Quem tem amigos “pretos” não pode ser racista?

(Pedro Tadeu, in Diário de Notícias, 18/11/2020)

A maneira mais fácil e, ao mesmo tempo, mais pateta de tentar apresentar credenciais antirracistas é dizer ao interlocutor, peito inchado a simular brio, cara frontal a dramatizar orgulho, esta banalidade disparatada: “eu até tenho amigos pretos!”.

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Tal frase normalmente fecha uma conversa onde o proclamador da camaradagem inter-racial na vida privada lista uma série de razões de queixa sobre a convivência social que se vê obrigado a manter com pessoas de ascendência africana: “abusadores”, “ignorantes”, “preguiçosos”, “estúpidos”, “barulhentos”, “desrespeitosos”, “macacos”, “selvagens” e outras finezas semelhantes, ou bem piores, preenchem o prelúdio, o andamento, a melodia, o ritmo e a harmonia de um concerto de insultos que termina, em apoteose, num último compasso, com uma hipócrita ode à amizade entre raças.

Normalmente o branco que proclama a quem o quiser ouvir a amizade pessoal com negros é um racista, um horrível racista, um perigoso racista. Porquê?…

Em primeiro lugar, porque a própria ideia de classificar o círculo de amizades pessoal por raças é uma atitude racista.

Não passa pela cabeça de um branco português dizer “eu até tenho amigos brancos”, pois não encontra nesse facto nada de “anormal” a registar, não encontra qualquer diferenciação entre si próprio e os outros brancos que justifique assinalar publicamente tal ocorrência.

Quando um branco começa a dizer que até (e esta palavra “até” sublinha a singularidade do facto) tem amigos de outras raças está a discriminar, está a separar um agregado em particular da unidade grupal que constituem todos os seus amigos, está a diferenciar esse conjunto de indivíduos não por serem melhores ou piores amigos, não por serem constantes ou ausentes do quotidiano desse círculo de camaradagem, não por serem de maior ou menor confiança. Eles são catalogados e separados do grupo de amigos do branco português apenas por terem uma cor de pele diferente. Isto é puro racismo.

Esta discriminação também abrange outros tipos de preconceitos étnicos bem como atitudes homofóbicas, xenófobas e, mesmo, políticas.

A declaração “eu até tenho amigos gays” é frequentemente ouvida sair da boca de homofóbicos. “Eu dou-me bem com ciganos” ou “nada tenho contra os judeus” são braços da mesma raiz de ódio e preconceito.

Até antirracistas e antixenófobos alimentam-se da mesma planta moral dos racistas para resolver debates políticos anticomunistas quando disparam o fatal “eu até tenho amigos comunistas”, “tu és um comunista diferente dos outros” ou, pior, “o meu pai até foi comunista, mas…”. Farto-me de ouvir isto…

Há neste tipo de frases um inevitável tom condescendente e paternalista, uma assunção de superioridade assassina do equilíbrio da relação entre os interlocutores destes diálogos.

A declaração de amizade que o racista branco concede a alguns negros tem subjacente um suposto ato de generosidade do primeiro para com o segundo: o branco racista tem amigos negros apesar dos defeitos que aponta à generalidade da “raça”.

Esta é a mesma caridade classista das senhoras de sociedade que dizem às outras que se dão com “gente do povo”, que frisam o gosto em lidar com “pessoas simples” e que concluem encontrar ali a “autenticidade” em falta nos círculos da alta burguesia.

Esta é a parte mais horrível do racismo, pois está diretamente ligada ao alimento geracional da estratificação social em exploradores e explorados, é um dos pilares do edifício da injustiça social.

Este racismo do branco português é aliás ridículo e um tiro no pé. Se for para os Estados Unidos da América, o branco português deixa de ser branco, passa a ser classificado como hispânico ou latino e está sujeito a ouvir da boca de um americano branco a frase assassina: “eu até tenho amigos latinos.” De condição de explorador passa, num instante, à condição de explorado.

Finalmente, o racismo escondido atrás da frase “eu até tenho amigos pretos” é perigoso porque tenta ilibar o racista do seu racismo: mais do que desculpabilizar, procura-se justificar, racionalizar, defender. O autor desta frase, subliminarmente, afirma nada ter contra as pessoas com a pele de cor negra e, por nada ter contra elas, a sua argumentação e os insultos que profere não podem ser racistas e, por isso, são racionalizações, análises e pensamentos razoáveis, justos e objetivos.

A frase “eu até tenho amigos pretos” é um instrumento de propaganda racista construída para convencer pessoas não racistas a apoiar ideias racistas. Isto é perigoso.

Quando, numa entrevista na TVI, Miguel Sousa Tavares perguntou a André Ventura se ele tinha “algum amigo preto”, o candidato presidencial, em vez de responder que não aceitava classificar as amizades pessoais por raças ou de protestar pela utilização da palavra “preto”, respondeu que sim, que tinha vários e que até trabalhava com um.

A minha primeira reação foi lembrar-me de um quadro do humorista Dave Chapelle sobre um negro cego que se julgava branco, era racista, lutava pela supremacia branca e acabou líder do Ku Klux Klan. Quando, finalmente, percebeu que era negro, conformou-se, mas pediu o divórcio da mulher com quem esteve casado 19 anos “por ela ser uma amante de pretos”.

A minha segunda reação foi que, pelas razões atrás expostas, a resposta dada à pergunta do jornalista demonstrou o racismo, talvez inconsciente, mas claramente assinalável, da forma de pensar de André Ventura e isto é mais importante e mais relevante registar do que discutir os méritos ou deméritos da entrevista de Miguel Sousa Tavares, como estou a ver por aí.

Já agora, deixo duas perguntas.

Primeira pergunta: Será que para não ser racista tenho de ter amigos negros, índios, asiáticos, mestiços e sei lá que mais?

Segunda pergunta: Porque é que nunca ouvi uma pessoa de pele negra dizer “eu até tenho amigos brancos”?…


14 pensamentos sobre “Quem tem amigos “pretos” não pode ser racista?

  1. Puxa.

    A classificação de racismo do politicamente correcto agora até abrange ter amigos pretos.

    Claro que se dissesse que não tem amigos pretos TAMBÉM seria acusado de racista. Porque seria “prova” que estava a evitar os pretos…

    Não como fugir, para esta malta branco é sempre racista.

    Quanto ás duas perguntas imbecis que este senhor faz, eu posso responder.

    – Um verdadeiro branco racista NÃO TEM MESMO AMIGOS PRETOS.

    O senhor inteligente há-se perguntar ao Mário Machado quantos amigos pretos e judeus ele tem.

    Por isso é natural que uma pessoa acusada de racismo e que se dá bem com os pretos mencione que… se dá bem com pretos. Porque um racista branco evita-os. Como é óbvio.

    – A razão pela qual nunca ouviu uma pessoa negra dizer que “até tem amigos brancos” é porque, apesar de também existirem pretos racistas estes NUNCA são acusados de racismo por “inteligentes” como você.

    Já os brancos são constantemente acusados de racismo a toda a hora, por tudo e por nada por escória como você.

    Já vi brancos serem acusados de racismo por dizerem que preferem brancas e outros brancos serem acusados de racismo por terem namoradas pretas.

    Se preferem brancas é porque são racistas. Se têm namorada preta estão a “objectificar” sexualmente a mulher negra e a roubar a mulher ao oprimido homem negro.

    Até já vi brancos serem insultados de racismo por causa do horário dos comboios.

    No outro dia assisti a um grupo de trabalhadores dos comboios serem insultados de racismo porque um negro não queria admitir que o ultimo comboio já tinha saído e já não havia mais comboios.

    Então vai de insultar todos os brancos presentes de “perseguidores racistas” que se fosse branco já havia comboios etc etc.

    Neste ambiente tóxico causado por imbecis como este senhor obviamente que as pessoas sentem necessidade de se estarem sempre a “justificar” literalmente por nada, eventualmente referindo que até têm um amigo preto se o tiverem.

    Não é o meu caso. Não tenho amigos brancos nem pretos, que para mim é tudo a mesma merda.

    Ups. Será racismo ? Se calhar tenho de dizer que os brancos são uma granda merda mas os negros são tão superiores a mim, que estão fora do meu alcance.

    Serve assim ó racistas da treta ?

  2. Já agora informo que quem se identifica com ditaduras totalitárias não pode ser democrata.

    Como o senior Tadeu no PCP.

    Até pode ter amigos democratas mas…

  3. A verdade é que não conheço ninguém que não seja racista… exceto, claro está, a esquerda que passa a vida na tv, redes sociais e manifs a berrar que “não é racista” mas que todos os outros o são.

    Um exemplo, tonto e sobre uma pessoa mesmo muito tonta, do extremo a que temos vindo a chegar neste campeonato do eu-não-sou-racista-mas-todos-os-outros-são: aqui há uns 2 anos, a Margarida Rebelo Pinto não percebeu (ou não quis perceber, ou quis ser engraçada) uma provocação do Herman José sobre “amizades coloridas”, e retorquiu que não era muito dada a esses exotismos. Resultado: caiu-lhe tudo em cima, como se fosse obrigada a ir para a cama com pretos só para demonstrar o seu “não-racismo”…

    • Todas as pessoas que conhece querem tirar os direitos civis , proibir casamentos mistos ou expulsar pessoas do pais por causa da cor da pele ?

      Você foi criado na base secreta do Hitler na Antártida ?

      No meu país a esmagadora maioria das pessoas defende a igualdade de direitos a todas as raças.

      Agora, claro, tem razão num certo sentido.

      De facto pelos parâmetros esquerdistas e politicamente correctos é impossível toda a gente não ser racista, a começar por eles próprios.

      Já vi imensas listas na net tipo “Coisas terrivelmente racistas que você não sabe que são racistas” com dezenas de pontos muitas vezes contraditórios onde até termos como “a coisa está preta” , “pé de chinelo” “mulato” ou “moreno”, “doméstica” “denegrir” são considerados terríveis ataques racistas.

      Uns dizem que não se deve usar a palavra “preto” porque é ataque racista. Deve-se usar a palavra “negro”.

      Outros dizem que não se deve usar a palavra “negro” porque é ataque racista. Deve-se usar a palavra “preto”.

      Ou seja, não há literalmente ninguém que se possa safar da acusação de terrível racista.

      Até um branco ser admirador da cultura negra e usar rastas é “racismo” porque está a fazer “apropriação cultural”.

      E muitas imbecilidades do género aos milhares.

      Sim, por estes critérios imbecis da esquerda e do politicamente correcto 100% da humanidade actual é terrivelmente racista ao ponto de em comparação o Hitler ser um gajo porreiro e moderado.

      • Exato. Não conheço ninguém que não seja “racista” (pelos lapsos de linguagem pontuais, pelas piadas, por serem apanhadas por perguntas de algibeira e não saberem bem o que responder, etc.), mas de facto poucas são as pessoas que defendem a segregação, expulsões em massa, as pessoas querem viver em paz e à sua maneira, têm mais em que pensar.

        Pela lei, Portugal também certamente não será um país “racista”. O “racismo” é sempre o da falta de dinheiro e de nome, enfim, o de ter nascido no berço errado. Porque se um negro, por exemplo, for um angolano cheio de dinheiro as lojas de marca da Av. da Liberdade não colocarão quaisquer entraves. Se for um jogador de futebol negro, as beldades loiras com que acabam por casar não terão qualquer problema em assumir o seu “não racismo”.

        Ser pobre – isso sim é a principal discriminação!

        • Voltando ao artigo do Tadeu, é mais um chorrilho de disparates de alguém com telhados de vidro bem quebradiço, que lança assim umas questões num jeito meio sonso visando ficar bem na fotografia: eu não sou racista, mas todos vocês são! Do lado de cá, ficamos todos meio embananados sem saber o que responder, porque a questão está inquinada logo à partida – se tudo é racismo, por onde começar?

        • Lapsos de linguagem e piadas não são necessariamente racismo.

          Eu por exemplo, estou sempre a dizer que os portugueses são umas bestas que só ligam ao futebol, que somos ineficientes e desorganizados e que as nossas elites são não só umas bestas ineficientes como uma cambada de ladroes.

          Estou sempre a dizer estas coisas e a fazer piadas com isto. E não sou racista contra os portugueses, até sou português. Até me incluo a mim próprio em relação a muitos destes defeitos.

          Também estou sempre a mandar abaixo e a fazer piadas, por outras razões, com os sacanas dos alemães e dos holandeses que prejudicaram os países do sul e com os americanos, que têm o nível cultural de uma barata já morta hà 15 dias.
          E no entanto estes são os povos líderes do mundo ocidental ao qual pertenço.

          Se toda a gente diz mal e faz piadas de toda a gente, porque raio é que só pretos e ciganos têm de ficar numa redoma acima de toda a crítica e ser proibida qualquer piada, como se fossem todos as novas virgens Marias ?

          Eu até à virgem mando abaixo e faço piadas.

          O que se passa é que 99% das pessoas que fazem piadas ou criticam preciso e ciganos seriam os primeiros a saltar em defesa deles se alguém lhes tentasse retirar os direitos civis, ou agredir, ou expulsar do país apenas por causa da cor da pele.

          Porquê ? Porque ISSO é que seria racismo.

            • Abaixo ?

              Onde é que na sociedade actual alguém é “abaixo” por ser de cor ?

              O primeiro ministro ou a ministra da justiça, a deputada Joacine ou os mulbilionarios ditadores angolanos são “abaixo” de mim em alguma coisa ?

              Eu provavelmente ficava todo contente se arranjasse emprego como criado deles.

              Vocês estão tão fanatizados que não têm noção nenhuma do ridículo.

              A sociedade ocidental evoluiu imenso nas últimas gerações e vocês continuam a pensar que vivem há 50 anos atras ou até no século 15.

        • Pois, não é pela lei, é pelo observatório europeu mesmo.
          É evidente que somos todos algo racistas/xenófobos/…, porque todos nos comportamos de maneira diferente a quem está fora do círculo próximo ou tem uma cultura diferente. O importante é impacto que isso tem na vida das pessoas.
          E ser rico não resolve, os ricos também morrem e são assediados em proporções diferentes em função da etnia. O facto de não serem empurrados para a classe dos indesejáveis não quer dizer que não estejam no fundo da classe onde estão.

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