Quem matou a geringonça?

(Pedro Tadeu, in Diário de Notícias, 28/10/2021)

Quando em 2019 o governo de António Costa aprovou alterações ao Código do Trabalho e passou o período experimental de 90 para 180 dias (mas em que planeta é preciso seis meses para verificar se um trabalhador é competente?!…) deu um tiro de pistola na geringonça.

Quando, nesse mesmo Código do Trabalho, reforçou as possibilidades do patronato ficar livre das regras da contratação coletiva, ao ampliar os motivos para a caducidade dos acordos feitos entre sindicatos e patrões, prejudicando a capacidade de negociação dos trabalhadores, deu um tiro de espingarda na geringonça.

Quando em todos estes seis anos o ministério das Finanças usou, de forma sistemática, excessiva e arbitrária, a cativações de verbas e eliminou na prática o financiamento atempado de muitas medidas que tinham sido acordadas com os partidos que viabilizavam o governo de minoria, deu rajadas de metralhadora na geringonça.

Quando António Costa, ao longo de seis anos, permitiu que o financiamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) resultasse numa constante subcontratação de serviços ao sector privado, social e farmácias, que ronda já os 2 mil e 800 milhões de euros por ano, em vez de contratar mais pessoal e mais equipamento, lançou uma granada sobre a geringonça.

Quando em plena pandemia por Covid-19 o governo começou a contratar mais enfermeiros a prazo, dispensando-os logo a seguir, deu um disparo de morteiro na geringonça.

Quando na campanha eleitoral para as autárquicas António Costa acusou a GALP de “irresponsabilidade social” pelo fecho da refinaria em Matosinhos, que atirou diretamente 400 pessoas para o desemprego, depois de meses e meses de complacência do seu governo com esse processo desencadeado pela empresa, fez explodir uma mina terrestre no caminho da geringonça.

Quando na discussão do orçamento para 2020 António Costa não aceitou comprometer-se claramente em pagar mais 50% de salário aos médicos que desejem ficar em exclusivo no Serviço Nacional de Saúde, detonou um explosivo na geringonça.

Quando na discussão deste Orçamento do Estado o governo apresenta um documento que nem PCP nem Bloco de Esquerda têm condições de aceitar, por não garantir a aplicação imediata de inúmeras propostas em discussão, como as creches gratuitas para todas as crianças, o aumento extraordinário e abrangente de pensões, o baixar o IVA da electricidade, entre muitas outras, liquidou a negociação. Este foi o tiro de bazuca que matou, de vez, a geringonça.

Quando o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, mente na televisão ao dizer que o PCP exigiu, sem cedências, a subida do salário mínimo para 850 euros já em janeiro, quando na verdade aceitou 705 euros no início do ano e apenas 800 euros no final de 2022, fez de coveiro da então já falecida geringonça.

A geringonça morreu porque António Costa fez por isso, desde há bastante tempo, provavelmente porque acha que vai ganhar com eleições antecipadas.

Significa esta morte que a esquerda não vai ser capaz de voltar a fazer um acordo que viabilize um governo? Não.

Na verdade, o tempo político que vivemos, com a pandemia aparentemente numa fase de controlo e com um reforço do financiamento europeu garantido, convida a repensar profundamente a forma como se elaboram orçamentos e como estes se articulam com outras medidas exteriores a esse documento. É uma oportunidade que não se reptirá tão cedo. Foi isso que o PCP pôs em cima da mesa.

Seja na discussão deste documento, seja com outra solução encontrada ainda neste parlamento, seja após eleições antecipadas, a esquerda acabaria por concluir que tinha mesmo de matar a geringonça, pois com ela o PS já só geria a contabilidade do Estado com a calculadora do receio nacional de eleições antecipadas. A esquerda terá de pensar se vale a pena avançar para outro patamar de relação.

A direita, se precisar, não hesitará em aliar-se toda ao Chega, sejam quem forem os líderes dos outros partidos e, por isso, já tem implícita uma proposta política para os portugueses apreciarem numas eventuais eleições antecipadas: tirar o PS do governo. Morta a geringonça, a esquerda ou vai para a separação de águas entre os seus partidos ou para o aprofundamento da relação. O medo da direita é a segunda hipótese. O medo da esquerda é, também, a segunda hipótese.


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

12 pensamentos sobre “Quem matou a geringonça?

  1. O aprofundamento da relação na esquerda é para alguns Bloquistas e Comunistas uma situação que eles sabem que nunca irá acontecer, a ruptura do PS com os compromissos com a UE.

        • Realmente ao Pedro Filipe Soares só faltou queixar-se de bulling. Mas julgo que o que emperrou o acordo em 2019 já foi o arsenal todo da reversão das medidas laborais da Troika. De que o BE também não fez muito caso em 2011. De qualquer forma vou responder com o que escrevi na caixa de comentários do Pedro Tadeu no DN.

          O Governo não caiu porque morreu alguma geringonça, que até concordo que já tinha morrido não obstante não concordar com o julgamento do “jornalista” engajado que se esconde atrás de uma coluna de opinião. O Governo caiu por causa do chumbo do OE! Por causa
          da mesma falta discernimento da esquerda que ainda não percebeu porque é que – passados dez anos – ainda é preciso andar a tentar reverter as medidas da troika. Vamos esperar que este chumbo não traga consequências ainda mais graves para os portugueses.

  2. Antonio Costa se fosse rei teria o cognome de o ; DITADOR , Não tem maioria tem de negociar e não tentar impor ,
    é vergonhoso que este senhor se faça de vitima , aem consensos alargados não pode pensar em governar ,não terá a maioria porque não a merece ,não cumpre o que negoceia e mal de Portugal se alguém tiver maioria a democracia é a arte de bem negociar em beneficio do povo e não de elites financeiras ou partidárias.

  3. Nem a propósito, Rangel acaba de anunciar o seu homem para economia. O passista Fernando Alexandre que acaba de coordenar um estudo no think thank dos merceeiros do Pingo Doce, que em matéria de direitos laborais defende basicamente o regresso do trabalho à jorna em bom português. Ainda por cima como uma coisa muito moderna que eles denominarão com toda a certeza outra vez como mais flexibilidade como no período do “ir além da troika”. Que a esquerda anda agora a tentar reverter. Com claras implicações na Segurança Social com a substituição do Fundo de Desemprego por um Seguro qualquer para dar mais uns cobres aos amigos da finança e menos à Segurança Social e aos trabalhadores. Começam-se a desvendar algumas saídas para o chumbo do OE. Parece que o coordenador do programa eleitoral é outro passista, Poiares Maduro. Outro grande grande fã do mesmo “estudo”.

  4. Depois de ler o artigo de Pedro Tadeu, recordei que existe o que se pode chamar astigmatismo político. Face a um governo que desenvolveu uma política económica e social positiva e com vasta aceitação publica, no contexto de uma longa crise sanitária, pesquisar e apresentar tendenciosamente posicionamentos avulsos e equipara-los a actos bélicos, nem sequer é eficaz. Mesmo quem lhe encomendou a prosa não vai ficar satisfeito. Bem se podia deixar ficar pelo Diário de Notícias com a sua claque, poupando a poluição da Estátua de Sal.

  5. António Teixeira. Depois de ler o seu comentário sobre Pedro Tadeu, deu-me mesmo vontade de dizer alguma coisinha. Vamos lá então. Considera que o seu governo foi excelente. No mínimo poderia ser um pouco mais sério e não ficar com todos os louros. Pois esqueceu-se de dizer, que parte dessas medidas positivas não eram do seu governo, mas sim, dos tais outros não governo. Pedro Tadeu enquanto jornalista, escreveu um texto. Porque carga de água enumera outros. Essa tentativa de passar um atestado de incompetência a um jornalista é muito feio. Combata-o politicamente, não se esconda nas palavras. Essa sua opção, demonstra da sua parte, estar possuído por algo ainda não detetável pela ciência humana.

  6. “António Costa aprovou alterações ao Código do Trabalho e passou o período experimental de 90 para 180 dias (mas em que planeta é preciso seis meses para verificar se um trabalhador é competente?!…)”
    Com isto perdi a vontade de ler o resto …
    Mostra total desconhecimento da vida empresarial. Três meses dão apenas para ter um conhecimento mínimo do trabalhador …

  7. Branco é galinha o põe, apresentado numa linguagem muito plástica. Quem trabalha, vive do salário, sabe dos custos da vida e da importância do salário, sente cada frase como o rebate de um despertador. Dissolução da AR, eleições antecipadas, maioria absoluta? O comboio ainda não saiu da estação e, por momentos, a agradável sensação de o ver parado. Tantos anos a piscar à esquerda mas sempre virando à direita, só pode redundar em mais um desastre.

Deixar uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.