O euro pode ser salvo? 

(Joseph E. Stiglitz, in Expresso, 07/07/2018)

 

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(Este é o debate que todos temem fazer sobre o futuro da Europa e do Euro. Ninguém se atreve a dizer, ao nível de pensadores económicos, que Stiglitz não tem razão. Contudo os políticos nada fazem. A Europa caminha para o abismo e todos assobiam para o ar. Uma cambada de eunucos. É triste ter de vir um americano vir dizer à Europa e aos europeus o que eles estão fartos de saber mas que teimam em ignorar. Somos uma espécie de doente em estado terminal que rejeita ouvir falar em remédios e se deixa morrer conformado.

Comentário da Estátua, 07/07/2018)


Se um país tem problemas, a culpa é dele; se muitos têm, a culpa é do sistema. É o caso do euro, concebido para falhar e cuja reforma está no impasse.


NOVA IORQUE — O euro poderá estar à beira de uma nova crise. A Itália, a terceira maior economia da zona euro, escolheu o que pode ser descrito como, na melhor das hipóteses, um Governo eurocético. Isto não deveria surpreender ninguém. A reação negativa da Itália é outro episódio previsível (e previsto) na longa saga de um acordo monetário deficientemente concebido, no qual a potência dominante, a Alemanha, entrava as reformas necessárias e insiste em políticas que agravam os problemas inerentes, usando uma retórica aparentemente destinada a excitar os ânimos.

A Itália tem tido um fraco desempenho desde o lançamento do euro. O seu PIB real (ajustado pela inflação) em 2016 foi idêntico ao que era em 2001. Mas a zona euro, na sua totalidade, também não tem tido um bom desempenho. Entre 2008 e 2016, o seu PIB real aumentou apenas 3% no total. Em 2000, um ano depois da introdução do euro, a economia dos EUA era apenas 13% maior do que a zona euro; em 2016 já era 26% maior. Depois de um crescimento real de cerca de 2,4% em 2017 — insuficiente para reverter os danos de uma década de mal-estar — a economia da zona euro está novamente a vacilar.

Se um país tem problemas, a culpa é do país; se muitos países têm problemas, a culpa é do sistema. E tal como explico no meu livro “O Euro: Como uma moeda comum ameaça o futuro da Europa” (“The Euro: How a Common Currency Threatens the Future of Europe”), o euro era um sistema quase concebido para falhar. Retirou aos governos os seus principais mecanismos de ajustamento (as taxas de juro e de câmbio); e, em vez de criar novas instituições que ajudassem os países a ultrapassar as várias situações em que hoje se encontram, impôs novas restrições — frequentemente baseadas em teorias económicas e políticas desacreditadas — sobre os défices, a dívida, e mesmo sobre políticas estruturais.

Supunha-se que o euro traria uma prosperidade partilhada, que melhoraria a solidariedade e promoveria o objetivo da integração europeia. Com efeito, fez exatamente o contrário ao retardar o crescimento e semear a discórdia.

O problema não está na falta de ideias para avançar. O Presidente francês, Emmanuel Macron, em dois discursos, na Sorbonne no passado mês de setembro, e quando recebeu o Prémio Carlos Magno para a Unidade Europeia em maio, defendeu uma visão clara para o futuro da Europa. Mas a chanceler alemã, Angela Merkel, acabou por lançar um balde de água fria sobre as propostas de Macron, sugerindo, por exemplo, quantias risivelmente reduzidas para investimento em áreas que dele necessitam urgentemente.

No meu livro, realcei a necessidade urgente de um modelo europeu de garantia de depósitos, para evitar as corridas contra os sistemas bancários dos países mais fracos. A Alemanha parece reconhecer a importância de uma união bancária para o funcionamento da moeda única, mas, tal com Santo Agostinho, a sua resposta tem sido “Senhor, dai-me a pureza, mas não agora”. A união bancária é aparentemente uma reforma a realizar algures no futuro, independentemente dos problemas que ocorram no presente.

O problema central de uma zona monetária reside na correção dos desajustamentos de taxas de câmbio, como o que afeta hoje a Itália. A resposta da Alemanha consiste em colocar o fardo sobre os países mais fracos, que já sofrem com o elevado desemprego e as baixas taxas de crescimento. Sabemos onde é que isto vai levar: mais dor, mais sofrimento, mais desemprego, e um crescimento ainda mais lento. Mesmo que o crescimento acabe por recuperar, o PIB nunca chegará ao nível que poderia atingir se tivesse sido prosseguida uma estratégia mais sensata. A alternativa consiste em transferir uma maior parte do fardo do ajustamento para os países mais fortes, e em programas de investimento governamental que apoiem salários mais elevados e uma procura mais dinâmica.

Já assistimos muitas vezes ao primeiro e segundo atos desta peça. É eleito um novo governo, que promete um melhor desempenho nas negociações com os alemães, para acabar com a austeridade e conceber um programa de reformas estruturais mais razoável. Mesmo se os alemães fizerem alguma concessão, não será suficiente para alterar a orientação da economia. Por isso, o sentimento antialemão aumenta, e qualquer governo que sugira as reformas necessárias, independentemente de ser de centro-esquerda ou de centro-direita, é expulso do poder. Os partidos antissistema ganham terreno. E surge o impasse.

Por toda a zona euro, os líderes políticos estão a entrar num estado de paralisia: os cidadãos querem permanecer na União Europeia (UE), mas também querem o fim da austeridade e o retorno da prosperidade. Dizem-lhes que não podem ter as duas coisas. Sempre na esperança de uma mudança de opinião no norte da Europa, os governos em apuros mantêm a sua rota, e o sofrimento dos seus povos aumenta.

O Governo do primeiro-ministro português, António Costa, liderado pelos socialistas, é a exceção a este padrão. Costa conseguiu conduzir o seu país de volta ao crescimento (2,7% em 2017) e alcançar um elevado grau de popularidade (44% dos portugueses consideraram em abril de 2018 que o desempenho do Governo estava acima das expectativas).

A Itália poderá vir a ser outra exceção — embora de um modo muito diferente. Aí, o sentimento antieuro está presente tanto à esquerda como à direita. Com o seu partido de extrema-direita, a Liga, agora no poder, Matteo Salvini, líder do partido e político experiente, poderá levar a cabo os tipos de ameaças que neófitos de outras paragens recearam implementar. A Itália é suficientemente grande, e com suficientes economistas bons e criativos, para conseguir um afastamento de facto — implementando efetivamente uma moeda dual flexível que ajudasse a restaurar a prosperidade. Isto violaria as regras do euro, mas o fardo de um afastamento de jure, com todas as suas consequências, seria transferido para Bruxelas e Frankfurt, e a Itália contaria com a paralisia da UE para evitar a rutura final. Independentemente do resultado, a zona euro ficaria desfeita.

Não precisaríamos de chegar a esse ponto. A Alemanha e outros países da Europa do norte podem salvar o euro, se demonstrarem mais humanidade e mais flexibilidade. Mas tendo assistido tantas vezes aos primeiros atos desta peça, não conto com eles para uma mudança de enredo.


Prémio Nobel da Economia, professor universitário na Universidade de Columbia. © Project Syndicate 1995–2018 

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