(Pedro Lains, in Diário de Notícias, 21/10/2019)
Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.
O termo “geringonça” foi desde o início pejorativo e nunca percebi como os protagonistas o adotaram como seu. Agora já se percebe. Nenhum deles gostava do sítio onde estava. Na verdade, o acordo de incidência parlamentar – o termo técnico apropriado – foi um acordo conjuntural que, afinal, não mudou substancialmente a forma de fazer política em Portugal. Foi um acordo decorrente dos excessos governativos de Passos Coelho e do cantar de cisne de Cavaco Silva. Aliás, como qualquer manual de Ciência Política preveria. Mesmo que não tenhamos lido nenhum, sabemos que o excesso provoca relação e a reação foi o acordo à esquerda.
Mas, afinal, quem foi o principal protagonista desse mesmo acordo? Esta pergunta tem estado no ar desde o primeiro dia, mas agora temos um novo dado para poder concluir que a hipótese de o protagonista ser o PCP é a mais viável.
Vejamos o facto mais relevante dos primeiros dias a seguir às eleições, a saber, a rapidez com que o PS consultou os partidos a ele mais ligados e desistiu de fazer um novo acordo parlamentar e, muito menos, um governo de coligação. Pelo meio, vimos o PCP apressar-se a lembrar que em 2015 houvera apenas um entendimento, que não era para repetir. Ditas estas palavras e vistos estes atos, de fora só se pode concluir que as decisões sobre o dia seguinte às eleições já estavam preparadas antes de elas ocorrerem. Em conclusão, a tal “geringonça” acabará na história como um epifenómeno, resultante dos excessos do governo do tempo da troika e da vontade do PCP em acabar com tudo isso. Pode não ser verdade, mas a história vai ter muito trabalho a explicar o que verdadeiramente aconteceu.
Todavia, no meio destes passos, uma coisa ficou certa: Portugal não entrou na era de governos de coligação, não se tornou uma democracia do estilo norte-europeu, em que cada eleição sem vencedor com maioria absoluta é seguida de sérias negociações, muitas vezes prolongadas no tempo, para formação de governos de coligação com maiorias parlamentares ou, no mínimo, com acordos de incidência parlamentar. Por cá ficamos, afinal, com um mero governo minoritário. As fraquezas desse governo serão muitas. Aliás, a própria constituição é um sinal de fraqueza, com a escolha de quatro ministros de Estado, acima de todos os outros. Isso tem mais desvantagens do que vantagens, mas, acima de tudo, nunca pensei que iríamos ter novamente um ministro das Finanças que fosse também de Estado, lembrando os tempos menos felizes do passado recente. Pode não ser determinante, mas não tranquiliza.
E o que se vai passar a seguir? Não sabemos, mas podemos prever que os principais problemas do futuro próximo serão sobretudo políticos e não económicos. Os partidos da oposição, à direita, como é apanágio da sua área política, assustam com a crise económica que aí vem. Já se consegue ler nos media a data dessa crise (segundo semestre de 2020). Ora, como todos os que sabem um pouco de economia sabem, as crises económicas não se preveem. Aliás, podemos mesmo perguntar aos respetivos arautos se já estão a fazer investimentos que jogam com a subida de juros (não estão). O ministro das Finanças fez o que tinha a fazer e colocou o défice em zero de modo a poder encaixar no Orçamento do Estado o pagamento dos juros da dívida e isso é a maior certeza que alguém pode oferecer quanto ao futuro financeiro do país. O problema não virá daí. Também alguns temem que os problemas venham dos sindicatos e da instabilidade política, temor que tem alguma razão de ser, mas que não é para mim o pior cenário.
O maior perigo da não existência de um novo acordo de incidência parlamentar ou de uma coligação vem da possibilidade de regresso das velhas ideias sobre como se gere mal uma economia como a portuguesa. Quatro anos não são suficientes para acabar com a economia seguida nos tempos da troika. Se o país não entrou na era das coligações de geometria variável, muito menos se libertou do regresso da economia da austeridade, que ainda espreita, atenta, um pouco por todo o lado.
Investigador da Universidade de Lisboa
> Aliás, podemos mesmo perguntar aos respetivos arautos se já estão a fazer investimentos que jogam com a subida de juros (não estão)
Bem, há mais 3 factores de porque é que isso não acontece: as crises podem-se prever, mas não a data exacta; a subida de juros provavelmente não acontece porque esta depende do Banco Central, e o BCE é o único orgão europeu que faz alguma coisa para que os países não vão à falência; sendo possível fazer tal investimento com 10 meses de antecedência, coisa que duvido, seria capital parado até lá num investimento que seria melhor feito mais perto da previsão.
Mas quanto a não prever a crise… quando sai mais da economia privada do que o que entra, em nome das contas certas, chama-se o quê?
O BE juntou-se à Direita para derrotar o PS (Sócrates) e ganhou votos com isso. Está muito tentado voltar a fazê-lo, porque os partidos estão sempre pais interessados em servir-se (ganhar votos) do que em servir…