Na doença não se brinca com coisas sérias

(Francisco Louçã, Expresso, 23/03/2021)

O uso generalizado da nova tecnologia das vacinas, que salvaria vidas, é bloqueado pelos interesses comerciais das farmacêuticas e pela hipocrisia de instituições internacionais.

(Capitalismo é isto: morra primeiro e vacine-se depois. Comentário da Estátua)


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A suspensão da vacina na semana passada não foi um ato desastrado, foi mesmo um desastre. O que se seguiu três dias depois, com vários primeiros-ministros e um Presidente a assegurarem que iriam tomar imediatamente a vacina que tinham acabado de suspender, não foi sequer uma tentativa convincente para reparar o prejuízo em confiança, foi uma demonstração de cataventismo político que desclassifica os seus autores: se não sabiam, perguntavam a cientistas antes de decidir; se queriam saber, usavam critérios exigentes e explicavam-nos à população. Ou, como sugere um dito militar, ordem e contraordem só dá desordem, e abundaram em desordem. Por isso, o que estes governantes não podem é esperar ser aplaudidos ou até respeitados se o único fundamento da sua escolha foi o que outro governo decidira sabe-se lá com que fundamento, ou o pânico de ficar mal na fotografia.

Assim, a semana passada não demonstrou só a incoerência dos governos e a inexistência da Comissão Europeia sempre que há uma decisão imediata a tomar, comprovou que cálculos de carreira estão acima de critérios de saúde pública e que alguns governos, e não os menos poderosos, não têm uma linha de rumo na resposta à pandemia. E essa maleita não tem cura.

Marcelo disse disto que esta catadupa de confusões provava que a resposta à pandemia não está a correr bem: “A União Europeia é uma união, não é um somatório de egoísmos, não é correr bem, cada um por si e isoladamente, tomar a decisão de suspender ou não suspender.” É o mínimo e lembrado com toda a diplomacia. Foi mesmo um desastre.

Mas talvez a ameaça mais grave esteja a ocorrer fora de portas, é o atraso na vacinação universal que protegeria toda a gente de novas variantes do vírus e da continuação das restrições pandémicas. A conta é simples de fazer: dos 400 milhões de vacinas produzidas até agora, 90% foram para os países desenvolvidos, que têm cerca de 20% da população mundial. Há 67 países que não receberam uma única dose e o fundo das Nações Unidas só tem como objetivo vacinar 20% da população dos países pobres este ano, embora mesmo para isso lhe falte o dinheiro. O resto do planeta esperará até 2023 ou 2024 para completar a sua proteção. Portanto, aumentar a produção de vacinas e distribuí-las pelo mundo é uma necessidade para a salvação das populações e, já agora, para cumprir um mínimo de solidariedade humana.

Podia não ser assim. Não é por falta de recursos nem por falta de capacidade industrial que essas vacinas não são produzidas e distribuídas. De facto, o “New York Times” escreveu há dois dias que a Administração Biden tem nas mãos o poder para mudar o mapa da produção das vacinas. A grande modificação no combate à covid ocorre dentro de uma semana, no dia 30 de março, quando entrará em vigor a patente registada pela equipa de Barney Graham num instituto público norte-americano, depois trabalharem desde 2016 para responder à MERS, o coronavírus que provoca a Síndrome Respiratória do Médio Oriente, e que define a engenharia molecular que está agora na base de cinco das vacinas para a covid (Moderna, Pfizer, Jansen, CureVac, Novavax). É portanto uma patente do governo dos EUA. Ou seja, estas empresas poderiam ser submetidas às suas condições, sendo levadas a partilhar o conhecimento para o seu uso universal.

Só que não vai acontecer nada. A Índia e a África do Sul estão a pressionar a Organização Mundial do Comércio para aceitar uma suspensão do direito das patentes de várias vacinas para permitir um aumento de produção, usando mais capacidade instalada, só que defrontam o veto dos EUA e, claro está, da União Europeia. Aproveitam a Rússia (que já produz as suas vacinas na Coreia do Sul e no Cazaquistão) e a China (que produz nos Emiratos Árabes Unidos, no Brasil e na Indonésia).

O uso generalizado da nova tecnologia das vacinas, que salvaria vidas, é bloqueado pelos interesses comerciais das farmacêuticas e pela hipocrisia de instituições internacionais. Desse modo, tudo sugere que Biden não usará a patente que a sua Administração tutela para alterar a regra do jogo. Sempre são trinta mil milhões de dólares de lucros covid que as grandes farmacêuticas prometeram aos seus acionistas este ano. E que importam mais umas centenas de milhares de mortes no Terceiro Mundo?


2 pensamentos sobre “Na doença não se brinca com coisas sérias

  1. Quanta hipocrisia do Lpuçã, ou não fosse um entanazi co, além de abortista! Oss camaradas socialistas Adolfo Hitler, José estaline e Mao Tsé Tung devem estar contentes com tantos seguidores, mascarados de democratas.

    • Caro Bruegas.

      Concordo que o Louçã, como trotskista, é um apoiante de ditaduras e já fui ameaçado de morte neste blog por constatar factos como esse.

      Mas nisto o Louçã tem toda a raźão.

      O direitalho estâ a deixar os privados cavalgar a pandemia em nome do lucro, fazendo milhões de mortos.

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