Contra a invasão da Ucrânia

(Por Vital Moreira, in Blog Causa Nostra, 25/02/2022)

1. Não é admissível o silêncio sobre a invasão militar da Ucrânia pela Rússia, a maior operação bélica na Europa desde a II Guerra Mundial. Por mais previsível que fosse, não deixa de ser uma agressão, em grosseira violação do direito internacional e da Carta das Nações Unidas, que só pode merecer condenação geral.

Só é de lamentar que a Ucrânia e a Nato tenham fornecido pretextos à Rússia para esta ofensiva, desde o abandono do estatuto de neutralidade ucraniana (que tinha sido condição explícita do reconhecimento da independência ucraniana por Moscovo), logo substituída pelo pedido de adesão à Nato (uma óbvia provocação à Rússia), até ao incumprimento do acordo de Minsk de 2015 sobre a autonomia dos territórios russófonos do leste da Ucrânia (que Kiev manteve sob constante assédio militar).

Quando se mora ao lado de um gigante ressentido, convém não lhe dar pretextos para a agressão.

2. Para além dos imprevisíveis custos humanos, materiais e financeiros da guerra para os biligerantes e dos seus reflexos económicos negativos sobre terceiros países, especialmente na Europa (aumento dos custos da energia, inflação, travagem da retoma económica) – agravados pelas sanções e contrassanções -, esta lamentável guerra na Europa vem reestabelecer a inimizade estratégica entre o ocidente (EUA e UE) e a Rússia, que se julgava superada desde o desmoronar da União Soviética há três décadas, desvalorizando a oposição sistémica com a China, entretanto tornada uma potência económica e militar de primeiro plano e apostada em ocupar um lugar hegemónico num futuro próximo.

Se há uma capital que pode tirar proveito desta guerra europeia, é Pequim.

Adenda
Sobre o risco sério de estagflação (estagnação económica acompanhada de inflação) ver este texto de Nouriel Roubini (reservado a assinantes).

Adenda 2

A propósito de atual coro quase unâmine de condenação da invasão russa, noto que muitos dos críticos aplaudiram entusiasticamente, num passado não muito longínquo, agressões externas não menos ilegítimas e condenáveis, como a agressão da Nato à Sérvia, em 1999 (a pretexto de um suposto “genocídio” no Kosovo, que não passava de repressão do separatismo kosovar) e da invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003 (a pretexto de alegadas “armas de destruição maciça”, que depois se provou não existirem). Duplicidade de critérios, portanto!

Adenda 3

Um leitor pergunta porque é que a projetada adesão da Ucrânia à Nato seria uma “provocação à Rússia”. A resposta é: pela mesma razão que os Estados Unidos não tolerariam nenhuma aliança militar de um país seu vizinho com uma potência hostil, tendo por isso considerado uma intolerável provocação a instalação de mísseis soviéticos em Cuba, em 1962 (aliás em resposta à instalação de mísseis norte-americanos na Turquia), emitindo um ultimato para a sua retirada e pondo o mundo à beira de uma guerra nuclear. Nenhuma potência admite mísseis de outra apontados contra si no quintal do vizinho.

Adenda 4

Um leitor comenta que Putin quer ocupar a Ucrânia e destituir o governo, para depois conseguir, numa posição de força, obter os seus dois objetivos (neutralidade militar e política ucraniana e autonomia das províncias russófonas), a troco da desocupação e de um pacto de segurança do País. Pode ser que tal seja o resultado deste conflito, mas a invasão russa e as feridas da guerra terão destruído qualquer possibilidade de vizinhança respeitosa entre os dois países, além de uma nova “guerra fria” entre o ocidente e a Rússia.

Adenda (27/2)

Um leitor argumenta que o único modo de um país não-nuclear se sentir seguro é integrar uma aliança militar poderosa. Mas há também o estatuto de neutralidade, especialmente protegido pelo direito internacional, que nem mesmo Hitler ousou violar em relação à Suíça e à Suécia. Não consta que Ucrânia tenha sido ameaçada de invasão russa enquanto manteve o estatuto de neutralidade, até 2014. A propósito, a Suécia e a Finlândia, com fronteiras com a Rússia, cuidaram de reiterar que não pretendem abandonar o estatuto de neutralidade e aderir à Nato


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5 pensamentos sobre “Contra a invasão da Ucrânia

  1. Kissinger, Vital Moreira, e PCP, a mesma luta?!?!?
    A direita portuguesa seria uma anedota, se não fosse um perigo real.

  2. Não cola. Justificar com eventuais, falhas e erros do passado (outros tempos, outras vontades, outras políticas) como justificação da agressão feita por outros Isso é estagnar no tempo,

  3. Lê-se bem o que VM e BSS (abaixo) escreveram. Como a Rússia foi levada à pincha. O que a NATO – a UE é verbo de encher – não gozou com a Rússia! Gorbachev em sorrisos e brindes. Ieltsin a cantar a Kalinka de vodka na mão. Putin de conferência em conferência, de gabinete em gabinete, primeiro a pedir que o ouçam, depois a pedir que o respeitem, a seguir a dizer que não estava a brincar. O que a NATO não ria! enquanto preparava as suas banhas de cobra, os seus pratos de lentilhas, os seus dez réis de mel coado, para impingir ao Leste. Estendeu-se, alargou-se, expandiu-se, ocupou. Bases militares debaixo do nariz de Putin. O punho em cima da mesa. Ultimato. Uma senhora europeia em nuvem de pó-de-arroz: Ai, cruzes, o sr. Putin está muito mudado! Stoltenberg em falsete: Quem quer menos NATO, leva ainda com mais NATO. Kiev sitiada. Refugiados. Na enxovia europeia móveis em movimento, baratas tontas acotovelam-se com sanções debaixo do braço. Biden divertido ao ver a azáfama das baratas nuestras hermanas. Sucesso!!!! Os povos europeus atolados na fossa que a NATO abriu e os EUA encheram. É preciso ser um católico muito bronco para ver um diabo em Putin.

  4. Chega a ser obscena a hipocrisia de certa corrente de opinião obsessivamente anti-ocidental, que tanto alega a repartição de culpas na invasão criminosa da Ucrânia, apresentando o Ocidente e Putin como co-autores do ato de guerra, como relativizando e diminuindo a culpa deste último, que passa de agressor a vítima do belicismo da NATO.
    É gente que vai ao ponto de, caninamente, replicar a argumentação cinicamente calculada pelo ditador russo, que justifica a agressão friamente premeditada, invocado pretextos de intervenção humanitária a favor de populações vítimas de “genocídio” na Ucrânia e de “desnazificação” deste país.
    Em boa verdade, o criminoso de guerra Vladimir Putin imita, no seu cinismo calculado, o criminoso de guerra e genocida Hitler, o qual, recorde-se, justificou a invasão da Polónia com o pretexto das “provocações” do país vizinho e do “genocídio” a que os polacos sujeitariam a minoria alemã na Polónia.
    Naqueles tempos, como agora, o crédito dado ao agressor foi e é o merecido: NENHUM.
    A referida corrente de opinião incorre na prática duma outra forma de hipocrisia, que consiste na assimetria do enfoque retórico aplicado quando se pronunciam sobre intervenções militares externas na vida dum país. Quando os ocidentais intervêm militarmente, tudo o que é destruição humana e material serve os propósitos polémicos dum humanismo exacerbado.
    Para esses espíritos, a natureza política de regimes ditatoriais como os de Saddam Hussein, Muammar Kaddafi, Slobodan Milošević, Bashar-al-Assad ou dos talibãs de pouco importa, se comparada com o sofrimento da população civil atingida pela intervenção estrangeira. Nem lhes ocorre invocar provocação alguma que diminua a culpa do agressor. Mas, agora, quando é a Rússia do nazi Putin que agride, é vê-los a não poupar esforços na transferência de responsabilidades e na qualificação nazificante do regime ucraniano. Os sofrimentos causados ao povo da Ucrânia pela intervenção russa passam para plano secundário, varridos para debaixo do tapete da sua má-consciência. Gente que não dedica às vítimas ucranianas nem um terço da saliva gasta nas suas catilinárias repletas de indignação anti-imperialista. E, assim, enquanto morrem civis ucranianos debaixo das bombas russas, é vê-los, a apontar o dedo à UE e à NATO. Com a lucidez farsante dos sonsos deste mundo, expedidos a virar a cara quando lhes convém.

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