(Carmo Afonso, in Público, 17/03/2022)

A regularidade com que somos chamados a tomar partido em guerras onde é anunciada a luta do bem contra o mal e a defesa da liberdade e da democracia é assinalável.
Não é preciso recuar muito no tempo ou forçar a memória: a invasão do Iraque cujo propósito era o de desarmar o país das armas de destruição maciça, nomeadamente químicas, que, de acordo com relatórios altamente credíveis, o Iraque possuía. Convém recordar que, um a um, cada participante da Cimeira das Lajes veio a reconhecer que tais acusações eram infundadas. As consequências dessa intervenção militar perduram na morte e na vida de milhões de pessoas.
O fio já vinha da intervenção no Afeganistão, aonde se levou a democracia e a liberdade através de uma invasão e operação militar que vitimou dezenas de milhares de civis e que veio a terminar com a humilhação militar, e uma saída pouco digna, dos Estados Unidos. Também a guerra para impor um Kosovo independente é uma mancha que não se pode esquecer.
Não aprendemos muito.
Novamente nesta guerra se revela a nossa incapacidade de problematizar, de fazer uma reflexão para lá do óbvio que nos é servido. A recusa de grande parte dos europeus em aceitar que se faça uma contextualização da guerra, que se apontem as falhas da governação ucraniana, que se diga que existe ali um problema de extrema-direita (que não está a melhorar se atentarmos nos voluntários que rumam à Ucrânia para ajudar na guerra) mostra que continuamos com pés de barro. A forma como tratamos os refugiados ucranianos em comparação com os restantes e a comoção com as vítimas desta guerra comparativamente às de outras guerras revelam uma falha na compreensão do significado dos direitos humanos.
Qualquer questionamento que se faça à narrativa é interpretada como um apoio a Putin e à própria invasão. As pessoas não toleram que se pense. Quem não adere na íntegra à versão Hollywood desta guerra é desconsiderado. O próprio jornalismo acusa o toque de caixa que se impõe. As imagens de crianças armadas, algumas nem sequer verdadeiras, e de um modo geral a romantização da guerra fazem-se notar. A narrativa é simples: o heróico povo ucraniano trava no seu território uma luta desigual por todos nós e devemos apoiá-lo, até militarmente, nesse conflito mas não na paz que seria sempre injusta.
E como se posiciona o resto do mundo?
Na assembleia da ONU, 141 países votaram a favor da resolução que condenava a invasão, mas os 24 países que se abstiveram perfazem mais de metade da população mundial. Mais, no continente africano e na América do Sul vários países são efetivamente pró-Putin. Esse apoio a Putin não é, como em Portugal, o resultado de uma interpretação abusiva que é feita às declarações de quem não usa as palavras certas a falar do seu repúdio pela invasão ou insiste numa contextualização, é mesmo uma simpatia assumida por Putin.
Qualquer questionamento é interpretado como um apoio a Putin e à invasão. As pessoas não toleram que se pense. Quem não adere na íntegra à versão Hollywood desta guerra é desconsiderado. O próprio jornalismo acusa o toque de caixa que se impõe.
Isto é preocupante. É que a invasão deveria ser condenada. O mesmo para a governação de Putin; uma combinação de autocracia com capitalismo selvagem. Talvez o pior a que se pode chegar enquanto sistema político. Mas não, há mesmo quem o apoie. Há quem prefira Putin à proposta democrática ocidental. Porque será?
A nossa denominada luta pela liberdade e pela democracia, em conflitos e intervenções militares sucessivos onde era tudo menos isso o que estava em causa, assemelha-se ao alerta do Menino quando gritava que o Lobo estava a caminho. Fizemo-lo em vão demasiadas vezes. Perdemos a credibilidade quando nos permitimos não ser íntegros e inteiros.
É fundamental sermos melhores do que isto. A democracia em que vivemos, cheia de falhas, é mesmo a melhor alternativa para quem nos observa e toma partido. A proposta ocidental, e sobretudo a europeia, é melhor do que a russa ou a chinesa. De tanto a querermos exacerbar, damos de nós mesmos a pior imagem possível.
Os verdadeiros defensores das democracias ocidentais são os que estão dispostos a assumir as suas falhas do passado e a não as repetir no presente. Quem apoiou a invasão do Iraque não defendeu, como apregoava, as democracias ocidentais; foi apenas o cangalheiro do seu bom-nome. Fizeram mais por essas democracias os que se opuseram e que denunciaram o embuste.
O mundo está perigoso, a lógica dos blocos irá reforçar-se. Eventualmente deixarão de ser dois e deixaremos de assistir à globalização ditada pela imposição de valores culturais. O nosso bloco não representará a maioria. É claro que a invasão da Ucrânia deve ser condenada e é certo que nada a justifica.
Mas em que é que mais uma fábula poderá ser útil?
A invasão da Ucrânia deve ser condenada
E eu condeno – ai condeno condeno!
Mas aqueles que a tornaram necessária
Vejo-os a arder nas profundezas do Inferno.
Cuide-se ,C A,pq na Praça já arde a fogueira,pq se não encaixa no rebanho,que não questiona e não quer que outros pensem e questionem …..acabo de ver um programa de TV,que dá,pelo nome de Ultimo apaga a Luz,em que de facto ,querem que vivamos na escuridão,pq uma residente do programa,que se dá ao trabalho de pensar e de discordar da “Missa” que ali é “apregoada” e literalmente “barrada” pelos outros 3 residentes ,com uma “algazarra” que não deixa que ela sequer possa expor o seu pensamento…….com o argumento “Democrático” que somos todos “Ucranianos”…….i é ,quem não pensa como nós ,não tem direito a expressar a sua opinião……pois a “Democracia” somos nós e quem como nós pensa…….O Povo Ucraniano que sofre ,tem concerteza opinião sobre quem o tem dirigido e não soube ou não quiz evitar uma “Guerra” que se adivinhava,em que os seus Dirigentes ,são “PEÕES” pela partilha de matérias primas e divisão doMundo ,leia-se ,USA/CHINA/RUSSIA:::::em que a UE como actor secundário vai sofrer ,as consequencias ,i é,os Povos Europeus incluindo o Povo Ucraniano e Russo…….
Mas nem tudo está perdido no mundo mediático ocidental. Há um pequeno bastião que resiste sempre. «Les beaux esprits se rencontrent toujours !»
https://www.theguardian.com/world/2022/mar/18/sergei-lavrov-praises-fox-news-coverage-ukraine