Feliz ano novo, dr. Costa

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso, 25/07/2020)

Pedro Santos Guerreiro

A palavra do ano é “pandemia” e a frase mais usada é “a situação que estamos a viver”. Bom, a situação que estamos a viver está a correr mal e vai piorar antes de melhorar, pelo que o primeiro-ministro vai cavando trincheiras lá à frente para a sua sobrevivência política.

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Pedir apoio à esquerda, como o António Costa pediu ontem no Parlamento que PS e PSD querem ver encher-se de teias de aranha, é uma forma de abrir espaço político para o ano terrível que se segue. Se a esquerda não aceitar, o PS acusará a deserção e atribuir-lhe-á o ónus para se virar para o PSD.

Nem a Madame Min seria capaz de engendrar tamanha poção maléfica. Portugal está em recessão profunda e possivelmente longa, o desemprego está preso por arames do Estado, as contas públicas abriram uma cratera e será preciso desenhar um Orçamento do Estado que não poderá evitar choques com a função pública e deixar de encomendar uma gestão perfurante da dívida.

É fácil antever uma crise económica e portanto social e portanto política em 2021. E em 2021 há duas eleições e uma presidência portuguesa da UE.

As sondagens que dão agora liderança destacada ao PS são o canto do cisne negro que desabou invisível no nosso mundo. Depois da valorização da segurança do Estado lançada pelo Governo, que tinha prazo de validade para três meses, virá o tempo do deserto.

O oásis está nos financiamentos comunitários, que somos péssimos a executar. O Governo vai cair na tentação de desimpedir a burocracia e os filtros de controlo, para que o dinheiro chegue depressa à economia real. O problema não será a pressa, mas a estratégia, se a houver. Essa é a única jangada visível a que nos podemos agarrar, pelo que a máquina do Estado terá de estar apta a pôr em marcha os projetos para fazer arrancar um país com capital a menos e dívida a mais.

É perante esta tormenta que António Costa e Rui Rio vão jogando o seu caminho de alianças precárias, mesmo se já começámos a ouvir falar de necessidades de acordos de regime ou “soluções políticas alargadas”, como lhe chama o Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa até anda recolhido e diz agora que não comenta o fim dos debates quinzenais porque seria meter-se na vida de outros órgãos de soberania — logo ele, que se mete em tudo.

Depois das eleições, o Presidente da República pode até ser o mesmo, mas será outro. E a esquerda?

É difícil imaginar uma nova ‘geringonça’, mas é possível antever um PS a pendular entre orçamentos e acordos para fundos comunitários com o PSD, e salvações de empresas com PCP e BE. Como ontem dizia com graça o jornalista António Costa, o primeiro-ministro pede namoro ao PCP e ao BE enquanto mantém um caso extraconjugal com o PSD.

Todos os anos, o primeiro-ministro dá uma longa entrevista ao Expresso em agosto, em que desenha o mapa político do ano que se segue. Este verão, provavelmente assim o leremos, renovando votos à esquerda e mantendo pontes com a direita que diz que não é direita. É ele que está no meio da ponte, entre “a situação que estamos a viver” e a maior crise económica das nossas vidas. Ninguém quereria estar na pele do primeiro-ministro. Exceto ele.


2 pensamentos sobre “Feliz ano novo, dr. Costa

  1. «vai piorar antes de melhorar»
    The Talented Mr Ripley, pardon, Mr Trump veio há dias dizer isso, nas tiradas simples do seu vocabulário prático.
    Sem ofensa, Lily Caneças diria algo semelhante.
    No pós Passos-Portas, tudo iria melhorar tanto,
    que foi possível sem qq estudo de consequências,
    reduzir o pesado esforço das 40 horas, com a saúde ‘confinada’ por Centeno.
    O que não tem faltado na paróquia, têm sido pregadores de amanhãs que cantavam.
    Vale, o silêncio quinzenal, deixá-los trabalhar.
    A bem do Regime.

  2. Por que será que os comentadores de direita têm todos, mas todos, uma visão tão negativa do futuro? Qual seria a visão deles, com este mesmo quadro, se o Governo fosse do PSD/CDS? ou mesmo do Chega. É esta falta de isenção no comentário político, que tira a credibilidade. A situação não será o que todos nós desejaríamos, mas esta tem uma origem determinada, ou seja a pandemia que paralisou a Europa e o Mundo. Portugal é uma economia débil, já o sabemos, mas o que faria outro Governo, nestas circunstâncias? Faria como o Governo do PSD/CDS? Tirava a quem pouco ou nada tem para deixar folgar os que tudo têm? Claro que é essa a vossa intenção. O vosso discurso não engana ninguém.

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