(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 18/05/2021)

Ouvir os militares sobre a reforma das Forças Armadas não é negociar. Se a questão é a política de defesa, ela não tem de ser negociada com os seus executores. Se são os direitos e deveres das cúpulas militares, os generais não têm direitos sindicais. Os militares na reserva têm direito a tomar posições. Mas, depois da dissolução do Conselho da Revolução, os militares voltaram para os quartéis. E os que estão fora não representam os que estão dentro. Eanes é uma referência moral de sempre. Outros ex-presidentes tomaram posições. Mas ele fê-lo pela corporação, subjugando o estatuto que deve preservar – ex-presidente – ao do que lhe está abaixo –ex-chefe militar, qualidade a que se reduziu numa carta assinada com camaradas.
Nada sei sobre política de defesa. Mas sei uma coisa: tenham a dimensão, as funções e a orgânica que tiverem, as Forças Armadas estão subordinadas ao poder político e, por serem armadas, os militares (sobretudo os oficiais superiores) têm a sua capacidade de intervenção política muitíssimo limitada. Sou insuspeito de simpatia por Macron, mas a petição política assinada por 75 mil militares no ativo, em França, é um aviso: qualquer envolvimento de militares no jogo político deve ser cortado pela raiz, sem apelo nem agravo. A tibieza dos eleitos nesta matéria, perante os perigos que a democracia vive, será paga bem caro.

Da mesma forma que não se admite indisciplina dentro da caserna, não se admite indisciplina perante o poder legítimo, sufragado pelo povo. A exceção é a recusa de cumprir ordens que ofendam os valores mais básicos da Constituição da República. E mesmo isso tem uma latitude mínima. Não tenho, nesta matéria, qualquer tolerância: quem tem armas não faz política, quem faz política não tem armas. E quem quiser fazer política deve sair das Forças Armadas. O tempo dos generais-políticos já passou.
Nada disto impede que os militares sejam ouvidos na reforma das Forças Armadas. Eles são os que melhor conhecem o sector e têm seguramente muito com que contribuir. Mas ouvir não é negociar. Porque se a questão é a política de defesa, ela não tem de ser negociada com os seus executores. Serve os interesses do Estado, não os interesses dos militares. Se a questão são os direitos e deveres das cúpulas militares, os generais não têm direitos sindicais. O Estado dá-lhes ordens, não as negoceia. Assim como eles fazem com aqueles que lhes devem obediência. Querem as coisas de forma diferente? Vão para a vida civil, onde a forma de agir quotidiana é diferente: negoceiam com quem lhes dá ordens e com quem as recebe.
Como disse, não tenho opinião sobre a reforma das Forças Armadas. Acho natural que se oiçam os envolvidos, esperando que não se sucumba à doença nacional que impede qualquer reforma: o corporativismo. À ideia que o Estado serve, antes de tudo, os seus servidores. À esquerda, esse corporativismo é tolerado em relação a sindicatos da Função Pública ou aos professores, confundindo os legítimos interesses dos trabalhadores do Estado com a defesa do Estado Social – que nem sempre coincidem. À direita, esse corporativismo é tolerado em relação às ordens profissionais ou aos polícias, confundindo os legítimos interesses de grupos profissionais com a defesa dos interesses nacionais – que nem sempre coincidem. Não é inocente o que cada área política privilegia. Tem a ver com as funções do Estado que mais valoriza.
Mas quando chegamos aos militares as coisas mudam de figura. Aí, qualquer movimentação corporativa é intolerável. Incluindo as que se fazem por procuração. Os militares na reserva têm todo o direito a tomar posições. Já não estão sujeitos à disciplina militar. Mas temos de assumir uma de duas coisas: ou não representam posições de militares no ativo e são irrelevantes para o debate em causa.; ou representam, e as suas posições em representação de outros são uma manifestação de indisciplina com a qual não se pode compactuar. Depois da dissolução do Conselho da Revolução, os militares voltaram para os quartéis. E os que estão fora dos quartéis não representam os que estão lá dentro.
Tenho uma enorme admiração pelo ex-Presidente Ramalho Eanes. Ela não é, como acontece com alguns, recente. É de sempre. Considero-o uma referência moral para o país. Não a que se autoproclama, como faz Cavaco Silva. Mas a que se torna evidente pelo exemplo, sem que seja precisa uma palavra do próprio que a sublinhe. Foi, por isso, com tristeza que vi associar o seu nome aos de praticamente todos os ex-Chefes de Estado Maior dos três ramos das Forças Armadas desde o 25 de Abril contra o reforço do CEMGFA. Não por discordar da sua posição – não tenho posição sobre o assunto. Nem sequer por discordar que militares na reserva tentem representar militares no ativo, contornando a neutralidade política das Forças Armadas, do que discordo. Mas porque Ramalho Eanes é, antes de qualquer coisa, ex-Presidente. Todas as suas posições públicas são com esse estatuto, que se sobrepõe, por lhe ser superior, ao de ex-militar. Aliás, acho que devíamos importar o hábito norte-americano de chamar “presidente” aos ex-presidentes.
Eanes teve e mantém uma postura cívica exemplar. Como qualquer pessoa, tem as suas pequenas manchas. Duas, o que é nada em alguém que teve tantas responsabilidades. Uma foi a construção de um partido político (o PRD) a partir de Belém. Outra será esta, talvez ditada pela camaradagem. Que põe o atual Presidente da República numa situação muito delicada numa área em que tem poderes especiais. Não seria grave se Eanes o fizesse pelo país – outros ex-presidentes tomaram posições públicas muitas vezes e Cavaco Silva fê-lo mais uma vez sobre este tema. Mas Eanes fá-lo, queira ou não, pela corporação, subjugando o estatuto que mais deve preservar – o de ex-presidente – ao do que lhe está abaixo – o de ex-chefe militar, qualidade a que expressamente se reduziu numa carta coletiva assinada com camaradas.
OH Daniel: OK tudo bem…mas se tudo fosse assim teria havido um 25 de Abril?
Os militares têm o dever natural de garantir a defesa do território Nacional. Os meios podem ser escassos, como frequentemente o foram no passado, mas não podem ser zero, como agora . Esta é a situação que se pôe á consciencia das chefias militares :Ocultar ao povo Português que não existem os meios minimos para enfrentar uma ameaça à indepencia Nacional, continuando a pactuar com o status quo, ou assumir finalmente que as Forças Armadas Portuguesas há muito que não passam de uma ficção.
Quem nos vê de fora conclui que aos Portugueses há muito lhes falta vontade para se defenderem, esperando que outros o façam por si. Portugal é pois um alvo fácil, um fruto maduro pronto a ser colhido.
Outros pequenos países Europeus, Bélgica, Holanda, Austria, Suíça, para citar alguns, compreendem bem esta realidade e mantêm Forças Armadas capazes de oferecer uma resistencia credível a uma ameaça externa.
Alguns néscios propalam que Portugal não tem inimigos e, em qualquer caso, está protegido como membro da NATO. Esquecem que Espanha é, e será sempre, uma ameaça velada à Independencia, com muitos Espanhois a achar no intimo que essa Independencia é contra natura. Mesmo agora, que as relações com “nuestros hermanos “não podem ser felizmente melhores, isso não obstou que, ao arrepio dos tratados, tivessem desviado as águas do Tejo, cortado as ligações ferroviárias com a Europa e, no caso de Almaraz, cuja decrepitude é uma catástrofe à espera de acontecer, e que ao dar-se contaminará 2/3 da água potável do país, os Espanhois não fazem mais do que declarar que a situação da Central é estritamente um assunto interno.
Será alarmismo pensar que, do jeito que as coisas caminham, num futuro proximo ou distante, se formará em Espanha um Governo Nacionalista? E que efeitos terá para Portugal? A que abismo de servilismo serão os Portugueses obrigados para manterem “uma espécie” de Independencia?