As campanhas eleitorais são um contributo para a abstenção

(José Pacheco Pereira, in Público, 08/09/2019)

Pacheco Pereira

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Toda a gente diz há muito tempo que o actual modelo de campanha eleitoral está ultrapassado. Não vale a pena sequer lembrá-lo, porque ninguém está disposto a mudar a rotina desgastada das campanhas e, ano após ano, fazem sempre o mesmo. Umas vezes são mais caras, outras menos caras. Mas não só não há qualquer rasgo de inovação, como há uma geral indiferença face àquilo que todos sabem: a inutilidade e o carácter contraproducente das campanhas, que contribuem para a abstenção.

Os políticos não querem e não sabem ser diferentes, mas também não têm muita margem de manobra para o serem, ou porque não sabem nem querem — o populismo é o que está a dar — ou porque os militantes dos partidos estão viciados na rotina e ficam em abstinência se não lhes derem o festival de camisola. E a comunicação social penaliza a mudança.

Vejamos alguns destes factores. Os militantes partidários das estruturas fazem parte da pressão para se fazer sempre o mesmo. Querem o líder para passear na sua terra, levá-lo a cumprimentar o senhor Francisco, comerciante, que é muito “amigo” do partido, ou seja, ajuda a financiar as campanhas locais. E trazer o líder a encontrar os seus conhecidos locais é um factor de influência e importância, mesmo que tudo se passe numa redoma que nunca muda há dezenas de anos, a não ser quando o senhor Francisco morrer ou se zangar com o partido.

E há nos partidos quem goste muito de campanhas eleitorais. As campanhas hoje são essencialmente feitas em outdoors, em páginas do Facebook mais ou menos profissionalizadas e em pseudo-eventos de rua, e há muito dinheiro a ganhar aí. Militantes das “jotas” são pagos para acompanhar o líder em caravanas de terra em terra. Empresas e pseudo-empresas “amigas” ligadas aos partidos, ou, melhor, aos funcionários e militantes do partido, oferecem serviços de marketing, de importação de “brindes”, de organização de eventos, numa rede que se ilumina nas campanhas eleitorais.

A comunicação social, cuja cobertura é tão estereotipada como as campanhas, precisa dos eventos artificiais como as “arruadas” e os pseudocomícios para ter alimento de imagens, sons e incidentes anedóticos para encher os telejornais e os jornais e, se não lhos derem, desata a protestar pela “pobreza” da campanha, ou pelos “erros de comunicação”, ou a referir as ausências que devem ser punidas. Tudo isto se passa num ambiente de desertificação de ideias e propostas, e tudo o que é mais sério ou não é coberto ou é tido como sem interesse mediático.

E por aí adiante. Deviam todos parar para pensar, mas nos dias de hoje parar para pensar é tão contraditório com o estilo de vida centrado nos devices, nos telemóveis e nas redes sociais, que é um acto quase de per si revolucionário. E nós não temos uma abundância de revolucionários. E pensar exige tempo lento, silêncio, solidão e espaço e é tão hostil à ecologia da pressa, do barulho, das 24 horas em directo.

Uma das coisas que se podiam ir fazendo era restringir os temas de campanha e, sobre os temas, que sobrassem do pandemónio de querer falar de tudo, fazer propostas a sério, com princípio, meio e fim, com ideologia e política, e saber. Não são propostas tecnocráticas, são propostas políticas. E centrar tudo aí.

Eu admiraria um candidato que dissesse: “Eu vou gerir nos próximos quatro anos tudo o que tiver que gerir, sem rasgos especiais, nem inovações, nem experiências, nem “reformas”, o melhor possível, mas há duas ou três coisas em que vou mudar, e muito. Por exemplo, vou concentrar os recursos e meios do Estado para melhorar as condições de habitação dos portugueses, e julguem-me por isso. Vou mudar toda a rede ferroviária, modernizá-la, e colocá-la ao serviço dos utentes dos transportes e das empresas. E julguem-me por isso. Vou baixar o nível da pobreza de forma significativa e reconstruir o elevador social. E julguem-me por isso. Direi com clareza como o conto fazer e com quem o conto fazer, e as decisões que devem ser tomadas, quem fica a ganhar e quem fica a perder. Defrontarei os interesses e os privilégios que impedem a mudança. E é isso que vou discutir na campanha eleitoral. Não esperem de mim qualquer omnisciência de ter que responder a tudo, até porque há matérias que não domino, mas sei escolher quem as conhece e sei ouvir o que me dizem.

Não vou fazer 50 coisas, vou fazer três, mas três estruturantes. Em todos estes casos vou concentrar recursos, meios e conhecimento especializado. No fim do mandato, as mudanças têm que ser significativas e inequívocas, serão de natureza quantitativa e qualitativa e, se for um problema que possa ser resolvido por umas décadas, ficará resolvido. Julguem-me por isso. E irei candidatar-me de novo a um outro mandato da mesma forma, com mais três programas estruturantes, seja o interior, seja a modernização da administração pública, seja o combate à corrupção, seja a reforma das Forças Armadas.”

A campanha seria, assim, séria e sóbria, mas colocaria a comunicação social a subir pelas paredes acima, com o aborrecimento da campanha. A prazo, provavelmente teria uma fase de “estranha-se”, antes de ter uma fase de “entranha-se”. Por isso, precisa de tempo, e provavelmente não será “ganhadora”, a curto prazo, mas com perseverança, seria pedagógica e refrescante. Em vez da “novidade” superficial e do ruído, das modernices da moda, dos truques e das frases assassinas preparadas pelas agências de comunicação, faria um esforço para ser útil. Admito que me digam que tal é hoje completamente impossível na ecologia mediática dos nossos dias. Talvez. Mas eu não acho que essa ecologia seja um progresso da democracia, bem pelo contrário.


8 pensamentos sobre “As campanhas eleitorais são um contributo para a abstenção

    • Nota. Fomentar como, pázinho? Fermentar ou levedar, a Fermentera das férias com a Fernandinha, ou andarás com Fome apenas? Que se passa contigo, e com coitada da abstenção afinel-afinil-afinol-afinul?

      Sinónimos

      esfregar
      estimular
      atritar
      friccionar
      roçar
      ungir
      untar
      bolinar
      acalorar
      aguçar
      aguilhoar
      alentar
      animar
      aquecer
      atiçar
      ativar
      avivar
      bafejar
      comover
      compelir
      concitar
      despertar
      encorajar
      entusiasmar
      espicaçar
      excitar
      incentivar
      incitar
      induzir
      instar

      • Adenda, sobre o afinol (e bebe água del cano).

        […]

        5. Bebe muito álcool

        Um Martini como aperitivo resulta bem: abre o apetite para o que vem a seguir. O problema é se o álcool entra no momento do dia em que não é suposto ter-se fome. Um estudo publicado na Appetite diz que o álcool estimula o consumo de comida calórica até quando se está de estômago cheio. Como o álcool desidrata, há ainda a possibilidade de confundir a sede com fome. Lembre-se do velho truque e, em noites longas, alterne cocktails e afins com água.

        Sete razões por que anda sempre com fome
        4/6/2015, 15:27408

        Se passa o dia com fome e não anda a dar tudo no ginásio, nem está grávida, preste muita atenção a este artigo e veja o que pode andar a fazer mal.

        https://observador.pt/2015/06/04/sete-razoes-anda-sempre-fome/

  1. Desculpe meter-me na conversa, RFC, mas já lhe ocorreu que o amiguinho pode estar grávido e que vai nascer um Valupizinho? Vai ser lindo, vai, eu, que vejo mais longe do que as pessoas mortais, já estou a ver o Aspuruna B: ao gugu-dada existente, o do jpferra, vem juntar-se o gugu-dada do petiz. Que desassossego à hora do lanche, nem quero pensar na canseira que espera a futura madrinha d’Um Jeito Manso nesse virote a preparar o leite e as sandochas!

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