E agora vai-nos faltar o pão?

(Pedro Tadeu, in Diário de Notícias, 24/03/2022)

Há mais mundo para além da Ucrânia, mas todo o mundo está a ser afetado pela guerra na Ucrânia.

França: Em plena campanha eleitoral, o presidente Macron relançou uma antiga ideia de criar vouchers para… comprar comida! O objetivo é ajudar as famílias mais carenciadas do país a enfrentar a escassez de bens alimentares, causada pela falta de cereais que vinham da Ucrânia e da Rússia, e a generalizada escalada de preços, motivada pelo aumento dos combustíveis…

Leio esta notícia e a pergunta surge-me, inevitável: vai haver, como houve no Estado Novo, senhas de racionamento em Portugal?

Grã-Bretanha: Uma empresa consultora emitiu um comunicado onde informa que os preços das matérias-primas dos fertilizantes que adubam as terras dos agricultores subiram, desde o início do ano, mais de 30%. Alguns compostos de fertilizantes, como o potássio e a ureia agrícola, que na maioria vinham da Bielorrússia e da Rússia, com o embargo à importação, subiram 60%…

Leio esta notícia e a pergunta enfrenta-me, com veemência: a agricultura portuguesa vai aguentar esta brutalidade ou, simplesmente, vai deixar de produzir?

Alemanha: A falta de componentes produzidos na Ucrânia, cujo fabrico ainda não foi possível substituir noutras partes do mundo, levou à suspensão da construção de automóveis das marcas alemãs BMW e Volkswagem em vários sítios da Europa. Ontem foi a vez de encerrar os trabalhos da VW na Eslováquia, que empregavam 12 mil pessoas…

Leio esta notícia e a pergunta assalta-me, com susto: A Autoeuropa VW, a PSA Mangualde, a Mitsubishi Fuso e a Toyota Caetano podem vir a fechar em Portugal?

Hungria: O ministro das Relações Exteriores, Peter Szijjarto, reafirma que o seu país recusará sanções anti-Rússia que prejudiquem os seus interesses, incluindo limitações à importação de gás e de petróleo russos. A vice-primeira-ministra ucraniana, Irina Vereshchuk, acusou a Hungria de ser “pró-russa” e de ambicionar ter uma parte do território ucraniano. Porém, Alemanha e Holanda também resistem a esse embargo energético.

Leio esta notícia e a pergunta salta, óbvia: o governo português, na União Europeia, traçou algum limite que proteja o país de sanções económicas à Rússia que acabem por ser desastrosas para a população portuguesa?

Alemanha: Antes da guerra na Ucrânia começar os custos de produção industrial no país já tinham subido 25,9% em relação ao ano anterior, por causa do aumento dos preços da energia. Os dados são do instituto de estatística oficial do país, que espera um agravamento da situação.

Leio esta notícia e a pergunta assedia-me, indeclinável: o governo português está à espera de quê para baixar os impostos da energia, dos combustíveis e, até, de tabelar os preços?

Bélgica: Uma reunião dos ministros dos Estrangeiros e da Defesa membros da União Europeia dá o primeiro passo efetivo para a criação de um exército comum, uma força de intervenção rápida com cinco mil soldados…

Leio esta notícia e a pergunta ocorre-me, retórica: Portugal que, se não contarmos com a GNR, tem apenas 27 mil militares no ativo (a Ucrânia, para compararmos, tinha 200 mil antes da guerra) vai, estupidamente, no meio de uma crise económica, na possibilidade de uma tragédia social, que ameaça literalmente espalhar a fome, aumentar despesas com a Defesa?

Portugal: O país registou uma situação inédita de seca extrema em janeiro e fevereiro, meses do ano habitualmente muito chuvosos. A falta de água afeta a agricultura, as produções alimentares vão ser fracas, a alimentação dos animais vai escassear, a energia (mais uma vez, a energia!) vinda das barragens será inexistente e quase toda importada a preços loucos. Estão criadas condições no terreno para a ocorrência de incêndios terríveis no verão.

O desastre da seca, a que se junta o desastre da pandemia e o desastre da guerra na Ucrânia, impõe-me a pergunta, dramática, face à incapacidade de resposta competente dos nossos líderes: tal como nos tempos das revoluções europeias dos séculos XVIII, XIX e XX, vamos voltar a gritar, em manifestações de esfomeados, “queremos pão!”?…

Jornalista


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4 pensamentos sobre “E agora vai-nos faltar o pão?

  1. Tempos estranhos esses que estamos. Porém me parece que a avareza e soberba humana, principalmente dos ditos “senhores do poder” ainda nós trará muitos outros desafios. Ótimo Post e blog. Seguindo aqui. Se puder dar uma força e seguir TB agradeço imensamente 👏👏👏

  2. As classes dominantes europeias estão isentas das preocupações criadas pelas suas sanções. Se as decretaram sabiam que ficariam isentas. Sanções são coisas para fracos e pobres, enfim gente que vive de salários, os tais que também em caso de serem chamados para a guerra podem morrer ou mostrar coragem… ao serviço da casta dominante do seu país. Portugal está na NATO para servir os interesses da casta dominante americana. Está na UE para servir ainda os interesses da casta dominante europeia. E como o Portugal actual é a casta dominante portuguesa, as outras castas superiores sempre lhe deixarão algo na beira do prato. O mexilhão assalariado, esse que se agarre bem à rocha. E que se aconchegue, não são as suas sanções!

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