde a temporada 1 do Prison Break que ninguém se lembrava dessa.
Quando não tomamos partido na invasão da Rússia ao território ucraniano estamos a pactuar com o agressor. Quando não condenamos as sucessivas anexações de Israel, estamos a contribuir para a paz no Médio Oriente (como disse Biden, desejando que ambos os povos pudessem viver em paz e prosperidade, “esquecendo-se” que um deles está obrigado a viver numa prisão).
Quando discutimos o impacto das ajudas à Ucrânia na nossa qualidade de vida estamos a ser pouco solidários com a linha de defesa europeia, afinal, depois dos ucranianos pode chegar a nossa vez. Quando referimos o olímpico desprezo dado à Palestina temos 3 saídas possíveis, consoante o interlocutor da conversa:
– somos whataboutistas;.
– os palestinianos são árabes e só estão bem é a rebentar cenas;
– lá porque fizemos mal em não ajudar outros povos, não significa que não possamos fazer bem agora (na Ucrânia).
Depois aparece uma sequela, 2 ou 3 dias de bombardeamentos entre o Iron Dome e mais 50 almas em Gaza e, novamente, perdemos a oportunidade de condenar, ajudar, enviar dinheiro, comida, armas ou um Iron Dome 2 para ser instalado em Gaza.
E fica tudo bem. Há que não bombardear Israel, pela paz.
Dizia-me um emigrante israelita que não é culpa deles que tenham um sistema defensivo tão bom, que lhes custou uma fortuna (olha quem para fazer contas) e que funciona tão bem. Por que razões não fizeram os palestinianos o mesmo em Gaza, perguntava indignado. Também não compreendo. Como é que uma das populações mais miseráveis do mundo, a única que me lembro que vive dentro de muros, controlada em cada movimento e vigiada até nas saídas para o trabalho, com um PIB 26 vezes menor do que Israel, semelhante ao da Mongólia, Benin ou Haiti, não conseguiu instalar um Iron Dome que os safasse em cada raide da forca aérea israelita? Como?
Uma das hipóteses, que me vem à memória assim de repente, é a Faixa de Gaza não ter o financiamento do Congresso americano (1,6 biliões nos últimos 10 anos e mais 1 bilião aprovado em 2022) para a manutenção de um sistema de defesa como tem, por exemplo, Israel. A outra é a seguinte: como é que num sítio onde falta água e luz de tempos a tempos, não se arranjam uns biliões para disparar para os céus? Não se compreende.
É até curioso que os EUA forneçam armas e dinheiro à Ucrânia para que se possa defender e não perder território mas, no Médio Oriente, façam o mesmo para que Israel possa adquirir território.
Estou a brincar. Não é nada estranho. Mas também não vamos discutir o lobby judaico nos EUA senão nem à hora de almoço nos safamos disto.
Bom, está feito. E sem nos irritarmos ou recorrermos ao vernáculo. Há que contribuir para a paz no Médio Oriente com inteligência e sempre com apelo ao diálogo. Nada de escaladas no conflito. Até porque a história é confusa e uma pessoa não sabe bem quem é que chegou lá primeiro, quem é que anexa territórios a quem e, convenhamos, os muros também não são assim tão altos.
Tenhamos calma, o povo é sereno. Se não se resolveu em 70 anos, em princípio também não será hoje. Nada de precipitações. Primeiro há a Ucrânia, depois parece que vem Taiwan e os gajos do Kosovo também querem mais qualquer coisa. Entretanto mete-se o Natal e já estamos em 2023.
Vou vestir a sunga e dar um mergulhito. O tempo está a abrir.
Mais uma pedrada no charco da “comunidade internacional”.
A “Civilizada Europa ” só apoia “Povos Civilizados” ,a reboque e toque de caixa dos USA ….Palestinianos e outros que “ameaçam a Civilizaçao Ocidental” isto é que não tenham olhos azuis e pele clara …..como Zelenski que quando fala parece rugir com raiva ameaçadora e dá “ordens aos “dirigentes ” Europeus que eles cumprem de imediato enviando armas sofisticadas ,enquanto mandam borda fora outros Povos que pedem protecçao ,mas que tem pele escura…..nota ainda ontem vi nas TVs “Nacionais” um Navio de carga saíndo da Ucrania de MIlho “dente de cavalo” ,que nem os animais querem ,só o comem moido misturado em racções e dizem os nossos “Jornaleiros” das TVs tugas que é para matar a fome aos Africanos!? Vergonha digo eu ,”Prostituiçao” Jornaleira que enxovalha os Jornalistas que informam e medeiam …..
Muito bom texto. Gostei do tom. Eu não sou capaz de comentar assim bem disposto. Gostei especialmente da expressão: “ficar irritado, com f”.
Lol isso comigo é todos os dias sempre que abro as notícias e as comparo com as “notícias”.
Um Iron Dome para a Palestina não era nada má ideia. Realmente, como é que aquele grupo de refugiados e miseráveis ainda não conseguiu comprar um?
Enfim, vou continuar a apoiar a causa Paleatiniana, só com a impitência das palavras em blogs e comentários. É assim também que apoio a causa do Donbass, da Crimeia, e de toda a Novorússia que for libertada da ocupação Banderista. Também aí, tal como na Palestina, muito se pode discutir sobre quem ocupou quem…
Concordo com cada ponto e virgula. Gostava muito de ter esse bom humor (sarcasmo) …
Maravilhoso. Sem me irritar e só para ver o outro lado do muro que nem é assim tão alto. Obrigado!