(José Gameiro, in Expresso, 13/08/2021)

O pai: “A minha filha já é uma mulher, tem a sua vida, agora damo-nos bem, mas nunca sou completamente espontâneo, penso antes de falar. Foram anos muito difíceis, tudo o que dizia era discutido, um cansaço, parecia que estava sempre mal com a vida. Em pequena era muito doce e dócil, éramos uns grandes companheiros, levava-a para todo o lado. A mãe até me dizia, não vale a pena ir connosco, quando crescer não se vai lembrar de nada. Na adolescência tudo mudou. Agressiva, aguentava-me, mas ficava muito preocupado, se continuasse assim iria ter dificuldades no futuro.”

A mãe: “Se eu pudesse representar a minha relação com a minha filha por uma linha, faria um risco contínuo, sem oscilações e colocado no alto do gráfico. Uma relação estável, claro que com maior e menor proximidade à medida que foi crescendo, mas não me lembro de termos tido uma discussão. O meu marido diz que ela tem medo de mim, mas é uma fantasia dele, para se desculpar da má relação que tem com ela. Acho que sei quase tudo da vida dela, às vezes até nem queria saber tanta coisa, mas sempre que quer pensar sobre a vida, vem ter comigo. Agora já casada e com filhos, não há dia nenhum em que não falamos.”
A irmã: “Claro que gosto da minha irmã, faria tudo por ela, mas quero-a longe de mim. É perigosa, opina sobre tudo, quer meter-se na minha vida. Em criança fez-me a vida negra, fazia queixinhas aos pais, tinha muito medo dela. É daquelas pessoas que grita, insulta, eu sou o contrário, não aguento pessoas assim, hoje quase que não sabe nada da minha vida. Quando comecei a namorar com o Manel tentou dizer mal dele, inventou coisas, um perigo.”
Uma amiga: “É a minha melhor amiga. Crescemos juntas desde a pré-primária e só nos separámos na faculdade, mas continuámos a falar quase todos os dias. Mesmo agora, casadas, felizmente os maridos dão-se bem. Sei que não sou neutra e também sei que nem toda a família dela pensa assim, mas é a pessoa mais compreensiva e solidária que conheço. Sempre que precisei estava lá, quando o meu pai adoeceu e depois morreu, ela não me largou, sempre ao pé de mim, até ficou com ele dois dias em que tive de sair com a minha mãe. Por aquilo que oiço, não é fácil ter uma amiga assim.”
Um amigo: “Somos amigos desde a faculdade. Nunca fomos namorados, quando a conheci ainda me passou pela cabeça, mas não foi forte e hoje agradeço não ter sido. Gosto muito dela, mas é muito possessiva e ciumenta. Nem sei como é que o marido aguenta. Quer controlar tudo e todos, mas como amiga é excelente. Mas tenho de ter algum cuidado. Às vezes ‘estica-se’ um bocado. Quer meter-se na minha vida, tive de lhe dizer que não é suposto fazer comentários à minha namorada. Tirando isto é muito solidária e ajuda no que pode, mas na vida não há almoços grátis e ela cobra…”
O marido: “Se existe amor à primeira vista foi com a minha mulher. Numa festa de finalistas, já ao fim da noite, veio parar à minha mesa e foi até hoje. Damo-nos muito bem, é um bocado ciumenta, mas se eu tiver cuidado corre tudo bem. Tive de me afastar de algumas amigas, tinha a mania que todas queriam ser minhas namoradas, mas não é verdade.”
Uma colega de trabalho: “Trabalho com a Maria há quatro anos, demorei algum tempo até a conhecer bem. Ao princípio, não sei porquê, não confiava nela, parecia-me falsa. Depois tivemos uma grande discussão por causa de um cliente e percebi que ela é frontal. Quando não gosta custa-lhe a disfarçar, mas ao menos sabemos com o que contamos. Penso que não a queria para ser minha amiga, mas como colega de trabalho entendemo-nos bem.”
Moral da história: Quando falamos sobre os outros, estamos só a falar da relação que temos com eles. O resto é má língua…